Leonor Teles

Terra Franca

Leonor Teles

A primeira longa-metragem de Leonor Teles, Terra Franca, estreia a 10 de janeiro nos cinemas. Filmado inteiramente em Vila Franca de Xira ao longo de dois anos, acompanha a vida do pescador Albertino Lobo e da sua família. Numa conversa informal, a jovem cineasta apresenta-nos o seu filme.

O que a levou a fazer um filme sobre esta família?

Durante muito tempo tive vontade de fazer alguma coisa junto ao rio Tejo, que se passasse em Vila Franca porque foi onde nasci e sempre vivi. Aqui há 8 ou 9 anos, pediram-me para ir filmar à praia dos Cavalos, um sítio só acessível por barco, a norte de Vila Franca e quem me deu boleia foi o Albertino. Quando estava no barco com ele tive aquela imagem do herói, do cowboy sem cavalo, era a figura de alguém que estava realmente no seu habitat natural. Senti mesmo que ele pertencia ao rio. Durante quatro anos essa imagem nunca me saiu da cabeça. Comecei a pensar que a personagem para aquela tal ideia, aquela sensação de fazer alguma coisa em Vila Franca, junto ao rio, seria o Albertino. O filme nasceu da minha ligação a esses dois pontos, o rio/Vila Franca, e o Albertino.

De que forma o quotidiano deste homem e da sua família, é diferente dos outros que ali vivem?

Mais do que um filme etnográfico sobre a pesca, interessava-me muito trabalhar a relação dele com o rio, que é muito emocional. Queria trabalhar a ideia de pertença a um lugar. Na viagem inicial que fiz de barco com o Albertino percebi que ele tem uma relação com a natureza que poucas pessoas têm. Depois percebi que também existia o lado familiar e por isso o filme foi naturalmente seguindo esse curso e passou não só a ser um retrato do Albertino enquanto pescador, mas também um retrato familiar.

Em Terra Franca regressa a um local que lhe é familiar. Também nos trabalhos anteriores as suas origens estão presentes. Porquê?

Não sei fazer filmes de outra maneira, os meus filmes têm de ser sempre pessoais e tenho de estar sempre implicada. Não sei falar de outras coisas que estejam longe de mim, não conseguiria implicar-me, nem dar tanta importância. Por outro lado, sinto que ainda não tenho conhecimento suficiente para dar esse salto e trabalhar sobre uma coisa que não tenha conhecimento próprio.

Ao longo do filme as estações do ano vão sendo assinaladas. Foi intencional o paralelismo que existe entre a vida dos personagens e a passagem do tempo?

Sim, foi. A partir do momento em que decidi que era importante passar um ano na vida desta família, soube que não era só passar um ano na vida das personagens, mas também perceber de que forma é que o espaço muda e como esse espaço e a luz influenciam as personagens. Queria muito que se sentisse esta passagem do tempo, que estamos a viver um ano com estas pessoas neste sítio e por isso todas as transformações não só físicas, mas também psicológicas.

“Mais do que um filme etnográfico sobre a pesca, queria trabalhar a ideia de pertença a um lugar.”

 

A banda sonora do filme contrasta com a realidade apresentada. É quase como se fosse um elemento estranho. Qual foi a intenção de escolher temas da soul americana?

Quis ir mais longe e mais do que fazer um documentário, onde de uma forma geral não há muito a utilização de música e o que transparece é a realidade em frente à câmara, por isso procurei agarrar todas as ferramentas que o cinema me dá, talvez as mais ligadas à ficção, mas que na verdade podem ser aplicadas ao documentário, enaltecendo-o. Achei que estes momentos musicais ajudavam imenso a trabalhar toda a parte interior e tudo aquilo que o Albertino poderia estar a sentir. Acima de tudo há uma nostalgia que existe nessas músicas que têm muito a ver com o Albertino. Ele não é uma pessoa de agora, é de outro tempo e carrega uma nostalgia que essas músicas também transmitem.

Também a fotografia do filme, em particular as cenas em que Albertino está sozinho no barco, é de uma enorme beleza conferindo-lhe um lirismo, que contrasta com a sua vida simples. Foi esse o objectivo?

A ideia era tentar fazer com que o filme, embora fosse um documentário, se parecesse ao máximo com uma ficção na maneira como era feito, filmado e construído. Tal como com o som, o mesmo aconteceu com a fotografia. Há esta ideia de que no documentário o que interessa é o conteúdo. A câmara acaba por ser um bocado sacrificada. É geralmente uma câmara à mão, muito instintiva que aponta para o que está a acontecer. Queria muito que também através da fotografia, o rio e o valor das personagens fossem enaltecidos.

Albertino e a família não são atores. Como foi filmá-los? Houve algum tipo de direcção?

Houve um fator que me ajudou imenso, que foi o tempo. Passei cerca de dois anos a filmar estas pessoas e de certa forma esse tempo e disponibilidade permitiram que nos conhecêssemos melhor. A certa altura eu estar ali já era algo habitual, eu já fazia parte da família. Mais do estranharem a câmara, eles confiavam na pessoa que estava atrás dela. Naturalmente que há cenas que foram encenadas, mas a maioria do filme foi espontâneo.

Esta é a sua primeira longa-metragem. O que a levou a optar por este formato?

Inicialmente a ideia era fazer uma curta. Mas à medida que ia estando com eles percebi que havia tanta coisa para dizer que o espaço de uma curta não seria suficiente. Se eu queria estar um ano na vida de uma pessoa seria muito difícil resumir esse ano a 20 minutos. Naturalmente percebemos que não era possível e o projeto cresceu para uma longa.

Todos os trabalhos que realizou são documentários. Já pensou em fazer ficção?

Tento em cada filme que faço experimentar coisas novas e procurar sempre características de ambos os géneros. Mas a verdade é que hoje em dia as coisas esbatem-se muito e é difícil definir o que é um documentário e uma ficção. O que importa explorar é a junção das duas coisas. Mas essencialmente interessam-me pessoas reais, pessoas que existem e ao trabalhar com elas perceber também de que forma o filme faz sentido para elas. Porque o cinema está muito relacionado com este tipo de partilha: o que dou e o que me dão.

O filme já ganhou uma série de prémios. O que representam para si?

Os prémios nunca dependem de mim, só o filme depende de mim. Obviamente fico feliz porque é o reconhecimento do meu trabalho e da minha equipa. Quando se ganha algum prémio importante as pessoas falam do filme, e é gerada uma curiosidade para se ver o filme. Isso é o que mais quero, que o maior número de pessoas tenha acesso ao filme. Por outro lado, os prémios permitem que quando surge um novo projeto seja mais fácil o financiamento.