Centenário Bergman

Em busca de Ingmar Bergman

Centenário Bergman

No ano do centenário de nascimento de um dos maiores cineastas da segunda metade do século XX, há várias propostas para um reencontro com a profícua e genial obra de Ingmar Bergman. Da reposição em sala de cinema de muitas das suas obras-primas à estreia de dois documentários essenciais sobre o realizador, encenador e dramaturgo sueco, junta-se um espetáculo de homenagem dirigido pela coreógrafa Olga Roriz.

Comece-se pelo fim, como se aqui propuséssemos um roteiro para assinalar os 100 anos de Ingmar Bergman. E, pelo fim, é começar por (re)descobrir a derradeira obra que o cineasta sueco assinou: Saraband, em 2003. No Cinema Ideal, a partir de 12 de julho, Liv Ullmann e Erland Josephson voltam a encher o ecrã, retomando, 30 anos depois, as personagens de Cenas da Vida Conjugal (1973). Aos dois bergmanianos atores juntam-se Borje Ahlstedt e Julia Dufvenius para interpretar, como o próprio Bergman considerou, “um concerto para uma orquestra sinfónica, com quatro solistas”. Obra magnífica, inovadora no uso da câmara digital, a reposição de Saraband coincide, precisamente, com o aniversário de Bergman, a 14 de julho.

E, será nesse mesmo dia que a coreógrafa portuguesa Olga Roriz leva ao Festival de Almada o espetáculo A Meio da Noite. Segundo a própria, nesta criação é abordada “a temática existencialista de Bergman, sendo simultaneamente uma peça sobre o processo de criação, numa procura incessante de si próprio e dos outros”. Em tournée por Portugal e Brasil, A Meio da Noite chegará ao palco do Teatro Camões, em outubro.

De regresso à obra de Bergman, outubro será também o mês em que o essencial da sua filmografia está de volta ao grande ecrã, aliás, à semelhança do que se passa em todo o mundo (basta uma visita à página oficial da Fundação Ingmar Bergman para entender a dimensão da efeméride). No Espaço Nimas, para além de obras-primas absolutas, como O Sétimo Selo ou Persona, que têm vindo a ser exibidas pontualmente naquela sala ao longo dos últimos anos, este novo ciclo inclui três novidades: A Hora do Lobo, A Vergonha (ambos de 1968) e Paixão (1969), filmes que ainda não faziam parte do catálogo da Leopardo Filmes, atual responsável em Portugal pela distribuição e edição videográfica dos filmes de Bergman.

Para além da obra cinematográfica, o Espaço Nimas vai exibir ainda dois documentários em torno da personalidade única do mestre sueco. Em Bergman – A year in a life, a cineasta Jane Magnusson revisita o importante ano de 1957, aquele em que O Sétimo Selo e Morangos Silvestres o coroavam internacionalmente como cineasta maior; aquele em que dirige o seu primeiro filme para a televisão; e ainda aquele em que abraça a encenação de várias peças, como um colossal Peer Gynt, de Ibsen (com cinco horas de duração!). Como escreveu a Variety, o documentário de Magnusson é o impressionante retrato de “um homem tão consumido pelo trabalho como pela sua obsessão pelas mulheres. Um homem que parece viver três vidas ao mesmo tempo.”

O segundo filme a estrear em sala é Searchig for Ingmar Bergman, de Margareth von Trotta (realizadora de Hannah Arendt). Neste documentário, a cineasta alemã parte em busca do legado de Bergman compilando entrevistas a realizadores “tocados” pelo mestre, como Olivier Assayas, Ruben Östlund, Mia Hansen-Love ou Carlos Saura; guionistas e dramaturgos, como o grande Jean-Claude Carrière; e atores, como a bergmaniana Liv Ullmann.

Como complemento, e para fechar o “roteiro”, deixamos ainda uma sugestão: Lanterna Mágica, a autobiografia, publicada em Portugal pela Relógio d’Água. Ali, o cineasta escreveu: “Dirigir um filme é um trabalho que, em si, encerra um erotismo enorme. É o facto de estarmos, sem retraimentos, tão perto dos atores numa entrega total, recíproca. Depois a intimidade, a dedicação, a dependência, a ternura, a confiança, a fé no olho mágico da câmara (…) a respiração do próprio ar, os momentos vividos de triunfo e de fracasso são coisas que contribuem para criar uma atmosfera carregada de sexualidade a que não nos podemos furtar. Foram precisos muitos anos até eu, por fim, reconhecer que, um dia, a câmara deixaria de trabalhar e que os holofotes se apagariam.”

Ingmar Bergman nasceu a 14 de julho de 1917, em Uppsala, pequena cidade a norte de Estocolmo. Filho de um pastor luterano, teve uma educação rígida e austera que havia de marcar indelevelmente a sua obra. Enquanto estudante na Universidade de Estocolmo começa por interessar-se por teatro (escreve a primeira peça, A Morte de Kasper em 1941). Posteriormente, surge o cinema – o seu primeiro guião é escrito para o filme de Alf Sjöberg, Hets (1944). A sua estreia como realizador acontece no ano seguinte, com Crise. Posteriormente, Bergman desenvolve uma prolixa carreira entre o teatro e o cinema, reconhecido mundialmente como um dos mais geniais autores do nosso tempo. Morreu na ilha de Fårö, a 30 de julho de 2007.