A Colina de Santana

Itinerários de Lisboa

A Colina de Santana

A Colina de Santana, também conhecida como Colina da Ciência é um percurso que nos leva ao Campo Mártires da Pátria, à Rua do Instituto Bacteriológico, que passa pela Igreja de Nossa Senhora da Pena e Jardim do Torel, e nos dá a conhecer o Hospital de Santo António dos Capuchos, Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, Hospital de Santa Marta e Universidade Autónoma de Lisboa.

Arrabalde da cidade até ao século XVI, época em que foi elevada a freguesia pelo Cardeal D. Henrique, a Colina de Santana, era conhecida como Campo do Curral por ser um local onde se abatia gado e se vendia carne fresca. Foi zona de palácios e conventos, alguns dos quais reconvertidos no século XIX, para funções hospitalares. Como nada acontece por acaso, esta vocação alargou-se à investigação e conferiu a esta zona da cidade o epíteto de “colina da Ciência”. Num circuito longo, com vários desvios e muitas histórias, vamos perceber porquê.

Campo Mártires da Pátria – Estátua Dr. Sousa Martins

 

O percurso começa no Campo Mártires da Pátria, junto à estátua do Dr. Sousa Martins, ao som pouco urbano do canto dos galos e do grasnar dos patos que coabitam no jardim Braancamp Freire. Também chamado Campo Santana, por causa da ermida aqui construída dedicada a Santa Ana, este planalto teve diversos usos e ocupações. Foi curral e açougue, teve uma praça de touros (inaugurada em 1831 e demolida em 1889) e recebeu a Feira da Ladra até 1882. O topónimo Campo Mártires da Pátria data de 1880 e pretendeu homenagear o general Gomes Freire de Andrade e os seus companheiros que tentaram derrubar o governo do Marechal Beresford, acabando alguns por ser enforcados no local.

Em 1907 foi aqui colocada a estátua do Dr. Sousa Martins (1843-1897), da autoria de António Augusto da Costa Motta (tio). Situada em frente à Faculdade de Ciências Médicas, antiga Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde Sousa Martins foi professor, é objeto de devoção por parte de crentes que aqui deixam oferendas por benesses recebidas. Conhecido como “Pai dos Pobres”, este médico dedicou-se a ajudar os mais carenciados a quem recusava honorários. Trabalhou sobretudo no combate contra a tuberculose, doença que acabou por atingi-lo.

R. do Instituto Bacteriológico – Antigo Instituto Bacteriológico Câmara Pestana 

O passeio prossegue pela Rua do Instituto Bacteriológico, assim chamada devido ao antigo Instituto Bacteriológico Câmara Pestana. O médico que lhe deu o nome e que o fundou (1892) e dirigiu foi o bacteriologista Luís da Câmara Pestana. Sumidade no campo das doenças infecto-contagiosas, implementou a vacina contra a raiva, estudou e combateu as várias pestes que assombravam o país, acabando por sucumbir num surto pestífero em 1899 no Porto. O edifício do instituto, hoje sob alçada da Reitoria da Universidade de Lisboa, aproveitou as ruínas do antigo Convento de Santana, do qual resta apenas uma esquina que alberga atualmente uma creche.

Ao observarmos as instalações, impulsionadas pela Rainha D. Amélia (1865-1911) com o objetivo de evitar a ida de doentes a Paris para receberem tratamento contra a raiva, percebemos que o desenho geral é de influência francesa, com mansardas e grandes janelas. Na fachada, deparamo-nos com uma placa evocativa a Luís de Camões que viveu na zona e morreu em 1580, vítima da peste. Os seus restos mortais encontravam-se no exterior do Convento de Santana e foram transladados, sem segura identificação, para o Mosteiro dos Jerónimos em 1880.

Calçada de Santana – Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Pena

 

   

Descendo a Calçada de Santana chegamos à Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Pena. Em 1689, na qualidade de irmão da Confraria de Nossa Senhora das Virtudes, João Antunes projetou uma capela e respetiva obra de pedraria, tendo a atual igreja sido construída em 1705. Ao entrar pela porta lateral deparamos com o magnífico altar-mor em talha barroca que inclui a figura de dois Atlantes, da autoria de Claude Laprade. A igreja sobreviveu com alguns danos ao sismo de 1755. O piso superior foi o mais afetado, nomeadamente o teto que desabou. O pintor Luís Baptista, ajudado por José Tomás Gomes e Jerónimo de Andrade assumiu o restauro do teto e o templo reabriu em 1763, tendo os trabalhos de reedificação e decoração continuado até 1793.

Rua de Júlio Andrade – Jardim do Torel 

 

Infletimos a marcha e subimos até ao Jardim do Torel, zona apelidada de Riviera de Lisboa, em resultado dos belíssimos palacetes aí construídos. Com origem numa quinta do início do século XVIII, o Jardim do Torel, deve o seu nome ao desembargador Cunha Thorel, o mais rico proprietário da zona. Em 1928 o terreno do palácio foi cedido à Câmara Municipal de Lisboa que aí construiu o jardim e o miradouro que oferece uma vista magnífica da cidade. Da antiga casa mantém-se apenas o lago, hoje uma piscina que, nos dias quentes, se transforma em praia urbana.

