Dores de crescimento

"Alma", de Tiago Correia, em estreia no Teatro Aberto

Dores de crescimento

Um rapaz imobilizado numa cama, dois amigos e uma jovem desconhecida protagonizam a mais recente produção do Teatro Aberto. Peça inédita de Tiago Correia, vencedora do Grande Prémio de Teatro Sociedade Portuguesa de Autores/TA em 2018, Alma tem encenação de Cristina Carvalhal. [artigo publicado em fevereiro de 2020, à data de estreia do espetáculo, que repõe, a 5 de junho de 2021, com um novo elenco]

Qualquer coisa de muito grave aconteceu ao jovem rapaz deitado, imobilizado pelo gesso que o prende à cama, num sótão da casa do avô. Um amigo visita-o e tenta desvendar o mistério, mas o jovem parece insondável, perdido. Nem a chegada de uma amiga com quem terá tido uma relação amorosa o anima. Pelo contrário, sente-se acossado. Mas, no final, o enigmático aparecimento de uma desconhecida pode revelar um sentido para a vida.

Através de diálogos curtos, do “linguajar quotidiano”, e de uma notável gestão de silêncios, “como se estas personagens comunicassem secretamente”, Cristina Carvalhal dirige a segunda peça do também ator e encenador Tiago Correia a ser distinguida com o Grande Prémio de Teatro Sociedade Portuguesa de Autores/Teatro Aberto (a primeira foi Pela Água, encenada por Tiago Torres da Silva, em 2016). Com subtileza e sensibilidade, Alma fala de quatro adolescentes (interpretados por Bernardo Lobo Faria, Bruna Quintas, Guilherme Moura e Sofia Fialho) tentando encontrar um lugar num mundo em que as redes sociais se tornaram o veículo privilegiado de conexão comunicacional, e até emocional.

“Para além da escrita muito teatral do Tiago, com quem já colaborei como ator, e que como dramaturgo, nesta peça, me lembra muito Jon Fosse, agradou-me especialmente trabalhar o universo da adolescência”, observa Cristina Carvalhal. “Ter à disposição um elenco muito jovem fez-me preparar tudo em redor com muita precisão e tentar dirigir o menos possível. Acho que a genuinidade que se sente na peça tem a ver com o cuidado que tivemos em não lapidar estes diamantes em bruto que são estes quatro atores.”

Entre o real e o onírico que se confundem ao longo de todo o espetáculo, o cenário de Ana Vaz e o vídeo de Pedro Filipe Marques sublinham a aura de secretismo que envolve as personagens, deixando que elas se revelem pacientemente nas suas frustrações e mágoas. “O que se conta e se desvenda para lá das palavras é essencial”, destaca a encenadora. E, para isso, muito contribuem as versões de Creep dos Radiohead e de When the Party’s Over de Billie Eilish, temas que dialogam diretamente com a geração que a peça retrata.

Em cena até final de março, Alma dá continuidade a um ciclo dedicado à juventude que o Teatro Aberto iniciou no ano passado com as produções de Golpada, de Dea Loher, e Doença da Juventude, de Frank Wedekind.