entrevista
Rodrigo Francisco
"Este é um Festival para o público"
Depois de muitas dúvidas provocadas pela pandemia, o Festival de Almada vai mesmo realizar-se. Será, acredita o diretor artístico Rodrigo Francisco, um festival diferente mas, provavelmente “histórico” porque, por força das circunstâncias, o maior evento teatral do país não poderá ser, como habitualmente, aquela grande “festa estival” que tem como corolário os espetáculos ao ar livre. Esta 37.ª edição decorre integralmente “dentro de portas” em várias salas da cidade de Almada e no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Lotações reduzidas a metade, mais sessões para cada espetáculo e a extensão do calendário a quatro semanas (3 a 26 de julho) são novidades que se esperam meramente excecionais. Apesar de não perder a sua vocação internacional, apenas três espetáculos chegam do estrangeiro; os restantes 14 são produções nacionais, vindas de norte a sul do país, com especial enfoque para a forte presença de companhias de Lisboa, como a Comuna ou os Artistas Unidos. Como não poderia deixar de ser, e este ano não é de todo diferente, “o Festival acontece porque o público assim o quis.”
Quando é que, com a Companhia de Teatro de Almada (CTA), tomaste a decisão de fazer o Festival?
Março e abril foram, como se sabe, meses muito difíceis. Durante esse período fomos sendo informados pelas companhias estrangeiras que iriam estar presentes nesta edição que seria impossível virem. Impedidas de fazer teatro nos seus países, logo nos informaram não ser possível realizar digressões nos meses mais próximos. Apesar disso, continuámos a preparar o Festival, adaptando a programação, os planos de produção, os orçamentos, etc. Ao mesmo tempo, decidimos contactar os nossos espectadores [o Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, dispõe de um Clube de Amigos que promove a ligação intensa da atividade da CTA à comunidade] no sentido de saber da disponibilidade de virem ao Festival, caso acontecesse, e se tencionavam adquirir a assinatura [o Festival de Almada dispõe de uma “assinatura” que permite ao espectador o acesso a todos os espetáculos do evento]…
E as respostas foram animadoras.
De forma surpreendente para mim, mais de metade das pessoas responderam-nos inequivocamente que sim. Estamos a falar do mês de abril, quando nem sequer se podia passar de um concelho para o outro e, para além de estarmos todos em casa, confinados, severmente abalados com uma situação pela qual nenhum de nós tinha passado. Ora, isto deu-nos um enorme alento para continuar a preparar o Festival.
Entretanto, chega a notícia da reabertura dos teatros.
Quando o Governo português tomou a decisão da reabertura dos teatros no início de junho, percebemos plenamente que o Festival iria acontecer. Aliás, a decisão do Governo foi pioneira e original, uma vez que a generalidade dos países europeus assumiu que só se abririam teatros em setembro. Por isso, este verão, na Europa, só em Portugal e Espanha é que se vão realizar festivais de teatro.
Não é uma decisão em contraciclo, tendo em conta, por exemplo, que nem sequer o Festival de Avignon se realiza?
Avignon chegou a apresentar programação, mas cancelou por decisão das autoridades francesas. Se por cá se percebeu que não poderiam haver festivais de música, mas que o teatro poderia voltar a fazer-se, penso que tomámos a decisão natural. Embora, sabendo de antemão que teríamos de assegurar todas as medidas de segurança sanitárias aplicadas à generalidade das atividades durante a realização do Festival.
No teu texto de apresentação desta edição, constante nos programas, colocas um especial enfoque nessa vontade do público de que já falámos. Não fazer o Festival seria atraiçoar o público?
Dependendo de nós, nunca o atraiçoaríamos. O público e o seu direito de ver teatro foi a nossa preocupação fundamental. Nós fazemos o Festival para estar com os espectadores, não para responder a brilharetes de programação ou para ter aqui este ou aquele nome mais sonante.
