lisboa capital verde europeia
Cultura verde
Cinco personalidades, cinco caminhos de mudança
Ser Capital Verde Europeia em 2020 é, para Lisboa, uma oportunidade. De rever práticas, propor e implementar mudanças, alterar mentalidades. Ser uma cidade com os olhos postos no futuro. Neste cenário, que papel cabe à Cultura? Ou, para sermos mais precisos, de que forma (s) pode a Cultura dar exemplos ou até ser um modelo no que diz respeito às questões ambientais e da sustentabilidade?
Para a edição de janeiro da Agenda Cultural de Lisboa, falámos com artistas, programadores, arquitetos, gestores de equipamentos e projectos, cujo trabalho reflete estas preocupações e que nos deixam algumas reflexões que apontam caminhos de mudança.
Bordalo II
Artista Plástico
Quando se fala destas temáticas de cultura e sustentabilidade, é um artista cujo trabalho assenta como uma luva. Porém, Artur Bordalo ou Bordalo II como é mais conhecido, refere que quando começou não teve em consideração o potencial pedagógico que o seu trabalho poderia ter. A utilização de desperdícios como matéria prima surgiu por acréscimo, de forma espontânea, e depressa percebi que havia mais qualquer coisa que eu podia fazer, dar um contributo não apenas visual, mas também pedagógico.
Os animais que escolhe retratar não são obrigatoriamente espécies ameaçadas, mas considera que vivemos num momento tão delicado que todas as espécies estão ameaçadas de extinção, incluindo a humanidade. As medidas que devem ser tomadas já levam 50 anos de atraso, desde os primeiros alertas dos cientistas. Se não as tomarmos muito rapidamente, começa a ser dúbio definir o que é uma espécie ameaçada. Há as que infelizmente já estão extintas, outras em sério risco, mas ainda vamos a tempo para que isto não seja mais abrangente. Concorda que a arte tem de ser livre: ninguém tem de me acorrentar a uma só ideia, mas pessoalmente acredita que deve aproveitar o facto de ter visibilidade para chamar a atenção para assuntos relevantes e contribuir para mudar alguma coisa, especialmente nos dias de hoje com toda a visibilidade disponível, devemos tentar influenciar e ajudar a encaminhar o mundo num sentido melhor.
Jorge Andrade
Diretor Artístico da Mala Voadora
A Mala Voadora apresentou um espetáculo em 2018 no Teatro São Luiz, em que se ironizava sobre esta temática. Chamava-se Amazónia e retratava um grupo de artistas de vanguarda que vai para a Amazónia fazer uma telenovela ecológica e nesse processo acaba por provocar a destruição de toda a floresta. Jorge Andrade prefere este tipo de abordagens: embora me possa interessar uma temática como a ecologia, o nosso trabalho não é dar lições de moral às pessoas e dizer-lhes como devem ou não viver. Considera que o papel da arte é de agitar consciências e levar as pessoas a reequacionar a sua realidade, mas não no sentido de apontar um caminho. Pensa também que se assiste hoje a um excesso de oferta, uma espécie de capitalismo cultural consumista em que, para se afirmar, uma companhia precisa de produzir cada vez mais espetáculos e coproduções. É uma lógica que a Mala Voadora gostaria de contrariar: esperamos que num futuro próximo, retirarmo-nos deste aceleramento, tentar criar menos. Com a rede de teatros que já há pelo país, as companhias podiam fazer uma peça por ano com garantia de capitalizar o investimento financeiro e artístico com a circulação da peça pelo país. Fazer menos, com maior qualidade acaba por ser mais amigo do ambiente.
