entrevista
Susana Nobre
"Tempo Comum" é o novo filme da cineasta
A realizadora Susana Nobre inspirou-se na experiência pessoal da maternidade para fazer o filme Tempo Comum. A narrativa desenrola-se num apartamento de Lisboa, onde Marta, que acabou de ser mãe, se dedica a cuidar da filha recém-nascida, ao mesmo tempo que recupera do parto. Os dias correm entre visitas de amigos e familiares que interrompem a nova rotina familiar. O ciclo da vida é descrito a várias vozes: os visitantes contam histórias sobre o casamento, o nascimento dos filhos, as expetativas futuras. Toda esta dinâmica reflete os sentimentos de Marta, transformando-se num barómetro do seu interior.
Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre os primeiros tempos da maternidade?
Comecei a pensar fazer um filme sobre este período quando estava a passar por ele. Quando fui mãe, embora não tenha gozado o tempo oficial da licença de maternidade, achei que era uma altura muito particular. Talvez por ser inverno, havia uma certa reclusão: o espaço da casa, os dias pautados pelas visitas e pela presença da minha mãe que me ajudava com o bebé. Todos aqueles visitantes estavam envolvidos naquele espaço de intimidade enquanto eu dava de mamar. Falavam das suas vidas e havia quase um lado confessional. Era uma verdadeira troca. Esse momento que estava a viver era uma espécie de cápsula do tempo e achei muito interessante a ideia de fazer um filme a partir desse ponto de escuta: uma mãe, enquanto dá de mamar, ouve uma série de histórias que têm ligação àquela vida que está ali a começar.
Como chegou ao casal presente no filme?
A ideia era prévia à experiência deles e havia um dado adquirido para o trabalho: teria de ser feito com uma mãe a amamentar. Conhecendo a Marta [Lança] e a abertura dela, e estando ela grávida, achei que seria a pessoa que procurava. Depois deu-se um processo que foi discutido e falado em diversos momentos. Penso que a Marta estava mais disponível do que o Pedro [Castanheira], uma vez que ele não me conhecia. Mas, com o tempo, fomos estabelecendo uma forma de fazer o filme, bastante adaptada à realidade que eles estavam a viver e que implicava rotinas de trabalho muito suaves.
Porque não recorreu a atores?
Ainda pensei nisso, mas teria de ser uma atriz que estivesse grávida. Seria bastante complicado fingir essa realidade.
Houve algum tipo de direção?
Houve sempre direção. O filme é feito totalmente com as ferramentas do cinema de ficção.
O filme é uma ficção, mas no fundo o dia a dia destas pessoas é real. Como distingue a fronteira entre o documentário e a ficção?
É um processo que estou ainda a delapidar. Não me interessa nada apagar as condições do real em que vou fazendo os meus filmes, ou impingir uma psicologia às personagens que não é a delas. Interessa-me muito trabalhar as histórias das próprias pessoas, fazendo talvez algumas sínteses, algumas elipses, alguns elementos de composição para contar essas histórias. Tenho tentado apurar os meus próprios meios que são um acumular de experiências, e o facto de filmar com alguma regularidade permite que neste processo os filmes vão trazendo coisas de uns para os outros.
O seu trabalho tem sempre por base a realidade, mesmo quando se trata de um trabalho ficcional. É este o registo que mais lhe interessa?
Quando comecei a filmar foi na lógica do documentário, de um cinema mais observacional. O Tempo Comum é o primeiro filme em que trabalho os textos. Trabalho as histórias que as pessoas me transmitem, transpondo essa oralidade para o plano. Interessa-me explorar linhas mistas, projetos em que não tenha de definir previamente um estilo. Talvez queira assegurar coisas que têm mais a ver com o trabalho de ficção, como ter os atores disponíveis para o trabalho de um filme.
Seria então mais fácil trabalhar com atores profissionais?
Do ponto de vista do resultado, acho que não é mais fácil. Mas no sentido da disponibilidade física e temporal de um ator profissional, sim. Preciso dessa disponibilidade, nesse aspeto é mais fácil do que trabalhar com uma pessoa que tem outra vida profissional para além do filme. Porém, o facto de não serem profissionais não é a questão.
A meio do filme há um confronto entre o passado e o presente do país, que é feito através da história de duas personagens: uma vizinha idosa que vive no Alentejo e um tio que esteve na Guerra do Ultramar. As histórias dessas pessoas surgiram naturalmente ou foram intencionais?
Eu gostava que no filme estivesse presente a ideia de como os filhos, os bebés, eram criados num certo passado não assim tão longínquo. E que houvesse um contraste com a ideia contemporânea de uma mãe da cidade fechada num apartamento. Encontrei a Maria de Jesus, uma vizinha da Marta, no monte alentejano onde eles passam algumas temporadas, e resolvi filmar a cena onde ela fala das dificuldades que as mães tinham no tempo em que era nova. Relativamente ao tio da América, o Joaquim é alguém que não faz parte da vida da Marta e que eu trouxe para o filme. A presença dele tem muito a ver com um lado meu que gosta de compilar histórias e factos, sem ter propriamente uma intenção ou uma ligação ao que se está ali a passar.
Já existem projetos para o futuro?
Estou acabar a montagem do meu próximo filme que se chama No Táxi do Jack, que é feito com o Joaquim, o tio americano no Tempo Comum. É um filme sobre amizade em tempos adversos. Para o próximo ano, conto preparar também uma longa-metragem de ficção que se chama Cidade Rabat.