entrevista
Aida Tavares
Nos 125 Anos do São Luiz
Chegou ao Teatro São Luiz em 2002, era então diretor artístico Jorge Salavisa. Assumiu a direção de cena, planificou a programação de várias temporadas, foi gestora e diretora artística interina. Uma “mulher dos sete ofícios” que tem no São Luiz, literalmente, um pouco mais do que a segunda casa. É, desde 1 de fevereiro de 2015, a diretora artística do teatro municipal. À Agenda Cultural, Aida Tavares fala do que é ser programadora de uma das principais salas de espetáculos de Lisboa, da grande celebração dos 125 anos do São Luiz e, claro, de uma nova temporada prestes a arrancar com a estreia de A Dama das Camélias.
2019 é um ano especial para o São Luiz, pelos 125 anos. Esta programação celebrativa pode ser entendida como a afirmação plena de uma direção artística?
Enquanto diretora artística, tem sido essencial aquilo que defino como uma espécie de “dramaturgia”, ensaiada ao longo dos últimos quatro anos, que passa pela fixação da memória. A memória entendida como processo de aprendizagem e de reflexão. Assinalar os 125 anos é celebrar a história rica que este teatro tem, encaixando a programação no olhar que diferentes criadores têm perante aquela que é uma história comum. Por exemplo, o espetáculo do Teatro Praga [Xtròrdinário] foi paradigmático desse olhar, uma vez que descobriu outras histórias dentro da história do teatro. Do mesmo modo, o da Joana Craveiro [Ocupação] estabeleceu a relação dessa mesma história com a da resistência antifascista. Pelo que até aqui se passou, e também pelo que reservamos para os próximos meses, poderei garantir que esta programação, por toda a liberdade que tive em prepará-la, é a afirmação de uma identidade…
Essa identidade pode ser definida para além desta linha programática da celebração dos 125 anos?
Com certeza. A identidade atual do São Luiz passa pela relação com a sua história, com a cidade e com os artistas. Aliás, se há algo que tenho privilegiado é o acompanhamento e a relação sólida com os artistas. Se olharmos para estes últimos quatro anos, verificamos que alguns deles estão presentes a cada temporada. Isso permite que cresçam e que tenham o espaço e os meios para darem continuidade ao desenvolvimento do seu talento.
Falemos dos grandes momentos que encerram esta celebração. O corolário será o livro que a jornalista Vanessa Rato coordenou e que reúne textos de várias personalidades…
Quisemos contar a história do São Luiz, mas não só. O livro reúne, sobretudo, uma série de textos da autoria de pessoas muito diferentes que refletem sobre a importância deste teatro hoje, não só na cidade, até porque tem a particularidade de ser um teatro municipal, mas na contemporaneidade e nas artes de palco. Como não havia ainda nenhum livro sobre o Teatro São Luiz, fico feliz por deixar uma marca não efémera desta celebração.
A temporada 2019/2020 arranca com a continuação desta celebração, ou seja, com o regresso a palco de A Dama das Camélias, peça de Alexandre Dumas (filho) que Eleonora Duce interpretou aqui no final do século XIX.
Por sinal, não foi uma encomenda, mas um encontro de vontades. Há anos que gostaria de ter em cena esta peça e, um dia, a Carla Maciel [atriz que vai protagonizar o espetáculo dirigido por Miguel Loureiro, em estreia a 6 de setembro] vem ter comigo a propô-la. Aceitei, mas desde que fosse feita no âmbito dos 125 anos do São Luiz, precisamente por ser um texto inscrito na história deste teatro devido à passagem por Lisboa dessa grande atriz.
Em novembro, há outro momento importante com o regresso do cinema à sala principal do São Luiz…
Com Metropolis, o filme de Fritz Lang que aqui estreou em 1928. Tal como nesse ano, o filme será acompanhado com música ao vivo, numa nova partitura de Filipe Raposo, que conduzirá o mesmo número de instrumentistas que à data da estreia do filme.
Do que passou nesta celebração, há algum momento que a tenha tocado particularmente?
A ópera do Offenbach, A Filha do Tambor-Mor, foi um momento muito especial por ter sido um projeto ambicioso e inteiramente nosso. E o que mais me agradou foi ter aqui em palco dezenas de alunos do ensino artístico de todo o país e apostar, de um modo tão evidente, na relação com as escolas. Aliás, confesso que gostaria de investir muito mais nesta relação que considero de vital importância para o futuro.
Atualmente, os três teatros municipais de Lisboa são dirigidos por não-artistas (a Aida aqui, a Susana Menezes no Teatro Luís de Camões e o Francisco Frazão no Teatro do Bairro Alto). Acredita que a exigência é maior por não serem artistas?
Talvez. Durante muito tempo, um programador a ocupar a direção artística de um teatro levantava muitas dúvidas. Hoje, acho que já não é bem assim, até porque é comum ouvir críticas a programadores-artistas acerca das opções estéticas que assumiam. Pessoalmente, também tenho as minhas, mas, e talvez porque não sou artista, consigo estabelecer o distanciamento que me pode permitir programar um espetáculo do qual posso não gostar particularmente, mas que é fundamental num determinado contexto. Diria que tenho a vantagem de não ter prisões do ponto de vista estético e, enquanto programadora, procuro estar sempre muito consciente e atenta ao sítio onde estou e ao que me rodeia.
Caso estivesse noutro teatro, seria uma programadora diferente?
Certamente. Programar um teatro municipal é desenvolver serviço público. Se estivesse no CCB ou na Culturgest seria diferente com toda a certeza.
Já referiu a relação com os artistas como fundamental na sua direção, mas há mais marcas identitárias…
A minha direção teve algumas preocupações. Em relação às mulheres, por exemplo, elas representam este ano mais de 50% dos criadores que vão passar pelo São Luiz. E estão aqui pela sua qualidade, não por serem mulheres. Orgulho-me deste ser o teatro que tem mais mulheres a trabalhar. Depois, há também a internacionalização, uma aposta inédita no São Luiz, e que tem permitido a inúmeros artistas circularem com os seus trabalhos por Paris, Istambul ou Brasil.
Concluímos com alguns destaques desta temporada?
Porque não? Teremos o regresso da Christiane Jatahy com o segundo capítulo de Nossa Odisseia; uma retrospetiva dos solos de Mónica Calle intitulada Este é o meu corpo; ou uma nova parceria de Ricardo Neves-Neves com Filipe Raposo, depois do grande sucesso de Banda Sonora, chamada A reconquista de Olivenza.