Rosalia Vargas
Diretora Pavilhão do Conhecimento / Ciência Viva
O Pavilhão do Conhecimento tem responsabilidades acrescidas no que toca à sustentabilidade e consciência ecológica, como instituição dedicada à divulgação e pedagogia científica. Para Rosalia Vargas, diretora da instituição, este pendor expressa-se desde logo no desenho do espaço, na utilização de energia e outros aspetos físicos mas também nas condições de trabalho e na seleção e preparação dos colaboradores. Atualmente preparam uma grande exposição sobre a água: Água, Uma Exposição Sem Filtros, a estrear em outubro deste ano. Respeito, democracia, partilha, e o bom uso deste bem precioso serão as linhas mestras da exposição. Rosalia Vargas salienta o papel fundamental do Pavilhão do Conhecimento na pedagogia científica, sobretudo entre crianças e jovens: está provado que quanto mais cedo se intervém na literacia científica, melhores são os resultados. Mas, diz ainda, é um trabalho que é preciso manter porque quando os jovens saem da escola deixam de ter contacto com a ciência. Por isso trabalhamos em colaboração com muitas outras instituições científicas e não só, neste desígnio. Considera que têm a responsabilidade de divulgar as tecnologias e os desenvolvimentos científicos que possibilitam utilizações mais inteligentes e eficientes dos recursos naturais. São parceiros da CM Lisboa no programa Lisboa Cidade Verde 2020.
José Mateus
Presidente da Trienal de Arquitetura de Lisboa
A Trienal de Arquitetura de Lisboa 2019 chegou ao fim, mas mantém-se no CCB até 16 de fevereiro a exposição Agricultura e Arquitetura: Uma Visão a partir do Campo que foca justamente um dos aspetos relevantes da sustentabilidade na arquitetura. Diga-se que esta edição Trienal tinha como subtema implícito a sustentabilidade, como nos referiu o seu curador principal Éric Lapierre em entrevista na edição de outubro. José Mateus, arquiteto fundador da ARX Portugal, docente e presidente da Trienal resume o conceito numa frase: quando a arquitetura é competente, é sustentável. Para ele, a sustentabilidade na arquitetura é um tema vastíssimo que vai desde a conceção do território ao desenho do edifício. E não tem de ser necessariamente erudita e tecnológica: a arquitetura popular pode ser muito racional e sustentável. Por exemplo, o monte alentejano, na sua relação com o vento, com o sol, o modo como preserva as temperaturas e utiliza materiais disponíveis localmente, tudo é sustentável, feito com poucos recursos, sempre melhorados ao longo dos tempos e deixa uma pegada ecológica pequena. É na relação entre o campo, produtor de alimentos, e a cidade, onde são consumidos, e a distância que os separa, onde jaz uma das vertentes da sustentabilidade. A distância deve ser encurtada e a cidade pode começar a contribuir para a produção de alimentos. Refere que hoje, o caminho para pensar as cidades sustentáveis é encurtar distâncias, densificar, e essa densificação tem de ser inteligente. É uma realidade aceite mundialmente como a estratégia a percorrer. Especialmente em países com recursos limitados como Portugal.
Rúben Teodoro
Colectivo Warehouse
O Colectivo Warehouse (com c, à antiga) existe desde fevereiro 2013. É um ateliê com três sócios fundadores que trabalha exclusivamente em projetos com relevância cultural ou social, e preferencialmente em projetos que abarquem ambas as vertentes. O seu processo de trabalho envolve uma participação muito ativa por parte dos clientes ou utilizadores finais, sempre com abordagens específicas e nunca repetidas. Rúben Teodoro, um dos fundadores, reforça a desta arquitetura participativa: envolvemos muito o público-alvo. Chamamos todos os envolvidos e procuramos compreender se é exatamente o que querem, procurando desde o início envolver o utilizador final, o morador ou até o visitante do espaço. Os clientes são tão diferenciados quanto os métodos, vão desde câmaras municipais, como a de Lisboa, e juntas de freguesia, a festivais como o Boom, à Associação de Vítimas de Pedrogão Grande. Fazem muitos projetos temporários e tudo o que criam obedece ao máximo possível de sustentabilidade, desde a origem e escolha de materiais, à reutilização dos mesmos: o conceito de economia circular é fundamental para nós, usamos materiais poucos processados, com pegada ecológica reduzida, e pensamos na vida dupla ou mesmo tripla dos materiais. Temos um reaproveitamento de quase 100% das sobras dos projetos. Fazem projetos em regiões fora da Lisboa e no estrangeiro em que procuram sempre envolver a economia local, poupando assim nas deslocações e facilitando assim a apropriação local dos projetos. Estão também ligados a uma rede europeia, a Construct Lab, uma espécie de coletivo de coletivos, uma rede informal que partilha valores e processos de trabalho em projetos colaborativos.