reportagem
Leituras de verão
Sete autores e 14 livros para um verão inesquecível
Os bons livros ajudam a tornar inesquecíveis determinados momentos ou períodos das nossas vidas. Em particular o verão, cuja placidez convida a leituras profundas que a agitação dos dias de trabalho não permite. Sete prestigiados escritores portugueses, com edições recentes, apresentam os seus novos livros e recomendam um título para ler nas férias que se avizinham.
José Riço Direitinho
O meu romance mais recente, O Escuro que te ilumina (Quetzal), é o Diário de um homem que percebe que o sexo é a única maneira de escapar a uma solidão desesperada, com uma escrita muito crua mas bastante literária. É um livro simultaneamente pornográfico e poético, quase ultra-romântico porque exprime também a paixão deste homem por uma vizinha. Uma descida aos abismos que expõe a vida por detrás das vidas que as pessoas mostram no dia-a-dia. Extinção de Thomas Bernhard é a minha sugestão de leitura de verão, um romance longo com um ritmo de escrita musical. Bernhard conhecia composição e sabia profundamente de música e este livro é quase uma sinfonia em termos de repetições de vozes, com frases que se repetem com se fossem estribilhos de canções. Um livro que, com alguma falta de censura, entra na cabeça das personagens e também desce a alguns abismos.
João Tordo
Ensina-me a Voar sobre Telhados (Companhia das Letras) é um romance dividido em duas partes distintas que acabam por se unir. Na atualidade, no Liceu Camões, em Lisboa, um funcionário tenta ajudar a ultrapassar a depressão coletiva causada pelo suicídio de um dos professores. No Japão, em 1917, um filho que desonrou a família é exilado pelo pai numa ilha deserta para morrer à fome e à sede. Um épico que cobre 100 anos de história sobre os temas da compaixão e da crueldade. Recomendo Meridiano 28 de Joel Neto. Gostei muito do seu primeiro romance Arquipélago e acho este ainda melhor. O livro passa-se nos Açores durante a II Guerra Mundial, tem uma forte componente de investigação histórica e uma vertente que me interessa que é a de compulsar vários elementos numa só narrativa. O Joel é um escritor que diz muito em poucas palavras, que traça na perfeição os destinos das personagens em histórias recompensadoras emocionalmente.
Luísa Costa Gomes
O romance Florinhas de Soror Nada (Dom Quixote) descreve uma perda de fé na igreja católica. Perda de fé que é vista como uma libertação e uma possibilidade de viver de forma mais verdadeira e humana. A minha proposta de leitura é Quincas Borba de Machado de Assis. Uma obra que releio todos os anos e que propõe uma conceção do mundo que é o humanitismo, critica ao humanismo no sentido em que este considera o homem a medida de todas as coisas, quando, no fundo, fazendo o que se fizer, o mundo não se compadece com nenhuma moralidade. A natureza é impassível e indiferente ao sofrimento humano. O livro proclama, num sentido paradoxal, a inutilidade do sofrimento e a sua impossibilidade de erradicação.
Joana Gorjão Henriques
Racismo no País dos Brancos Costumes (Tinta-da-China), é um livro sobre o racismo em Portugal, hoje. A ideia é, através de oitenta entrevistas, tentar abordar a forma como o racismo se manifesta estruturalmente na sociedade portuguesa. As pessoas contam as suas próprias histórias e fazem as suas análises sobre a descriminação racial em Portugal. Aconselho a leitura de Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism de Grada Kilomba, uma artista portuguesa, afrodescendente, a viver em Berlim. Um ensaio pujante que recorre também a algumas entrevistas sobre o racismo. Um livro na primeira pessoa de uma artista e académica que faz um cruzamento profundamente original da experiência pessoal com a análise científica.
Jacinto Lucas Pires
A Gargalhada de Augusto Reis (Porto Editora), romance sobre a personagem de um banqueiro e poeta, faz uma junção improvável entre números e palavras. A obra atravessa o nosso tempo histórico coletivo: vem do estado Novo até aos dias de hoje. O protagonista é alguém que tem a capacidade de manter a alegria no meio de grandes terramotos, de uma profunda crise coletiva e pessoal. O romance reflete sobre se, nestas condições, a alegria é uma possibilidade e se pode servil de farol para os outros. O livro que referencio é A Marcha de Radetzky, de Joseph Roth, um romance sobre a ideia de sonho europeu “avant la lettre”. Apesar de se reportar ao final do Império Austro-Húngaro, é uma obra muito atual porque fala na necessidade de vivermos num espaço único, mas multicultural, como forma de evitarmos novas guerras. Para além de estar muito bem escrito, com grandes metáforas, belas personagens e intriga brilhante, tem este lado suplementar de nos chamar a atenção para o presente.
Patrícia Müller
Chovem Cães e Gatos na Minha Rua (Zero a Oito), livro infantil para os meninos que já sabem ler, conta a história de uma amizade improvável entre um cão e um gato. É uma alegoria à situação dos refugiados porque o cão guarda o país dos cães e recebe uma gata que foi expulsa do país dos gatos. Uma história de amizade/amor, porque o amor e a amizade são muito parecidos. Enquanto Lisboa Arde, o Rio de Janeiro Pega Fogo, de Hugo Gonçalves, é uma obra incrível pela ponte que constrói entre Portugal e o Brasil. É um livro contemporâneo que narra a experiência de um português que vai viver para o Rio, a sua relação com as mulheres, com as drogas, com a nova cidade e com o que deixou para trás. Tem também um elemento policial que torna a leitura viciante e que o converte num romance ideal para o verão.
Joana Bértholo
O romance Ecologia (Editorial Caminho) tem como tema a privatização da linguagem, o momento em que começamos a pagar pelas palavras. Conta as histórias de pessoas muito diferentes entre si, um casal, um grupo de amigos, um homem que está preso, que têm que lidar com esta nova realidade em que as palavras são uma mercadoria que se vende e se compra. Como consequência, o livro apresenta uma nova proposta ecológica porque é a linguagem que nos liga ao meio ambiente. Proponho a leitura das Obras Completas de Nuno Bragança, um autor essencial do século XX português com uma inventividade e uma relação com a língua muito singulares. Esta é uma otima sugestão para quem nunca o leu, porque está lá tudo. Quem leu A Noite e o Riso ou Directa, encontra nesta edição uma série de textos nunca antes publicados em livro. Uma aposta ganha para quem conhece e para quem não conhece Nuno Bragança.