Os Esquecidos de Kafka

‘A Arte da Fome’ no Teatro São Luiz

Os Esquecidos de Kafka

Os anos de chumbo da troika levaram Carla Bolito a Franz Kafka e a três contos que o autor checo consagrou a artistas. No momento atual, quando a Cultura teima em não sentir o fim da crise, o espetáculo chega ao palco, com interpretações de Cláudio da Silva e Ivo Alexandre. A Arte da Fome estreia a 21 de setembro, na Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz.

Quando saiu a notícia de extinção do Ministério da Cultura, por decisão do governo de Passos Coelho, a Carla Bolito acorreu de imediato um breve conto de Kafka, Um Artista da Fome, e a premência de colocá-lo em palco como “um statment perante a desconsideração que os governantes estavam a ter para com a cultura e os artistas”. O tempo passou e, como se sabe, a vida de artista no teatro nem sempre se coaduna com as emergências da criação, pelo que este A Arte da Fome foi amadurecendo e, àquele conto, se haveriam de acrescentar mais dois: Primeiro Sofrimento e Josefine, a Cantora ou o Povo dos Ratos.

Para os mais desatentos, poderia pensar-se que as intenções da encenadora lograriam esfumar-se no otimismo reinante pós-troika. Mas, e infelizmente para a Cultura e para os artistas, tal não aconteceu, apesar de ter voltado a haver um Ministério da Cultura. Para desgosto de Bolito e seus pares, “o teatro continua a ser A Arte da Fome”. Por isso, um espetáculo sobre o artista na sociedade, sobre a sua relação com o público, entre a idolatria, a incompreensão e o esquecimento, é sempre “uma urgência”.

Num “ambiente bas-fond de cabaret de província”, a encenadora coloca Cláudio da Silva e Ivo Alexandre como narradores dos contos, numa espécie de “stand up literário”, onde estas bizarras histórias se estabelecem num diálogo amargo, embora pontuado pelo “grande sentido de humor” que carateriza parte das narrativas kafkianas. Perante a excitação do aplauso e a amargura do esquecimento, ao som de um órgão barato que debita música mexicana, também eles são, naquele lugar, dois artistas em fuga ao destino anunciado dos esquecidos de Kafka.