teatro
Descolonizar pelo Amor
"Amores Pós-Coloniais" no Teatro Nacional D. Maria II
O teatro documental de André Amálio prossegue a demanda pelo Portugal que fomos, e ainda somos. Desta vez, em estreita colaboração com Tereza Havlíčková, o criador e ator propõe partir do conceito de amor como via revolucionária para uma descolonização efetiva do pensamento e dos comportamentos. Amores Pós-Coloniais está em cena, no Teatro Nacional D. Maria II, até 24 de fevereiro.
Dirigindo-se ao público, André Amálio começa por prometer um espetáculo diferente de todos os que dirigiu anteriormente. “Este não é político. Este é sobre o amor!”, anuncia. De seguida, cada um dos intérpretes elenca como vai demonstrar o amor em cena e começa por apresenta “o seu amor” – seja ele um pai, no caso de Júlio Mesquita, ou a companheira, no caso do próprio Amálio. Tudo porque, parafraseando o filósofo esloveno Srecko Horvat, “o amor é revolução”. Sempre, e em que circustância for, “a nossa revolução.”
Mas, “revolução” é um conceito político, não é? “Trata-se de uma falsa premissa que decidimos lançar, porque aquilo que realmente nos importa é dar a entender que todo o amor é político”, esclarece Amálio. Político porque, acredita, “todas as histórias de amor o são.”
Será precisamente nesse sentido que Amores Pós-Coloniais avança, começando por fazer ecoar entrevistas a ex-combatentes da Guerra Colonial que tiveram filhos com mulheres africanas negras durante o conflito, seguindo pelas memórias de portuguesas brancas que viveram histórias de amor com ativistas africanos (como Agostinho Neto e Amílcar Cabral) ou dando voz a testemunhos dos filhos resultantes de relações interraciais.
Porém, o mosaico que Amálio e a sua companheira e parceira criativa Tereza Havlíčková constroem, vai ainda mais além. O império acabou e vivemos, desde o final do fascismo, um período pós-colonial, embora subsista ainda uma colonização do pensamento e dos comportamentos. Torna-se particularmente pungente escutar os testemunhos de hoje, nomeadamente dos atores negros em cena (Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue e Romi Anauel), todos nascidos após o 25 de Abril, mas ainda marcados pela herança nefasta de quase 500 anos de história que teimamos em mascarar. Afinal, pergunta-nos Amálio, “o que terá sido mais marcante na história deste país: a descoberta do caminho marítimo para a Índia ou o início do colonialismo e do tráfico de escravos no Atlântico?”
Se, por um lado, Amores Pós-Coloniais é um objeto de denúncia, assumidamente ativista e político, por outro, é indiscutivelmente um espetáculo sobre o amor. Apesar de toda a gravidade que paira quando se tocam estes temas, é também festivo, e como tal não faltam a música, a dança e a gastronomia. Festeje-se então o amor que é “a nossa revolução”, como se escuta a dado momento. Porque, como se torna implícito, só o amor pode conduzir à descolonização que ainda está por fazer. Aqui, em Portugal; agora, neste ano de 2019.