A presença internacional é este ano, naturalmente, reduzida. Foi frustrante perder a oportunidade de ter alguns dos espetáculos que deveriam apresentar-se nesta edição?
A boa notícia é parte desses espetáculos poderem vir a ser apresentados para o ano. Pelo menos, essa é a vontade da maioria das companhias estrangeiras que estavam contratadas. Agora, há sempre alguma frustração, mas ela desaparece quando procuramos soluções e vamos compondo a programação com boas alternativas. Não sendo possível ter aqui a Schaubühne ou o Berliner Ensemble, há companhias portuguesas que podem cumprir o papel. O que é importante é o Festival acontecer, mantendo os valores artísticos e humanos que fazem dele um evento único de cultura, de diálogo, de abertura e de excelência.
Em termos orçamentais, esta é uma edição ainda mais complicada do que as anteriores, também elas marcadas por dificuldades?
Há uma quebra de receitas próprias na ordem dos 25% que se prendem com a venda de bilhetes, decorrente de termos apenas 17 espetáculos, ao contrário de edições anteriores que andam na ordem dos 25. Depois, temos salas com lotações reduzidas a metade; e não podemos contar com as receitas de bar e do restaurante que montamos na esplanada da Escola D. António da Costa, onde se realizam os espetáculos ao ar livre. Para além disso, como as companhias estrangeiras não vêm, perdemos também o apoio dos institutos estrangeiros. Apesar de tudo, o Festival vai ser uma espécie de “tudo de ensaio” para os que vão acontecer em Espanha…
De que modo?
Como o Festival de Almada acontece primeiro que o de Merida e o de Almagro, vamos ser uma experiência controlada neste tipo de eventos, quer do ponto de vista da segurança sanitária quer do ponto de vista financeiro. Vamos, com certeza, chegar à conclusão de que a quebra de receitas próprias, comuns a todas as estruturas, vai necessitar de uma resposta substancial da parte dos governos.
Esta edição, sobretudo por ser quase exclusivamente portuguesa, é importante para todo o setor teatral que se encontra tão fustigado pelos efeitos da pandemia?
Não tenho a ilusão de achar que as companhias portuguesas aqui virem apresentar um espetáculo as vai salvar. Nestes últimos meses, aliás, falou-se muito da comunidade artística e não se ouviu falar do papel dos espectadores. Ora, sem espectadores não há artistas, e é esse compromisso com o público que queremos assumir e exaltar com a realização do Festival. Até porque, sem sequer termos anunciado qualquer espetáculo, à data da apresentação da programação já estavam vendidas metade das “assinaturas”, demonstrando que há vontade da parte dos espetadores de voltar ao teatro.
Para além de programador, és também autor e encenador. Achas que o teatro já mudou com a pandemia, como se parece anunciar?
As duas grandes guerras, a gripe espanhola… A humanidade já passou por coisas muito piores que isto. É grave, mas não é o fim do mundo. E o teatro vai perdurar tal como é. Durante o período de confinamento, à semelhança de tantas companhias, colocámos uma série de espetáculos online, e foi um tremendo fracasso. Mas eu fiquei contentíssimo com o resultado porque a experiência demonstrou aquilo que sempre pensei: o teatro é muito forte e nada substitui o espetáculo ao vivo, até porque há coisas que não são passiveis de ser substituídas. Aliás, surpreendeu-me a proliferação de criadores que decidiram fazer coisas nas plataformas digitais. Acho que, enquanto profissionais do teatro, não é isso que nos move. Até porque aquilo é outra coisa; não é teatro.
Conheça as 16 Companhias e Teatros que vamos receber no 37.° Festival de Almada..O programa integral do Festival está disponível em www.ctalmada.pt.#festivaldealmada #companhiadeteatrodealmada @cmalmada #almada #teatro #theatre #theater #portugal #cultura #culture
Publicado por Festival de Almada em Quarta-feira, 24 de junho de 2020