teatro
O tempo que passa
'Os Aliens' em estreia no Teatro da Politécnica
Nas traseiras do café de uma pequena cidade norte-americana onde nada acontece, dois homens passam o tempo como que ensombrados pelo tédio. Depois do aclamado O Cinema, Pedro Carraca volta a encenar um texto de Annie Baker, uma das mais estimulantes dramaturgas da atualidade. Em cena no Teatro da Politécnica, a partir de 23 de janeiro.
A cada peça de Annie Baker, uma sensação de familiaridade envolve o espectador e amarra-o às pessoas que o habitam. “Pessoas” parece ser o termo certo, ao invés de “personagens”, porque, nas suas alegrias e fracassos, estão seres humanos comuns, sem grande história, sem qualquer papel determinante na vida familiar ou comunitária. São, como aponta Pedro Carraca, que pela segunda vez dirige uma peça da autora norte-americana, “pessoas das margens”, e que ai sempre permanecem.
Já em O Cinema (peça escrita posteriormente a Os Aliens) elas estavam lá. Gente comum lutando no seu posto de trabalho pela subsistência, muitas vezes não olhando a meios (e aos outros) para o conseguir, capazes certamente do pior, mas também habilitadas para gestos de extrema generosidade. Nesta peça, o conflito é, talvez, mais subtil e mais íntimo. Os dois homens e o rapaz que a protagonizam não disputam propriamente o lugar do outro, mas lutam consigo mesmo para encontrar um lugar no mundo.
Os Aliens passa-se nas traseiras de um cafezinho de uma pequena cidade da Nova Inglaterra, no norte dos Estados Unidos. Em torno de uma mesa de campismo, KJ (Afonso Lagarto) e Jasper (Pedro Caeiro), dois homens chegados aos 30 anos, afundam-se no tédio das suas existências. Fumam cigarros atrás de cigarros; KJ canta com os olhos postos no céu enquanto beberica um chá de cogumelos psicadélicos e Jasper lamenta-se do abandono da namorada, consolando-se no romance que está a escrever. Entretanto, surge Evan (Pedro Baptista), empregado do café, anunciando que aquele espaço passou a ser de uso exclusivo dos funcionários. Apesar das ordens expressas do patrão, o jovem depressa se percebe impotente para enfrentar os rotineiros visitantes, acabando por estabelecer, sobretudo com Jasper (“um génio”, considera Evan), uma forte empatia.
Para além destas “pessoas”, a força humana que perpassa por Os Aliens (um dos nomes de uma banda que outrora KJ e Jasper tiveram, retirado de um poema de Charles Bukowsky, grande poeta das “margens”) está presente nos silêncios tornados tão preponderantes quanto os diálogos – “há muito silêncio na vida real”, destaca Baker numa entrevista. E depois há ainda aquele espaço confinado onde decorre a ação, como se tudo se passasse não nas traseiras do café, mas nas traseiras da vida, no recalcamento de sonhos caídos e de outros novos, mas tão improváveis: o de Jasper em ser reconhecido como um grande romancista ou o de KJ em abandonar definitivamente aquela cidadezinha.
Vendo bem, para Jasper e KJ, o mundo está sempre fora de cena – emerge quando explodem os fogos do 4 de Julho (feriado que assinala a Independência dos Estados Unidos) e quando a porta que dá acesso ao interior do café é cruzada por Evan, e só por ele. Por isso, mesmo antes que a peça termine, rendido e num tom de otimismo sincero, ouvimos KJ dizer ao rapaz: “tu vais longe, meu.”