entrevista
Cassete Pirata
"A realidade do indie rock português é a de que toda a gente toca com toda a gente"
O jazz foi o elemento que uniu os cinco elementos de Cassete Pirata, uma verdadeira lufada de ar fresco no indie rock português. Liderado pelo vocalista e guitarrista João Firmino, o grupo é também constituído pelo baterista João Pinheiro (Diabo na Cruz, TV Rural), pelo baixista António Quintino (Samuel Úria) e pela dupla de cantoras e teclistas Margarida Campelo e Joana Espadinha. A 1 de junho, a banda apresenta o primeiro disco, A Montra, numa sala onde já foi muito feliz, o Musicbox. Em conversa com a Agenda Cultural de Lisboa, João Firmino falou sobre os desafios de integrar este projeto.
Estão juntos há cerca de dois anos. Como começou este projeto?
Já era amigo de quase todos os elementos da banda, temos um passado comum no sentido de termos estudado jazz. Eu e a Joana Espadinha conhecíamo-nos do Conservatório de Amesterdão. Foi um processo natural, orgânico e espontâneo. Tinha acabado de lançar o meu segundo disco de jazz, já tinha algumas coisas na gaveta para um terceiro e estava numa fase em que trabalhava com vários cantautores, e sentia-me muito entusiasmado a trabalhar canções. Percebi que estava a despertar em mim uma vontade de trabalhar as minhas próprias canções. Quando a ideia começou a despontar foi muito óbvio quem eram as pessoas que queria chamar. A Joana já conhecia; o António Quintino conhecia-o por ele trabalhar com O Martim; a Margarida por fazer parte da banda da Joana; e o João Pinheiro veio através do David Pires, que foi o nosso primeiro baterista.
Todos os membros trabalham com outras bandas ou artistas. Como conciliam os vários projetos musicais?
Com muita organização e antecedência. Embora seja um mercado pequeno, até há pouco tempo era possível encontrar pessoas que só tinham uma banda. Hoje em dia é muito pouco provável encontrar isso. A realidade do indie rock português é a de que toda a gente toca com toda a gente. É muito cansativo, é óbvio, a logística é complicada, não é fácil gerir agendas ou marcar sessões de fotos, mas não deixa de ser inspirador! Aprendemos muito mais por estarmos a tocar com outras bandas, trazem-se outras referências… É também mais inseguro, porque prova que as bandas não conseguem, sozinhas, sustentar os músicos. É um caminho que se vai fazendo. Há essas dificuldades, é preciso muita organização e capacidade para antever os problemas. Os Cassete Pirata são a minha primeira preocupação, mas se algum deles tiver de estar ausente por causa de outros projetos, vamos cedendo. Na verdade, é só preciso clarificar as coisas de princípio, para que não haja stress nem amuos. Se isto estiver claro, há uma saúde emocional que permite uma sustentabilidade que às vezes falta, e que faz com que as bandas acabem. É tentar que seja uma coisa boa, confortável, de família, de nos divertirmos, em vez de ser uma coisa impositiva. Embora a ideia da banda tenha sido minha, isto é um projeto inclusivo e há abertura para os outros membros trazerem ideias. Até agora a chave tem sido a boa onda e a liberdade.
É preciso coragem para começar uma banda em Portugal nos dias que correm?
Com a experiência que fui tendo com os outros cantautores com quem trabalhei percebi que, por muito boas que fossem as canções, se não houvesse uma estrutura forte por trás, com uma boa promoção e assessoria de imprensa, as canções não pegavam. Ficava sempre a sensação de que eram músicas mandadas para o lixo. Quando avancei com a ideia da banda percebi que isto ia ser difícil, competitivo, por isso fazia sentido dar um ano zero à banda, em que íamos tocar nos bares mais pequenos e insólitos, para nos darmos a conhecer.
O vosso álbum de estreia, A Montra, conta com produção de Luís Nunes (Benjamim). A “mão” dele tem sido fundamental no vosso som?
