Teatro para gente miúda

Propostas para este Natal

Teatro para gente miúda

Na gíria popular diz-se que é de pequenino que se torce o pepino. No teatro não é exceção. Um dos principais objetivos das companhias teatrais que fazem criação artística para os mais pequenos – e há aquelas que trabalham mesmo para bebés – é despertar o gosto e a sensibilidade das crianças pelo teatro, ensinando-as a estar atentas para compreenderem a história e tirarem as suas próprias conclusões. Se, no passado, as maiores preocupações passavam por produzir peças didáticas e moralizadoras, no que acabava por ser uma estética redutora, nos dias que correm há o cuidado de não infantilizar ainda mais o público de palmo e meio.

Ao Teatro Infantil de Lisboa, Companhia da Esquina, Teatro do Eléctrico e Lua Cheia juntámos Filipe La Féria e Catarina Requeijo. Com as companhias e os criadores de espetáculos para gente pequena descobrimos que propostas prepararam para o mês do Natal.

Companhia da Esquina

Com 15 anos de atividade teatral como companhia independente, a Companhia da Esquina surgiu quando um grupo de atores se juntou após uma formação no Teatro da Trindade. Jorge Gomes Ribeiro, responsável pela companhia, congratula-se com o facto de, durante estes 15 anos, a associação ter sido capaz de ser independente em termos de escolhas, apresentando consistentemente um reportório que se pauta pela desconstrução dos clássicos reformulando-os na contemporaneidade que o teatro de hoje exige.

Residente no Teatro da Luz desde dezembro de 2014, o que permitiu uma maior produção teatral, a companhia contempla três vertentes principais: o teatro de autor, o teatro para a infância e o teatro pedagógico, este último dirigido a escolas com textos propostos pelo Ministério da Educação, como é o caso das obras de Gil Vicente e de Luís Sepúlveda.

Rita Fernandes é a Fada Azul em Pinóquio, e Pedro Pernas, o Serapião de A Loja dos Brinquedos

Jorge Gomes Ribeiro acredita que o teatro para a infância se deve fazer valer do texto, nunca infantilizando demasiado a peça, até porque as crianças acompanham e compreendem melhor do que os adultos pensam, o que nota pelo tipo de questões que colocam. Este mês, a Companhia da Esquina conta com dois espetáculos em cartaz: Pinóquio, numa adaptação com forte componente musical do original de Carlo Collodi, e A Loja dos Brinquedos, uma peça concebida a partir do clássico Arlequim e Columbina, personagens da Commedia dell’Arte, um género de teatro popular que surgiu em Itália, e que conta com a encenação de Guilherme Filipe e do próprio Jorge Gomes Ribeiro.

Filipe La Féria Produções

Antes de ser encenador, Filipe La Féria foi ator durante 12 anos. Depois de ter estado em Londres a estudar encenação, La Féria regressou a Lisboa para assumir, durante 16 anos, a direção da Casa da Comédia. Fixou-se, há 22 anos, no Teatro Politeama, que reconstruiu e por onde já passaram dezenas de espetáculos da sua autoria.

Conhecido, não só mas também, pelos seus musicais para famílias, La Féria refuta a ideia de se infantilizar os espetáculos, porque acredita que, ao fazê-lo, está a imbecilizar-se as crianças. Considera que o teatro ou é bom ou é mau, e defende que A Rainha da Neve, o seu mais recente espetáculo para famílias, poderia muito bem estar na Broadway, tal é a sua qualidade. Esta peça parte do conto homónimo de Hans Christian Andersen, obra-prima da literatura para a infância e juventude, mas voa muito para além dele. O encenador transformou-o num espetáculo musical que alia o teatro, a música e a dança aos grandiosos cenários e guarda-roupa a que já nos habituou. A Rainha da Neve é um apelo à imaginação, uma reflexão sobre as relações afetivas e familiares, num ambiente de encantamento e magia.

Dora em A Rainha da Neve

O espetáculo estará em cena no Politeama até depois da Páscoa e tem sessões aos fins de semana para famílias e durante a semana para escolas, mediante marcação. Nas épocas festivas e, por conseguinte, nas férias escolares, os espetáculos chegam a subir ao palco cinco vezes por dia!

TIL – Teatro Infantil de Lisboa

A viagem do TIL – Teatro Infantil de Lisboa teve início em janeiro de 1976, com a peça O Rapto das Cebolinhas, ainda no Teatro do Nosso Tempo. Depois disso, a companhia passou pelo Teatro ABC, Espaço Promotora, Teatro Aberto, Teatro Calvário, Teatro Maria Matos para, em 2004 se fixar definitivamente no Teatro Armando Cortez. Ao longo destes 44 anos, o TIL já deu a conhecer muitos autores nacionais e estrangeiros, tendo adaptado clássicos literários, óperas e bailados, pautando-se sempre pela qualidade.

Kim Cachopo, responsável pela cenografia de Heidi, o espetáculo que o TIL tem em cena atualmente, defende a importância da criação teatral para os mais novos, sublinhando a necessidade da criação de novos públicos. O cenógrafo, e também ator, acrescenta que o teatro musical é uma forte aposta da companhia porque o elemento música ajuda muito a que as crianças se sintam mais ligadas ao espetáculo.

