Guilherme Gameiro Alves

O bailarino dança "Morte em Veneza" no Teatro Camões

Guilherme Gameiro Alves

Poucos portugueses terão visto Guilherme Gameiro Alves dançar. Atual bailarino principal do Teatro Nacional da Croácia, saiu de Portugal com 17 anos e uma licenciatura, e foi para a Suíça prosseguir os seus estudos. Dois anos depois entrou para o Ballet Nacional Finlandês onde se profissionalizou com coreografias de Cranko, Forsythe, Naharin e outros. Atuou um pouco por todo o mundo, em países como Rússia, Japão, Itália, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Bulgária, Eslovénia, e neste seu primeiro regresso a Portugal traz o bailado Morte em Veneza de Valentina Turcu, uma das cinco melhores estreias na Europa, em 2018, para a revista Dance Europe Magazine. Guilherme Gameiro Alves falou com a Agenda Cultural de Lisboa, a partir de Zagreb.

Fale-nos da sua carreira como bailarino e do seu ingresso no Ballet Nacional da Croácia.

Após terminar o Conservatório, estive dois anos em Zurique a estudar e fui depois para Helsínquia, para o Ballet Nacional da Finlândia, onde estive dois anos e dancei alguns papéis solistas. Foi entre os meus 19, 21 anos. Depois vim então para a Croácia, o país da minha mulher, também bailarina no Ballet Nacional da Croácia. Estamos aqui há nove anos e fomos ambos promovidos a bailarinos principais.

Como apresentaria o Ballet Nacional da Croácia a alguém que nunca assistiu a qualquer dos seus espetáculos?

A companhia tem estado a crescer muito por obra do seu diretor, Leonard Jakovina. Temos um repertório bastante diversificado, com bailado clássico e com os bailados dramáticos, como o Morte em Veneza, baseado no livro de Thomas Mann, que contam uma história de forma moderna. Criámos Anna Karenina, agora Morte em Veneza, e vamos estrear Orgulho e Preconceito, baseado em Jane Austen. E fizemos ainda The Glembays, a história de uma família croata. Já fomos a vários sítios da Europa, estivemos em Budapeste com o Morte em Veneza. Agora Lisboa e depois São Petersburgo. Somos cerca de 80 elementos e, tal como em Portugal, em que a idade da reforma é muito tarde, temos pessoas que já não dançam, mas continuam ao serviço da companhia.

A programação da Ballet Nacional da Croácia é muito eclética, indo do bailado clássico à dança contemporânea. O que prefere interpretar?

Prefiro os narrativos contemporâneos, onde se tem maior liberdade de expressão, tanto no movimento como em relação à personagem. É o que mais gosto e onde me sinto mais à-vontade.

No passado Natal dançou, com grande sucesso, o papel titular no Quebra-Nozes. O que trouxe de novo um papel como este que já foi dançado milhares de vezes e pelos melhores interpretes de sempre?

No bailado clássico há certas coisas rigorosas que temos de fazer em termos de técnica. Em matéria de personagem, tentei colocar algo de meu, da minha forma de ver um príncipe, e ao mesmo tempo tentei ser gentil, porque o coreógrafo é uma pessoa muito gentil, que explora uma forma de movimento muito suave. E como também dancei com a minha mulher, foi fácil sentir-me apaixonado pela Clara.

O que gostaria de dizer sobre esta produção de Morte em Veneza, que traz a Lisboa?

É um bailado bastante especial que não consigo categorizar. Tem uma dimensão cinematográfica, que vem do uso do vídeo, e não há só dança. Tem momentos puramente visuais onde ninguém está a dançar. É um tipo de bailado que as pessoas em Portugal não estão habituadas a ver, tanto quanto sei daquilo que constitui o repertório da Companhia Nacional de Bailado. Além da versão que aqui apresentamos, onde a coreógrafa Valentina Turcu fez um trabalho esplêndido, esta história só foi coreografada uma outra vez.

Neste bailado interpreta a figura do Anjo da Morte. Quais os principais desafios que apresenta este papel?

Sou o Anjo da Morte, mas noutras partes faço o deus Eros, o que exige uma técnica de improvisação que é, digamos, mais erótica. Isso foi o mais difícil, porque não me senti à-vontade a improvisar com aquela forma de movimento. Para além disso, filmámos um vídeo em que tive de falar para a câmara e de fazer coisas com o corpo a que não estava habituado. Mas essa transformação entre personagens e a mudança de caráteres é o mais difícil.

Qual o bailado clássico que sonha interpretar?

Há o Onegin, de John Cranko, e o Don Quixote, cujo carácter da personagem me identifico e o qual me habituei a ver desde criança. Dos clássicos diria que estes dois.

E o coreógrafo contemporâneo com quem gostava de trabalhar?

Gostava muito de trabalhar com Jiří Kylián. Com o Ohad Naharin já trabalhei, mas gostaria de trabalhar mais. Akram Khan é também alguém com quem gostava de trabalhar.

O que espera deste encontro com o público português?

Nunca dancei para o público português. Estou muito ansioso e ao mesmo tempo feliz. Só quero que gostem da dança. Estou muito orgulhoso de trazer a companhia onde trabalho a Portugal, e logo com um bailado  muito bonito. Existem pessoas da minha família, e pessoas que me conhecem desde criança, que nunca me viram dançar. Saí de Portugal com 17 anos e volto agora com 30. Espero que seja um momento bonito.