 

Saídos do jardim, continuamos o périplo pelas moradias nobres dos séculos XVIII e XIX, entre as quais se destacam aquela que alberga a Xuventude da Galicia, associação cultural dos galegos residentes na cidade; o Palacete Virtvs, um espaço requintado destinado a eventos particulares ou de empresas; e por fim o Palácio Sommer, adquirido recentemente pela Fundação de Macau e que irá acolher a Delegação Económica e Comercial.

Alameda Santo António dos Capuchos – Hospital de Santo António dos Capuchos

A caminho do Hospital dos Capuchos, regressamos ao Campo dos Mártires da Pátria, e aí a atenção desvia-se para o antigo Palácio do Patriarcado, datado de 1730, da autoria do arquiteto João Frederico Ludovice, mais conhecido pelo projeto do Convento Nacional de Mafra em parceria com o arquiteto Mateus Vicente de Oliveira. Contornando este edifício, entra-se na Alameda Santo António dos Capuchos, onde se localiza o Palácio Centeno mandado construir para as damas de companhia de D. Catarina de Bragança, Rainha de Inglaterra e mulher de Carlos II. Do lado oposto da alameda ergue-se o Palácio da Bemposta, antiga residência real que é hoje a Academia Militar. Reza a tradição que existia um túnel a ligar os dois palácios, acreditando-se que mais do que uma lenda romântica, é uma realidade muito provável.

Chegados ao Hospital de Santo António dos Capuchos, ficamos a saber que se tratava de um antigo Convento inaugurado em 1579 e entregue aos Padres Recoletos da Custódia de Santo António. O edifício principal do hospital resulta de várias transformações que o convento sofreu. Em 1836, na sequência da expulsão das ordens religiosas, a rainha D. Maria II fundou nas suas instalações o Asilo de Mendicidade de Lisboa. O hospital foi oficialmente criado em 1928 e, no seu interior, encontra-se um riquíssimo património azulejar e um dos mais antigos relógios de sol existentes em Portugal. Nos dias que correm detém valências únicas em áreas como a dermatologia, gastrenterologia, hematologia, neurologia e oncologia.

Rua do Passadiço – Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto

Da Rua Santo António dos Capuchos entramos na Rua do Passadiço. É uma zona antiga, conforme atestam os vestígios arqueológicos da época romana descobertos no nº 26 no decurso de obra. O ponto de paragem é, aqui, o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, único instituto oftalmológico público do país. O médico que lhe dá o nome e que foi também o seu fundador em 1889, Caetano António da Gama Pinto, nasceu em Goa. Formou-se na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, em 1878, e estagiou em Paris, Alemanha e Viena de Áustria. O Instituto é ainda hoje um símbolo de serviço público exemplar, destacando-se pela investigação científica e inovação.

Rua de Santa Marta – Hospital de Santa Marta

Descendo pela Travessa de Santa Marta deparamos com um muro alto que pertencia ao Convento de Santa Marta. O asilo de Santa Marta foi criado em 1569, no reinado de D. Sebastião, para acolher e tratar as órfãs dos serviçais reais vitimados pela peste, a mesma que matou Luís de Camões. Em 1583, o arcebispo de Lisboa autorizou a instituição de um convento de religiosas clarissas de 2ª regra (urbanistas), sob a invocação de Santa Marta. Em 1890, foi destinado ao serviço da saúde, sob o nome de Hospício dos Clérigos, especializando-se mais tarde em doenças venéreas. Na primeira década do século XX, foi-lhe atribuída a função de Escola Médico Cirúrgica de Lisboa, assumindo um importante papel no ensino da Medicina. Manteve esta função até 1953, data em que a clínica universitária foi transferida para o recém-criado Hospital de Santa Maria. O médico Machado Macedo deu ao hospital a inovação que o diferenciou na área cardiovascular, sendo atualmente um dos principais centros de diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares a nível nacional.

Rua de Santa Marta – Universidade Autónoma de Lisboa

 

Na Rua de Santa Marta, passamos pelo Instituto Cervantes, local onde em tempos esteve a Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Descobrimos também que a Igreja pertencente ao Hospital de Santa Marta esteve ligada ao antigo Palácio dos Condes de Redondo (século XVII), atualmente a Universidade Autónoma de Lisboa. Este pormenor foi do agrado da Rainha D. Catarina de Inglaterra – a que introduziu o chá das cinco naquele país – que no seu regresso a Portugal depois de enviuvar, aqui se instalou antes de se mudar para o Paço da Rainha (Palácio da Bemposta). A ligação entre os edifícios permitia à Rainha uma entrada para a tribuna de onde podia assistir à missa. Em meados do século XX o palácio pertencia à condessa de Arnoso, e chegou a albergar instituições de assistência social, duas escolas primárias e vários estabelecimentos comerciais. Nos anos de 1980, instala-se no local a Universidade Autónoma de Lisboa.