Os livros de janeiro

Oito livros para ler no início do ano

Os livros de janeiro

A Agenda Cultural de Lisboa propõe aos seus leitores que comecem o novo ano (re)descobrindo a obra de Lawrence Ferlinghetti, poeta da Geração Beat que, ao completar um século de existência, continua a acreditar no poder transformador da literatura e na alegria de viver. No seu mais recente trabalho, o romance autobiográfico Rapazinho, escreve: "cantemos e dancemos enquanto dura o brevíssimo instante de eternidade que nos cabe e a sua narrativa surreal". Outras narrativas, porém, preenchem as nossas sugestões de leitura para o mês de janeiro: a poesia completa de David Mourão-Ferreira, O diário de viagem à Coreia do Norte de Michael Palin, a história do Império Habsburgo, a biografia de Kurt Cobain, o teatro de Miguel Pureza, o mais importante romance de James Baldwin e a monografia sobre a belíssima Capela de São Cristovão. Feliz ano novo na companhia dos bons livros!

Lawrence Ferlinghetti

Rapazinho

Publicado em 2019, aos 100 anos de idade, Rapazinho constitui uma espantosa manifestação de vitalidade criativa. Lawrence Ferlinghetti é o decano dos poetas americanos e um dos membros mais importantes da Geração Beat. Considerado o seu testamento literário, este é um livro sobre a memória, descrita pelo escritor como: “uma ampulheta e quando a viramos todos os grãos de areia da vida passada fluem por ela confundindo-se as areias do tempo recentes e antigas todas aleatoriamente misturadas”. Por isso, esta obra torrencial e estimulante é, simultaneamente, autobiografia, recordação, balanço de vida, evocação de um universo literário, reflexão última sobre o sentido da existência, sonho, profecia… Como escreve o autor: “E isto não é nenhum romance é uma espécie de epifania contínua a que o tempo dará clareza (…) não há aqui história para um romance porque também não há na vida, há apenas a hesitante construção das palavras entre o sono e a vigília”.

Quetzal

David Mourão-Ferreira

Obra Poética

Num poema que evoca os seus quarenta anos de poesia, David Mourão-Ferreira (1927-1996) escreve: “Já dez anos vezes quatro / deste meu órfico ofício”. “Órfico ofício” porque, como salientou Eduardo Prado Coelho, a poesia de David Mourão-Ferreira é, acima de tudo, “celebração da própria poesia”. E assim foi, desde 1948 com o início de uma “Secreta Viagem” inscrita sob o signo de Eros, dando, nas palavras do poeta, “primazia à alusão, à sugestão, à imaginação”. Na realidade, o corpo feminino surge como tema central da sua obra (“Esta mulher / no centro/ do corpo traz uma ilha”). Poesia do erotismo, mas que apresenta outros temas marcantes: a Itália e a cultura clássica de Roma (no poema Ar de Itália: “Mesmo que seja só de passagem / esta é a brisa que me renova”); a fugacidade do tempo (“E por vezes ah por vezes / num segundo se evolam tantos anos”); a memória e o esquecimento (“Há de vir um Natal e será o primeiro / em que nem vivo esteja um verso deste livro”). Da presente obra, organizada e revista por Luis Manuel Gaspar com a colaboração de David Ferreira, fazem parte todos os livros e conjuntos de poemas organizados e publicados pelo autor e a sua obra posterior: Lisboa – Luzes e Sombras (1992), Música de Cama (1994), e Rime Petrose, cinco sonetos publicados na revista Colóquio/Letras em janeiro de 1995. Inclui ainda o Cancioneiro de Natal, iniciado em 1960 e que o autor considerava uma “obra “aberta” ou “em suspenso”, e agora concluído com um poema de 1995, Som de Natal.

Assírio & Alvim


Michael Palin

Diário da Coreia do Norte

Michael Palin foi um dos membros fundadores do célebre e inovador grupo de comédia Monty Python. A partir do final dos anos 80 iniciou uma segunda brilhante carreira como escritor e autor de séries de viagens. Em 2018, partiu à descoberta da República Popular da Coreia para uma série a transmitir pela ITN e o Chanel 5. Este livro é o diário dessa viagem “fora do comum”. É um relato sem preconceitos, honesto e de grande humanidade, mais revelador do que muitas análises pretensamente políticas ou sociológicas. Palin retrata os norte-coreanos como “enclausurados num sistema que exige lealdade inquebrantável, mas oferece em troca segurança, e em cujos limites estreitos alguns têm a possibilidade de desfrutar da vida e prosperar”. Aqueles que conheceu, ao longo de quinze dias de viajem, vivem o quotidiano “não alquebrados ou vergados, mas orgulhosos do seu país e satisfeitos por nos interessarmos pela sua forma de vida”. Os leitores que desejem ter um vislumbre do dia-a-dia na secretista Coreia do Norte, encontrarão em Michel Palin o guia mais compreensivo.

