reportagem
Carnide Cultural
Dez espaços culturais da freguesia
Situada na zona norte de Lisboa, Carnide é uma freguesia muito familiar. Com cerca de 22 mil habitantes, aqui faz-se vida de bairro e a palavra vizinho faz todo o sentido. Em constante mutação, a freguesia tem sabido preservar a sua história e acolher a modernidade. Carnide é também conhecida pelos seus ótimos restaurantes, mas o que lhe traz maior riqueza é a sua oferta cultural. Aqui há várias associações culturais, companhias de teatro e teatros com muita história. Fomos conhecer dez espaços culturais que dão vida à freguesia e que têm feito muito pela comunidade local. Em Carnide, a proximidade e a interação entre a junta de freguesia e a população é grande, e o reconhecimento desse trabalho sente-se nas conversas que tivemos com as associações culturais aqui presentes.
Casa do Coreto (Lua Cheia)
Rua Neves Costa, 45
Criada em 1996, a Lua Cheia – Teatro para Todos ocupa, desde 2015, a Casa do Coreto, uma antiga serralharia transformada em espaço cultural. Até essa altura, a companhia funcionava no Bairro Padre Cruz onde já era bem conhecida da comunidade. Depois de um convite da Junta de Freguesia e de vários anos de obras, o espetáculo inaugural aconteceu a 27 de março desse ano, no Dia Mundial do Teatro. A companhia recebe atividades regulares de Teatro e Comunidade, Selftelling, oficinas criativas para crianças, teatro, dança, concertos e workshops, seja no interior do espaço, ou cá fora, no antigo Coreto de Carnide. Os dois grandes eventos anuais são a Mostra Gargalhadas na Lua (à base do humor e do clown), e o Cucu! Festival de Artes para a Infância (que este ano decorre de 1 a 19 de maio). Há ainda os Bailaricos Cómicos (uma atividade dirigida aos mais velhos), o Dia do Vizinho ou a participação na Feira da Luz (com vários espetáculos e robertos). As marionetas são construídas de portas abertas para que a comunidade possa saciar a sua curiosidade.
Lavadouro Público de Carnide
Estrada da Correia (junto ao Centro Paroquial e Social de Carnide)
Quem desce a Estrada da Correia encontra, do lado direito, um lavadouro público aberto à população. O lavadouro é património municipal, gerido atualmente pela Junta de Freguesia de Carnide. O edifício tem mais de cem anos, e, para além de servir o seu propósito principal, foi também palco de vários concertos de rock. Em 2011, o Teatro do Silêncio (com direção artística de Maria Gil e Miguel Bonneville) ocupou o espaço, com a condição de que este fosse partilhado com a população. Durante o dia, entre as 08h30 e as 17h, o lavadouro está aberto ao público (basta pedir a chave na receção do Centro Paroquial de Carnide, mesmo ao lado), ainda que haja muito pouca gente a usá-lo com esse fim. A partir das 17h e ao fim-de-semana, o espaço é ocupado pelo Teatro do Silêncio, uma companhia que cria e produz projetos de experimentação artística. Nos últimos domingos do mês, até 18 de junho, o lavadouro recebe a atividade À Descoberta do Lavadouro!, uma visita encenada onde os mais pequenos vão poder assistir à performance de Jessica Lopes e Mariana Marques, finalistas do curso de Teatro da ESAD (Escola Superior de Artes e Design) das Caldas da Rainha. Para além de interpretarem, as duas jovens são autoras desta peça, que fala de bonecas e que conta a história do Teco, um gato muito viajado que gosta de poesia e de dançar, e cujo hobbie era fazer companhia às senhoras enquanto a roupa secava. A sessão termina com um workshop de lavagem de roupa à mão.
Teatro da Luz (Teatro D. Luiz Filipe)
Largo da Luz, 2
Localizado no Largo da Luz (conhecido pela mítica Feira da Luz), o Teatro da Luz facilmente passa despercebido a quem não conhece a zona. Por trás da fachada, todo um universo com história se esconde. O espaço foi inaugurado a 2 de março de 1903, por ocasião das comemorações do primeiro centenário do Colégio Militar. Para além de ser a casa do Teatro da Luz, o edifício alberga também a sede da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar e a Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas. Atualmente, o Teatro da Luz é ocupado pela Companhia da Esquina, que este ano comemora 15 anos de vida. Formada em 2003, quando um grupo de atores se juntou após uma formação no Teatro da Trindade, a companhia é residente desde dezembro de 2014 e conta com Jorge Gomes Ribeiro como programador e encenador de serviço. Para além das peças de teatro para adultos e para o público infantil, a companhia dispõe de uma componente de formação. Neste momento, tem em cena A Última Ceia (a partir de Dan Rosen) para o público adulto e, para os mais novos, Estória de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a Voar, que pode ver até 26 de maio.
