exposição
A finitude derrisória de João Onofre
Exposição antológica do artista na Culturgest
Once in a Lifetime [repeat] é a maior exposição antológica já realizada sobre o trabalho do artista português João Onofre. Na Culturgest, propõe-se uma viagem por quase duas décadas, com enfoque no vídeo, área em que o artista mais se destacou, mas também na fotografia, na performance e no desenho. Patente até 19 de maio.
“Não se pretendeu uma retrospetiva, nem houve a pretensão de mostrar exaustivamente a obra de João Onofre”, esclarece previamente Delfim Sardo, curador de Once in a Lifetime [repeat], a exposição que reúne, nas galerias da Culturgest, alguns dos trabalhos mais significativos do artista lisboeta, nascido em 1976. Dir-se-ia que, ao longo da mostra, “o enfase é dado a essa espécie de limbo entre o romantismo e os grandes temas da história da arte, nomeadamente, o amor, a falha ou a morte, que parece atravessar toda a obra de Onofre. Tudo com incontestável ironia.”
A exposição começa ainda na rua, à entrada da Culturgest, com Box, um cubo em aço com uma dimensão de 1,83 metros, alusão aos 6 pés (six feet) de profundidade de uma sepultura. A peça é uma citação a uma escultura seminal do minimalismo, a obra Die (1962) de Tony Smith, e nesta “leitura” de Onofre resulta numa caixa insonorizada na qual uma banda de death metal (os Holocausto Canibal) realizam “uma performance extrema”: encarcerados no seu interior, a banda toca até o oxigénio permitir (a performance voltará a realizar-se a 17 de maio, às 22h30).
Os ecos da história da arte moderna e contemporânea compõem também a trilogia O Estúdio. Os três vídeos são uma citação direta a Bruce Nauman, influente artista conceptual norte-americano, que desenvolveu algumas das suas obras mais marcantes elegendo como tema o próprio estúdio. Nauman acreditava que “a arte é aquilo que o artista realiza no atelier”, e Onofre parece partir desta referência da década de 60 do século passado para, “com uma ironia incisiva em relação à ambição transfiguradora das imagens artísticas”, filmar uma cantora a interpretar as preposições de “arte conceptual” do minimalista Sol LeWitt sobre a melodia de Like A Virgin de Madonna; colocar um ilusionista a executar o tradicional número de levitação da sua partner (de novo, uma citação a Nauman); e libertar, no confinado espaço do próprio atelier, um abutre que, com a sua envergadura, acabará por destruir tudo, num irónico exercício de “necrofagia da obra do artista”, como sublinha o curador.
Outra referência a Nauman, mais concretamente ao seu famoso Self-Portrait as a Fountain, surge em Untitled (Luminous Fountain), autorretrato enquadrado pela fonte luminosa da Praça do Império, em Belém.
No percurso de Onofre, o cinema é outra fonte de citações. Se, por um lado, a peça mais antiga presente nesta exposição é um curto excerto de O Eclipe, obra-prima de Michelangelo Antonioni, em que os protagonistas (Alain Delon e Monica Vitti) encenam, com as mãos, o jogo de sedução em loop, a mais recente, e até aqui inédita obra, é um complexo e arrojado take único de perto de duas horas e meia, a lembrar o One Plus One, de Godard, ou A Arca Russa, de Aleksandr Sokurov.
Untitled (zoetrope) trata-se de um enorme plano sequência protagonizado por um coro de gospel, um quarteto de músicos e uma equipa mista de râguebi, que “encenam um ritual interminável, até à completa exaustão”. Ao som de I want to know what love is, tema pop da década de 1980 celebrizado pelos Foreigner, os jogadores tentam, à vez, entoar o refrão da canção num microfone situado no centro do set, rodeado pelos músicos e pelo coro. Porém, nunca o conseguem terminar, uma vez que são insistentemente placados pelos seus colegas de equipa.
Esta performance filmada é particularmente ilustrativa do espírito de toda a exposição, “concebida em torno da importância da circularidade e da repetição como processo criativo”, como ressalva Delfim Sardo. Depois, há sempre essa “omnipresença da ideia de finitude, de falta, de fracasso e de erro inerentes à vida e, consequentemente, à criação artística” que, na obra de João Onofre, detêm “a fina ironia com que [cada peça] oscila entre tragédia, comédia e conceito.”