Bizâncio

James Baldwin

Se o Disseres na Montanha

James Baldwin (1924/1987) fez parte, com Ralph Ellison e Richard Wright, de uma geração de escritores negros que, no pós-guerra, exploraram o tema da raça como questão fundamental para a identidade da América. Romancista, ensaísta, poeta e ativista dos direitos civis, foi, com Gore Vidal, um dos mais lúcidos espíritos críticos que a América produziu no século XX e um dos seus maiores intérpretes. Se o Disseres na Montanha é a obra mais pessoal de Baldwin (“Se só pudesse escrever um livro na vida, seria este”), um violento requisitório contra o papel repressivo da religião. O autor foi triplamente discriminado pelo racismo e pela igreja, como negro, homossexual e ateu (pregador entre os 14 e os 17 anos, experiência que lhe inspirou este romance, Baldwin perdeu a fé na idade adulta). A figura do pai, ministro da Igreja Pentecostal, hipócrita, fanático e prepotente, personifica a domínio da religião contra a qual o jovem protagonista se insurge em busca da sua identidade e da liberdade moral, emocional e sexual.

Alfaguara

Pieter M. Judson

História do Império Habsburgo

Pieter M. Judson é professor de História Moderna no célebre Instituto Universitário Europeu, em Florença. Tem centrado a sua investigação na história europeia moderna, séculos XIX e XX, nos conflitos nacionalistas e nos movimentos sociais revolucionários. Recebeu em 2011 o Prémio Nina Maria Gorrissen, de História, da Academia Americana de Berlim, bem como, em 1997, o Prémio da Associação Histórica Americana e o do Instituto Cultural Austríaco, pela sua obra Exclusive Revolutionaries: Liberal Politics, Social Experience, and National Identity in the Austrian Empire 1848-1914. Na presente obra historia a dimensão e a pluralidade do Império Habsburgo que, durante séculos, conseguiu governar um conjunto invulgar de povos e territórios em diferentes estágios de desenvolvimento, com credos diferentes e dezenas de línguas. Porém, as revoluções de 1848 e as aspirações da população, inflamadas por movimentos nacionalistas, e as várias guerras (a de 14-18 em particular), levaram à desagregação do Império e à criação de vários Estados. Ironia derradeira, na sua maioria, os Estados resultantes desta desagregação acabaram por replicar o modelo imperial: territórios multilingues, por vezes conquistados pela força, com várias minorias étnicas.

Bookbuilders

A Igreja de São Cristovão de Lisboa

A Igreja de São Cristovão resistiu particamente incólume ao Terramoto de 1755,conservando um espólio artístico de valor inestimável. O templo é um notável exemplo da arte total do barroco Português que alberga pintura, talha, imaginária, mobiliário litúrgico e outras artes, remanescências de um singular programa integral datável da época áurea de D. Pedro II, o final do século XVII e o início do século XVIII. Nascido de um movimento comunitário exemplar, o projecto “Arte por São Cristóvão”, mobilizou artistas, população, instituições públicas e associações locais em torno da belíssima igreja com o objetivo de angariar fundos para a urgente intervenção de que carece. A presente publicação insere-se nessa campanha e tem como local exclusivo de venda a Igreja de São Cristovão. As receitas revertem integralmente a favor das obras de restauro do edifício.

Câmara Municipal de Lisboa

Miguel Pureza

Os Inimigos da Liberdade – Peça para Três Escravos

Estreada no passado mês de novembro no Teatro da Trindade, a peça de estreia de Miguel Pureza, nome reconhecido pela realização de séries de televisão e da curta-metragem A Bruxa de Arroios, distinguida com o Prémio MoteLx em 2012, surge agora publicada em livro. Vencedora da edição 2018/2019 do Prémio Miguel Rovisco – Novos Textos Teatrais, iniciativa anual da Fundação INATEL com o fim de promover e estimular novos autores para a escrita de textos originais para teatro em língua portuguesa, Os Inimigos da Liberdade – peça para três escravos é, segundo o autor, uma alegoria sobre “uma ditadura sem rosto”. Partindo do mito de Sísifo, o antigo monarca condenado eternamente a carregar uma pedra até ao cimo do monte, o texto acompanha a tragédia de três homens agrilhoados a uma pedra gigante, que puxam sobre as areias do deserto num círculo infinito. Excedendo as barreiras do tempo e do espaço, os homens acabam por esquecer quem são e, no dia em que se libertam das correntes, debatem-se com um conceito com o qual não sabem lidar: o da liberdade. FB

Inatel

Charles R. Cross

Mais Pesado do que o Céu – A biografia definitiva de Kurt Cobain

A 5 de abril de 1994, com 27 anos, Kurt Cobain pôs fim à vida, inscrevendo o seu nome num panteão de ícones rock onde já figuravam Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin ou Jim Morrison que, com a mesma idade, deixaram o mundo dos vivos. 25 anos depois, o jornalista Charles R. Cross lança aquela que é “a biografia definitiva” do líder dos Nirvana, depois de em 2001, por ocasião dos 10 anos do lançamento de Nevermind, ter publicado uma primeira versão. Suportada por mais quatro anos de intensa investigação e centenas de entrevistas, Ross decifra, ao longo de meio milhar de páginas, esse “puzzle complicado” que foi a vida de Cobain desde o nascimento em Aberdeen, Washington, até ao suicídio, ocorrido na efervescente capital do grunge, Seattle. Construída como espelho de uma época – ou não tivesse Cobain sido, provavelmente, o último grande rocker do “mundo analógico” – Mais pesado do que o céu (título retirado do slogan usado na digressão inglesa dos Nirvana e dos Tad, em 1989) é uma obra essencial para os fãs do criador de Smells like teen spirit. FB

Pim! Edições