Marta Lopes Correia é Heidi

A mais recente criação do TIL, Heidi, é uma adaptação de uma das histórias infantis mais populares do mundo e uma referência incontornável da literatura para crianças da autoria de Johanna Spyri. Kim Cachopo promete um espetáculo divertido, com uma forte componente plástica, que aborda temáticas como a igualdade de género, a inclusão e a aceitação da diferença.

Lua Cheia – Teatro para todos

A Lua Cheia existe desde 1996, tendo-se constituído como associação cultural dois anos depois. Sempre trabalhou para a infância, desenvolvendo trabalhos numa articulação constante entre ator, objeto e marioneta. Dinamiza, desde 2015, a Casa do Coreto, uma antiga serralharia transformada num espaço cultural em parceria com a Junta de Freguesia de Carnide.

Maria João e Sandra José

À procura do ó-ó perdido, um espetáculo de marionetas de um encenador francês, destina-se a bebés com mais de um ano e é o espetáculo mais emblemático da companhia, comemorando, em 2020, 20 anos de existência. Em maio deste ano, Maria João, responsável pela companhia, aceitou o desafio de Sandra José, autora de Bebeethoven, para estrear a peça no CUCU! Espetáculos para bebés, um projeto da Lua Cheia que assume o formato de festival e reúne diferentes propostas de sensibilização às artes desde a primeira infância. É esse mesmo espetáculo que, até dia 15 de dezembro, poderá ser visto na Casa do Coreto, retomando, depois, em fevereiro.

O espetáculo, destinado a bebés entre os 6 e os 36 meses, está disponível para famílias aos fins de semana, e para escolas durante a semana. Apesar de a Lua Cheia se deslocar às escolas sempre que o mesmo é solicitado, Maria João considera importante que as crianças tenham experiências fora das suas zonas de conforto, neste caso da creche.

Catarina Requeijo e Boca Aberta

Catarina quis ser atriz e, apesar de ainda ter trabalhado como tal, foi na encenação que descobriu o seu caminho. Admite que, no início, a ideia de trabalhar para os mais pequenos não a seduzia nada, talvez por considerar o trabalho com crianças um trabalho aborrecido e menor. Mas graças à insistência de Madalena Vitorino, com quem se cruzou a determinada altura, experimentou. Começou por fazer oficinas e objetos mais pequenos, em duplas de artistas. Rapidamente percebeu que, ao trabalhar com crianças, o primeiro impacto é muito mais direto porque, como não há filtros, percebe-se na hora se gostam ou não do que estão a ver.

Sandra Pereira, a Menina do Casaco Vermelho, e Gonçalo Egito, o Lobo Mau

Mas o que realmente apaixona Catarina é o facto de, encenando para os mais novos em projetos que, sobretudo, trabalham com escolas, consegue abarcar um tecido social muito maior e chegar a crianças que, de outra forma, nunca se aproximariam da cultura e das artes do espetáculo. Abre a carta, Lobo Mau! faz parte do Boca Aberta, um projeto do Teatro Nacional D. Maria II em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa que se dirige às crianças do pré-escolar da rede pública de Lisboa.

Neste espetáculo, o Lobo Mau recebe a visita da Menina de Casaco Vermelho às quintas-feiras, como ficou combinado no espetáculo anterior, leva-lhe os seus bolinhos preferidos e leva-lhe também o correio, onde vêm umas cartas que o Lobo tem vindo a receber mas que não quer abrir por ter medo. E é entre o medo do Lobo abrir a carta e a insistência da menina que se desenha este espetáculo.

Teatro do Eléctrico/ MPMP

Em 2018, tinha o Lu.Ca – Teatro Luís de Camões acabado de abrir, Martim Sousa Tavares contactou a programadora do espaço, Susana Menezes, para lhe apresentar o projeto do espetáculo A Menina do Mar. O maestro considerou que fazia todo o sentido celebrar o centenário de Sophia naquele teatro, sendo que o mesmo partia, precisamente, de um conto para a infância. A ideia era criar algo intemporal, sem idade, ao mesmo tempo acessível e com qualidade poética e de conteúdo extraordinária. A proposta passava por uma peça com música, uma parte relativamente fácil de orientar, uma vez que o próprio Martim é músico.

Teresa Coutinho é A Menina do Mar

Neste espetáculo, e apesar de ter acompanhado todo o trabalho de criação, Martim é somente intérprete; a partitura, que considera extraordinária, é da autoria de Edward Ayres d’Abreu. Para a encenação, não teve dúvidas de que Ricardo Neves-Neves, diretor artístico do Teatro do Elétrico, seria a pessoa ideal, até porque tinha muita experiência em trabalhar com música, com resultados fantásticos. A principal preocupação era tentar ser fiel e respeitador do texto e deixá-lo comandar tudo. A verdade é que não se mudou um ponto ou vírgula ao conto intemporal de Sophia, o que resultou no nascimento de uma obra de arte que tem tudo para perdurar muitos anos.