O Ritual e a Norma

"Uníssono" em estreia no Teatro São Luiz

O Ritual e a Norma

Depois do merecido sucesso dos seus trabalhos mais recentes, Fall e Carnaval, o coreógrafo Victor Hugo Pontes está de regresso a Lisboa com Uníssono, uma nova criação em que, uma vez mais, o papel do indivíduo no coletivo está presente. Só que, desta feita, a individualidade é submersa num ritual de massas.

São cinco, mas poderiam ser 10, 20 ou 30, os bailarinos que interpretam a nova criação do coreógrafo vimaranense. Tudo porque em Uníssono, Victor Hugo Pontes opta por sincronizar a larga maioria dos movimentos do elenco num cenário quase asséptico, onde o pormenor sobressai para sublinhar a padronização. Trata-se de um ritual em que o individual se funde num quadro normativo, que evolui de um modo tão rígido quanto uma parada militar.

Na verdade, confessa o coreógrafo, “esta peça nasce dos comentários que me têm sido feitos sobre os meus anteriores trabalhos, onde se percebe a abordagem aos padrões comportamentais do indivíduo quando imerso no coletivo. Há quem aponte que as minhas criações denotam quase sempre o fascínio por uma espécie de harmonia uníssona”. Mas, “este é um trabalho diferente de tudo aquilo que tenho feito, porque levo a replicação dos movimentos entre os bailarinos ao extremo.”

Pontes aproveita a embalagem para interpelar o público com uma dúvida basilar: “será que perdemos a identidade quando mergulhamos no coletivo?”. A coreografia, marcadamente ritual e normativa, não pretende dar uma resposta clara. Porém, através do bailarino que surge, logo no início, como agente autónomo e vai sendo assimilado (ou, como diz o coreógrafo, “mutando-se”) pela “norma”, percebe-se que Uníssono pretende confrontar-nos com a fragilidade da diferença no mundo atual. Até podemos achar que somos um individuo pleno, mas “as regras e normas da sociedade em que nos inserimos acabam por nos impelir para a necessidade de dela fazermos parte”.

Surpreendentemente, para procurar o movimento “uníssono”, Pontes escolhe cinco intérpretes com características físicas diametralmente opostas (três homens e duas mulheres, compleições físicas distintas e, aparentemente, inconfundíveis) que, ao longo da peça, por via de apontamentos nos figurinos e pela intensificação do rito, se vão tornando cada vez mais idênticos. Sem querer desvendar muito mais, no final, surgem mesmo irreconhecíveis.

Uníssono tem estreia a 30 de setembro no São Luiz Teatro Municipal, ficando em cena ao longo de todo o fim-de-semana. O espetáculo passará pelo Teatro Rivoli, no Porto, a 7 e 8 de outubro, e por Aveiro, a 29 do mesmo mês.