Quando o Luís entrou na equipa para produzir disse-nos para lançarmos um EP com quatro músicas que definissem o nosso som. Foi por aí que começámos. O processo do disco foi natural e saboroso, é sempre bom trabalhar com o Luís. Ele tem uma grande capacidade, enquanto produtor, de se moldar. Tem a sua trademark, mas vê-se na quantidade de artistas que tem produzido, como a Márcia, Tape Junk, Joana Espadinha, ou mesmo os Cassete Pirata, que são todos artistas muito diferentes, mas onde se nota o cunho do Luís. Gostava que pudéssemos voltar a trabalhar com ele no próximo disco, mas sabendo que ele está a ficar muito famoso [risos] vai ser preciso muita antecedência.
Impuseram-se algum tipo de prazos ou lançaram o disco na altura que consideraram certa?
Sim, impusemos. Na verdade, temos sempre esses timings bem definidos, embora às vezes não os consigamos cumprir. O facto de não estarmos associados a uma grande editora faz com que, quando as coisas não correm bem, não fique mau ambiente, o que é uma vantagem. Faço sempre o exercício de tentar perceber o que é que correu menos bem (e às vezes não é nada que possamos evitar, são mesmo as circunstâncias). Às vezes as coisas descambam e ainda bem, porque por causa disso teve de se tomar outra decisão que era melhor.
Como descreves o processo de composição?
Sou muito viciado, para mim é um processo terapêutico. Não componho porque tem de ser, ou porque tenho de ganhar dinheiro. Como sou professor, as minhas contas são pagas com as aulas que dou e a música é quase um hobbie pago. Era um sonho poder viver só de fazer canções, porque esse processo de composição é natural e terapêutico. Se estiver muito tempo sem compor começo a ficar com mau feitio. Também nunca fui pressionado para compor, e se isso acontecer se calhar vai ser um pesadelo. Sempre compus muito, mas letras é relativamente recente. Nunca tinha escrito nada, nem um diário [risos]. Não estou tão treinado a escrever letras, é um processo de muita luta mas também prazeroso. Quando se consegue colocar o ponto final na frase e a letra ficou fechada, é uma sensação muito boa.
As letras expõem demasiado os artistas?
Acho que sim. O truque que eu uso é tentar camuflar a mensagem, até porque gosto que haja sempre uma porta aberta para uma segunda interpretação. Acontece-me com artistas que gosto também. Às vezes explicam-me o verdadeiro significado de uma canção e percebo que a minha interpretação faz todo o sentido, embora seja completamente diferente do que o autor quis dizer. Há uma forma de camuflar as coisas, de colocar palavras em código. Lembro-me de, no início, tentar escrever sobre amor e ter imensa dificuldade, porque há coisas que para mim são difíceis de dizer. Há coisas sobre as quais escrevo e penso “não vou conseguir cantar isto”. Há um constrangimento pessoal, mesmo que os outros digam que está muito bem.
Dia 1 de junho regressam ao Musicbox. É um palco especial?
Sim, temos o repertório deste disco, que inclui algumas destas músicas que nos têm acompanhado e vamos também fazer uma versão de um cantautor. Quando nos imagino em palco penso sempre no Musicbox. É uma sala muito feliz. Penso que está para o indie rock português como o Hot Club está para o jazz. Tivemos uma noite super mágica da primeira vez que atuamos lá. Quem for assistir vai, de certeza, divertir-se muito. Desta vez não quisemos centrar o concerto tanto nos convidados, e assumir que isto é uma noite de Cassete.
Qual o futuro próximo para Cassete Pirata?
É tocar. É isso que melhora as bandas; é o mais duro, mas é o mais sustentável; é o que nos leva a conquistar público. Somos muito felizes na estrada, gostamos muito de tocar ao vivo. Já tocamos estas músicas há um ano, estamos mais seguros, vamos fazer uma festa com as pessoas, mas claro que tem havido desafios. Este fim-de-semana demos um concerto em Belmonte num evento de aldeia, ambiente de bailarico. De repente aparece ali uma banda de indie rock e torna-se um desafio conquistar as pessoas. O ambiente é menos hostil do que à partida parece, mas é um desafio e as pessoas acabam por aderir. Essa estrada é que tem de se fazer. O objetivo próximo é descansar desta jornada de lançar o disco e poder finalmente entrar numa fase de marcar datas, relaxar e estarmos juntos. Quero organizar-me para, eventualmente, no próximo ano, ter músicas prontas para começar a ir com a banda para estúdio. Gostava que conseguíssemos fazer uns três ou quatro discos seguidos. Esse é o plano, até para aproveitar esta fase boa e inspirada que estamos a passar.