Teatro de Carnide
Azinhaga das Freiras
Há seis anos a gerir o Teatro de Carnide (TC), Pedro Rosa esteve vários anos a trabalhar no Teatro da Luz como acrobata aéreo. Um dia participou numa produção para o TC, e por ali ficou. O espaço nasceu da fusão da Sociedade Dramática com o Grupo de Teatro de Carnide (fundado em 1953 por Bento Martins). O ator e encenador (com um jardim inaugurado em seu nome na Quinta da Luz) levou ao palco do Teatro de Carnide autores como Shakespeare, Luís Stau Monteiro ou Steinbeck. O espaço mantém viva essa memória, sendo um agente cultural de referência na cidade. Em março, o TC acolheu Mulheres nascidas de um Nome, espetáculo com textos de Claudio Hochman declamados por mais de cem mulheres, que incluía música e dança. As peças infantis são um dos pontos fortes do TC, com um público muito regular. Em breve, o TC irá repor o Dragão Cor de Framboesa, do ator João Ricardo (falecido recentemente). Para além das peças de teatro, o TC também recebe cursos de formação em teatro. Muitas pessoas procuram estes cursos não só pela curiosidade em experimentar teatro, mas para trabalharem dificuldades de comunicação ou mesmo para vencerem a timidez. Outra das valências do TC é a organização da Marcha Popular de Carnide, que acontece desde 1966.
Biblioteca Natália Correia (traseiras)
Rua Prof. Pais da Silva, 28
Situada no Bairro Padre Cruz, a Biblioteca Natália Correia faz parte da rede municipal de bibliotecas de Lisboa. Foi inaugurada em 1962 na Rua Rio Tejo, onde permaneceu até 1997. Atualmente encontra-se inserida num edifício polivalente (futura Casa da Cidadania de Carnide), paredes meias com o Centro Cultural de Carnide. Para além do empréstimo de livros, a biblioteca disponibiliza computadores com acesso à internet, promove ações de literacia digital e dá apoio às bibliotecas escolares da zona. É um espaço familiar, onde toda a gente se conhece. Há leitores assíduos que ali vão desde pequenos, e que ali foram adquirindo hábitos de leitura. Promove atividades com idosos que visam divulgar o bairro e as memórias afetivas, e recebe horas do conto para famílias. Há ainda uma atividade para adolescentes, que consiste em mostrar-lhes que a biblioteca não serve só para ler: pode usar-se a poesia para fazer rap, e ainda ficar a conhecer o património da cidade. A ideia é perceberem que a biblioteca não é um lugar aborrecido e que os livros têm o dom de os levar para fora de portas, já que muitos nunca saíram do bairro. Outra das propostas é Às 6as com Chá: todos os meses, um escritor é convidado a falar sobre a sua obra, enquanto os visitantes ouvem, atentos, acompanhados de chá e bolachas. A clientela é sobretudo local, mas por estar inserida num bairro periférico, a Biblioteca Natália Correia é local de passagem para muitos. Um espaço familiar que leva muita gente a parar ali para requisitar livros com atendimento personalizado.
Livraria Solidária
Rua General Henrique de Carvalho 3
A Rua General Henrique de Carvalho, conhecida por ser uma zona com várias vivendas (a maior parte delas devolutas), fica situada numa das entradas do centro histórico de Carnide. Nessa rua funciona, há pouco mais de um ano, num edifício da Santa Casa da Misericórdia, uma Livraria Solidária. A ideia da Boutique da Cultura foi ganhando forma quando a associação conseguiu o apoio do Bip-Zip (um projeto da CML dá apoio financeiro a projetos de juntas de freguesia, associações locais ou coletividades). O objetivo é simples: dar uma vida nova a um livro usado, gerando receita que irá ser investida em projetos comunitários. As doações de livros são feitas por particulares ou empresas (o único pré-requisito é que estejam em bom estado). Estes livros são então catalogados e colocados à venda por um preço simbólico (o máximo que vai pagar é 5€). Há duas salas cheias de livros dos mais variados temas: romances, livros técnicos, livros infantis, livros em línguas estrangeiras… Neste momento a livraria dispõe de cerca de sete mil livros em permanência. Para além da vertente literária, o espaço também é usado para apresentações de livros, sessões de contos e tertúlias.
