Superando as fragilidades

‘Ensaio para uma cartografia’ estreia no TNDM II

Superando as fragilidades

Sobre o palco, 12 atrizes desafiam-se até à superação a tocar Beethoven e a dançar peças clássicas. Mónica Calle estreia-se no Teatro Nacional D. Maria II com um exercício sobre a vida e a arte, o esforço e a dedicação. Ensaio para uma cartografia está em cena até 9 de abril.

Quem tem acompanhado o trabalho de Mónica Calle desde os anos da Casa Conveniente, primeiro na Rua dos Remolares, depois na Nova do Carvalho e, mais recentemente, na Zona J de Chelas, notará, em Ensaio para uma cartografia, a falta da palavra dita que toca o corpo e a alma daquele modo muitas vezes dilacerante que fazia dos seus espetáculos experiências únicas, muitas vezes radicais. Neste espetáculo, há palavra mas em off, sendo o essencial o corpo, as suas fragilidades e limitações e, no limite, a sua capacidade de superação. É, aliás, e como refere a atriz e encenadora, um trabalho à sombra da figura de Luna Andermatt, nome maior da dança portuguesa, com quem trabalhou em Iluminações, quando dirigiu a Companhia Maior.

“Esta peça resulta de um tempo estendido marcado pela partilha e pela cumplicidade entre todas estas atrizes”, sublinha Mónica Calle, apontando Ensaio como mais uma etapa numa cartografia que começou a ser traçada após a reencenação, em 2012, de A Virgem Doida, ainda no Cais do Sodré, e com os itinerantes Sete Pecados Mortais, de Brecht, em 2014. São, aliás, essas peças que começam a cimentar um elenco, tornando a chegada à Zona J de Chelas, à atual Zona Não Vigiada/Casa Conveniente, um processo para “a construção de uma família, de uma casa”, à semelhança da odisseia das duas irmãs protagonistas da peça de Brecht.

Assim, “a casa” constrói-se caminhando, e o caminho que em palco Ana Água, Carolina Varela, Cleo Tavares, Inês Vaz, Joana de Verona, Marta Félix, Míu Lapin, Mónica Garnel, Silvia Barbeiro, Sofia Dinger, Sofia Vitória, a própria Mónica Calle, e ainda Carla Bolito e Ana Montereal, percorrem, é marcado pelo esforço extenuante da repetição e da exposição da fragilidade (mais do que a dos corpos) perante aquilo que as afasta de “zonas de conforto”, como a dança em pontas ou a execução de um andamento da Sétima Sinfonia de Beethoven.

Por tudo isto, Ensaio para uma cartografia é um work in progress, onde a falha e o erro penetram a pele, com dor e suor derramado, como parte de um caminho feroz, violento, muitas vezes esgotante, e onde apenas a dedicação e o compromisso à arte, que a dado momento do espetáculo a voz de Leonard Bernstein aponta, parecem poder levar a um sítio que possamos chamar “casa”.