teatro
Os animais ferozes da geração Y
"Doença da Juventude" no Teatro Aberto
A partir do texto de 1926 escrito por Ferdinand Bruckner, Marta Dias propõe um olhar sombrio sobre uma geração que, para encontrar o seu lugar no mundo, não olha a meios para o conseguir. Carolina Carvalho, Vítor d’Andrade, Eduardo Breda, Filipa Areosa, Helena Caldeira, Madalena Almeida e Samuel Alves são os animais ferozes à solta, no palco do Teatro Aberto, até final do ano.
Na nova produção do Teatro Aberto, os jovens futuros médicos vienenses da década de 1920 da peça original de Ferdinand Bruckner dão lugar a jovens millennials. São estudantes de medicina, ambiciosos e talhados para competir pelo seu lugar no mundo. Surgem-nos, como sublinha Marta Dias, a encenadora e responsável pela adaptação, “como dois tipos de pessoas: as que têm sonhos e as que têm objetivos; as que trabalham e as que seduzem; as que são criativas e as que cumprem; as que lutam e as que desistem; as que têm pena e as que tratam mal; as que manipulam e as que sobrevivem.”
Poder-se-ia julgar estar, cada tipo delas, em lados opostos da barricada. Porém, em Doença da Juventude, impera desde o primeiro minuto a “lei do mais forte”. Não é difícil perceber quem está vulnerável, nem custará entender que vontade acabará por triunfar.
O espetáculo inicia-se, precisamente, com um prólogo bastante elucidativo. Projetado na tela, assiste-se à terrível cena de um frágil antílope a ser devorado vivo por uma matilha de cães selvagens. No ambiente distópico do palco, elucidativo de “um mundo descartável e repleto de estímulos consumistas”, as perspetivas de vida que podemos avaliar como mais corretas são literalmente engolidas pelas feras. Mesmo aqueles que nos parecem mais firmes nas suas convicções, percebem que têm de vestir a pele de animais ferozes para não serem devorados como o antílope na savana.
Se a juventude vienense dos anos 20 contribuiu enquanto adulta para a tragédia do nazismo, o que será do mundo quando chegar o tempo de uma geração embrenhada em gadgets e tecnologia, “com pouco ou nenhum interesse pelo outro e completamente autocentrada no Eu?” A peça original não responde, e esta “versão geração Y” também não, embora deixando pairar dúvidas carregadas de certezas sombrias.
“Perante o mundo em que vivemos, será a lei do mais forte o caminho natural das relações humanas”, questiona a encenadora. “Aquilo que os futuros médicos de Bruckner representam são uma juventude doente, tantas vezes autofágica. E aquela que me parece ser de urgente reflexão é perceber quais são as causas da doença.”
Interpretado por um elenco jovem, o espetáculo Doença da Juventude está em cena até 29 de dezembro, na Sala Azul do Teatro Aberto, de quarta a sábado às 21h30 e, aos domingos, às 16 horas.