Espaço Bento Martins
Largo Pimenteiras, 6
Situado no edifício da Junta de Freguesia de Carnide, o Espaço Bento Martins tem estado, nos últimos anos, sob gestão da Boutique da Cultura (BC). Dentro de poucos meses, a BC mudará a sua sede para um espaço ampliado da Incubadora de Artes, pelo que a sua gestão voltará em breve para a junta. Quando entramos no espaço, a sensação que nos invade é a de alguma nostalgia. A sala, embora tenha sofrido obras ao longo dos anos, mantém os tetos altos e abobados das cavalariças que ali funcionaram aquando da sua construção. Atualmente, o Espaço Bento Martins serve os mais variados fins: colóquios, exposições, peças de teatro, café-concertos, workshops, etc. A vida cultural desta freguesia não para de fervilhar, muito por responsabilidade desta junta que tudo faz para dar apoio e acolher associações que não têm um espaço próprio. Aliás, o próprio edifício da junta dispõe de salas que servem de escritório a algumas destas associações. Exemplo disso é a Associação Tenda que, em troca, produz alguns espetáculos de teatro e animação de rua para eventos como a Feira da Luz, ou ainda do Teatro do Silêncio, cuja atividade se iniciou no Espaço Bento Martins.
Centro Cultural de Carnide
Rua Rio Cávado, 3A
Inaugurado a 24 de março de 2011, data em que passou a ser gerido pela junta, o Centro Cultural de Carnide (CCC) chegou a ser um espaço do Departamento de Ação Social da Câmara Municipal de Lisboa que, mais tarde, foi cedido à Santa Casa da Misericórdia. Desde que a Santa Casa mudou de instalações, o espaço passou a ser gerido pela freguesia. O edifício é polivalente: o átrio acolhe exposições e há uma sala usada para workshops ou reuniões de moradores. No entanto, a estrela principal do CCC é o Auditório Natália Correia. Com 170 lugares, recebe os mais variados espetáculos, desde peças de teatro a concertos, passando por aulas de dança, canto e de teatro, sessões de cinema, festas de associações, colóquios ou debates. Fica no Bairro Padre Cruz, mesmo ao lado da Biblioteca Natália Correia. Em breve, será ali sediada a Casa da Cidadania, um mega edifício que albergará não só o CCC e a biblioteca, mas também algumas das instituições da junta. As obras, aguardadas há mais de três anos deverão começar ainda este ano.
Teatro Armando Cortez
Estrada da Pontinha, 7
Inaugurado em maio de 2003, o Teatro Armando Cortez é uma sala de espetáculos inserida na Casa do Artista. Logo nesse ano, o teatro acolheu o programa semanal da RTP Prós e Contras, que ali se manteve durante um longo período. No ano seguinte, o TIL – Teatro Infantil de Lisboa passou a ser companhia residente do Teatro Armando Cortez, sendo responsável por uma afluência muito grande do público infantil, nomeadamente escolas. Estreou-se com D. Quixote, e tem tido sempre peças regulares, como A Flauta Mágica, Romeu e Julieta – Uma História de Gatos, Soldadinho de Chumbo, Cinderela, ou, mais recentemente, O Feiticeiro de Oz. Para além da programação infantil, o Teatro Armando Cortez também tem sido palco de vários sucessos para o público adulto. Ao longo dos anos, houve várias produtoras a assegurar a programação simultaneamente com o TIL. Neste momento, a Yellow Star Company é a produtora residente. Em março, a companhia estreou Monólogos da Vagina, com encenação de Paulo Sousa e Costa e interpretação de Joana Pais de Brito, Júlia Pinheiro e Paula Neves, que estará em cena até 2 de junho. O Teatro Armando Cortez também recebe, regularmente, workshops de teatro por parte das Oficinas Teatro Lisboa, dirigidas pelo encenador João Rosa.
Incubadora de Artes
Av. Colégio Militar
Inaugurada em julho de 2017, a Incubadora de Artes de Carnide foi um dos projetos mais votados no Orçamento Participativo do ano anterior. O espaço é gerido em parceria entre a Boutique da Cultura e a Direção Municipal de Cultura da CML, e tem como objetivo promover o empreendedorismo e apoiar artistas emergentes. A Incubadora funciona num contentor com cerca de 200 metros quadrados, situado na Av. Colégio Militar. Inclui uma sala de co-working com capacidade para 12 pessoas, uma sala de formação e de reuniões, uma oficina com quatro artistas residentes (nas áreas da cerâmica, estampagem e marroquinaria), uma casa-de-banho equipada com duche, uma copa, armazém e loja. O nome, Incubadora de Artes, por ser muito abrangente, tem induzido algumas pessoas em erro, que se candidatam na área das artes performativas e até da gastronomia. Uma lacuna que será preenchida em breve, já que está a decorrer o alargamento do atual espaço. Para além das atuais valências, a Incubadora passará a ter, também, duas salas-estúdio para ensaios, um pequeno auditório para espetáculos e uma oficina maior. Prevê-se que a sua inauguração decorra nos próximos meses. Uma vez que o projeto foi votado pela comunidade, uma das formas de retorno da Incubadora é facultar formação credenciada, quer para os artistas residentes, quer para a comunidade em geral. Mesmo que não seja artista residente da Incubadora, pode sempre usar o espaço da loja para vender os seus artigos.