Em nome do pai, do filho e de Romeo Castellucci

'Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus' em estreia nacional

Em nome do pai, do filho e de Romeo Castellucci

Uma década depois da passagem pelo Alkantara Festival, o encenador italiano Romeo Castellucci regressa aos palcos da capital com o polémico Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus. Para além do espetáculo, o Teatro São Luiz propõe toda uma semana dedicada a uma das figuras centrais do teatro europeu da atualidade.

Por vezes, uma polémica parece sobrepor-se à obra que a desencadeia. Se recuarmos a 2011, quando Sul Concetto di Volto Nel Figlio di Dio – Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus – estreou em Paris, no Théâtre de la Ville, iremos ouvir pouco debate sobre a peça e muito ruído sobre os incidentes desencadeados por grupos fundamentalistas cristãos, apostados em protestar veementemente contra a apresentação do espetáculo. Segundo eles, Romeo Castellucci é um “cristianofóbico” e concebera uma peça ofensiva da moral cristã.

Em palco, um pai e um filho, sob o olhar omnipresente de Cristo (representado na pintura de Antonello de Messina Salvatore Mundi). O filho tenta ir trabalhar, mas tem de deixar o pai idoso, assolado por incontinência fecal, limpo e confortável. Por um lado, há a abnegação do filho, por outro, o comportamento do pai que parece punir o filho. Será o pai “o sinédoque de Deus” e o filho, Jesus na cruz?

Quase cinco anos depois, quando recorda os episódios de Paris (depois, mais levemente replicados noutros locais), Castellucci desvaloriza, sublinhando que essas pessoas procuravam “apenas a polémica, talvez por razões políticas demasiado entediantes”. Desde dai, a peça percorreu o mundo, inquietou e lançou a dúvida, cumprindo essa missão do teatro enquanto “espaço da indeterminação”, como refere o encenador a Tiago Bartolomeu Costa, numa entrevista recente, incluída na folha de sala da apresentação em Lisboa do espetáculo.

Afinal, Castellucci considera que “o teatro não pode ser um lugar de consumo. É antes de mais um espaço problemático porque questiona e exige que o espetador invente. É um espaço quase moral, diria, porque pede, sobretudo, que o olhar seja responsável”. Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus é um arquétipo desta conceção de teatro. Com, ou sem, controvérsias e escândalos.

 

 

Mas valerá a pena ressuscitar a polémica perante um criador reconhecido mundialmente, tão amado e, simultaneamente, tão odiado por, no fundo, procurar quebrar os limites em algo tão presente na estética ocidental como o binómio ausência e presença de Deus?

Para a diretora artística do Teatro Municipal São Luiz, Aida Tavares, “depois de ver o espetáculo tenho a certeza que grande parte do público não vai compreender o que sucedeu em Paris. Acho até que é um espetáculo bastante cristão, apesar de questionar a fé e a religiosidade, e a nós próprios, perante determinadas situações das nossas vidas.”

Como contributo para a reflexão, e ao mesmo tempo para prestar a devida homenagem a um nome tão relevante da cena mundial, o São Luiz propõe uma programação paralela que acompanha a apresentação, em estreia nacional (a peça será apresentada a 12 de maio, no Porto), de Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus. “Sentimos que a complexidade da peça e, no fundo, de toda a obra de Castellucci, deveria ser acompanhada por um ciclo de iniciativas que propusessem ao público um enquadramento”.

Assim, logo a partir de 3 de maio, o São Luiz inicia a exibição em vídeo de Tragedia Endogonidia, “um vasto projeto de recapitulação teatral” em episódios onde se “inventam situações e acontecimentos encenados sem comentários nem explicações.” Cabe ao espetador observar e interpretar o que está a ver, em oposição a um tempo em que o teatro usa “as suas próprias regras de ficção e retórica” para persuadir o público num determinado sentido politico e social.

“Os outros momentos que compõem a programação são uma masterclass com o próprio Romeu Castellucci; uma conversa do encenador com o público, logo após o espetáculo de dia 7; e uma conversa entre Maria Filomena Molder, Mónica Calle e o padre José Tolentino Mendonça, moderada por Pedro Sobrado, onde, a partir do espetáculo, se vão debater temas como a fé, a ética ou a política”, salienta Aida Tavares.

Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus é apresentado no âmbito do programa Noites Maria & Luiz, uma iniciativa conjunta dos teatro municipais São Luiz e Maria Matos, que promete trazer a Lisboa alguns dos nomes mais importantes da cena artística internacional. Romeo Castellucci sucede ao coreógrafo francês Jérôme Bel, que apresentou na passada semana em Lisboa, Gala.