Os livros de outubro

Sete livros a abrir o outono

Os livros de outubro

O arrefecimento da temperatura e as primeiras chuvas de outono convidam a ficar em casa. Os livros são a companhia ideal para dias mais curtos e sombrios. Deixamos-lhe sete sugestões recém-editadas: uma brilhante análise dos efeitos da pandemia da COVID-19; a reedição de um clássico por ocasião do centenário do nascimento de Ruben A.; o mais recente romance de Ondjaki; a monumental investigação jornalística de Miguel Carvalho sobre Amália Rodrigues e a sua relação com o Estado Novo e o pós-25 de Abril; um álbum dedicado a uma das expressões artísticas menos conhecidas de Fernando Namora, a caricatura; um notável conjunto de entrevistas sobre o papel da mulher na história recente do país. Finalmente, para os jovens leitores (e não só), uma tocante narrativa infanto-juvenil de Olga Tokarczuk, Prémio Nobel de Literatura 2018.

Ivan Krastev

O Futuro por Contar

Ivan Krastev, politólogo, investigador do Instituto de Ciências Humanas de Viena, analisa a calamidade da COVID-19 como fenómeno novo, fundamentalmente diferente das três anteriores crises: o terrorismo, a crise financeira e a crise dos refugiados. O presente ensaio centra-se numa série de paradoxos revelados pela crise pandémica e investiga o impacto que esta terá sobre a globalização, a cooperação internacional e a coesão nacional, o avento de novos autoritarismos e o futuro do projecto europeu. Segundo Krastev, estamos a viver em simultâneo todos os pesadelos das distopias mais populares, um fenómeno de intersecção entre o Admirável Mundo Novo, A Historia de uma Serva e O Deus das Moscas. E não esquece o Ensaio Sobre a Cegueira: “Saramago não considera que as epidemias transformam a sociedade; a seu ver, elas desvendam a verdade sobre essa sociedade. Se ele tiver razão, é importante compreendermos o que vimos quando presos nos nossos lares”. Uma obra estimulante para ler no momento em que mundo parece mergulhar “numa floresta sombria, pois que se perdera o caminho a direito” como escreveu Dante n’ A Divina Comédia.

Objectiva

Ruben A.

A Torre de Barbela

Em 2020, celebra-se o centenário do nascimento de Ruben A., autor singular com uma escrita caracterizada pelo recurso a estimulantes jogos de linguagem, desconstrução dos eixos narrativos tradicionais, subversão cronológica dos eventos passados e pela crítica irónica a uma certa forma de ser português. Sobre o desaparecimento prematuro de Ruben A. aos 55 anos, escreveu a sua prima Sophia de Mello Breyner Andresen: “que tenhas morrido é ainda uma notícia desencontrada e longínqua e não a entendo bem”. O romance A Torre de Barbela, retrato psicológico do país desde a sua fundação, publicado em 1964, foi distinguido com o prémio Ricardo Malheiros, da Academia de Ciências de Lisboa. Tem por tema uma antiga torre de vigia, tão antiga quanto o nascimento da nação lusitana, a única torre triangular de toda a Península, que se ergue na margem esquerda do rio Lima. Nos dias que correm, é um velho monumento, memória do Portugal inventado pelas fantasias do caseiro-guia. O que a centena de turistas enganados não sabe é que, após o horário de visita, os antigos Barbelas, vindos de oito séculos diferentes, ressuscitam e habitam os seus arredores.

Livros do Brasil

Ondjaki

Livro do Deslembramento

Ondjaki evoca o universo da infância com o mesmo deslumbramento com que descreve a caixa de chocolates que serve de tema a um belíssimo capítulo deste seu mais recente romance. As peripécias da infância são narradas sob o mesmo olhar de encantamento com que reproduz as cores, os cheiros, os brilhos e os sabores dos bombons daquela “caixa quase de magia”. Como na magnífica canção Come raggio di sol, do compositor veneziano do período barroco, António Caldara, a infância é luminosa, um raio de sol que ilumina a superfície do mar. Porém, na profundidade do oceano, a escuridão esconde uma tormenta que se agiganta. Também neste romance uma dura realidade se impõe: a chegada da guerra civil a Luanda, uma experiência que todos querem “deslembrar”. Este livro, tão bonito e tocante, confirma o universo da infância como o grande tema da obra de Ondjaki. Para o escritor, apesar das carências do dia a dia e das provações da guerra, a memória da infância é, afinal, como os bombons franceses, “uma coisa do outro mundo”, “de um outro mundo que fica ainda mais em cima que as alturas do tal paraíso”.

Caminho

Miguel Carvalho

Amália – Ditadura e Revolução

Extraordinária investigação jornalística de Miguel Carvalho, analisa a forma como a figura de Amália Rodrigues atravessou grande parte do século XX português sobrevivendo à admiração por Salazar, ajudando os presos políticos, cantando poetas proibidos, financiando clandestinamente a oposição e o PCP e como resistiu aos boatos que a pretendiam silenciar após o 25 de Abril. Paralelamente, traça uma biografia da “grande cantora do português fundamental”, nas palavras de Virgílio Ferreira, personalidade contraditória movida pela inquietação que “detestava as lógicas partidárias ou as sebentas do sectarismo, mas apreciava seres humanos apegados às convicções, mesmo que as combatesse”. E revela como lidou com as invejas mesquinhas dos colegas, num meio artístico formado em parte pelos “capachinhos dos oportunistas políticos” e por “figuras charmosas com voz de linho e pés de barro”. Obra monumental dedicada ao futuro e a todos os que habitam o coração indomável de Amália, “mesmo aqueles que ainda não a descobriram por infelicidade, distracção ou preconceito”.

Dom Quixote

Paulo Marques da Silva

Fernando Namora Caricaturista

Fernando Namora (1919/1989), licenciado em medicina pela Universidade de Coimbra em 1942, exerce a sua profissão de aldeia em aldeia, nas regiões da Beira Baixa e do Alentejo, antes de se instalar em Lisboa como médico assistente do Instituto Português de Oncologia. Esta experiência inspiraria alguns dos seus romances mais famosos como Retalhos da Vida de um Médico ou Domingo à Tarde. O escritor, dotado de uma profunda capacidade de análise psicológica a par de uma grande sensibilidade da linguagem poética, contribuiu para o amadurecimento estético do neo-realismo e aproximou-se do existencialismo. Entre as várias formas de expressão artística que utilizou, a  caricatura constitui a faceta menos conhecida do grande público. A presente obra cinge-se, exclusivamente, às caricaturas académicas, entre os anos lectivos de 1936/37 e de 1941/42, período temporal que reflete a duração do seu próprio curso universitário. Conjuntamente com esta colecção de 181 caricaturas, que aqui se reúnem, apresenta um texto de enquadramento que corresponde a uma introdução à temática: algumas considerações sobre a caricatura; breves notas sobre a sua história em Portugal; o impacto da ação da censura sobre esta arte; a “relação” de Fernando Namora com as suas caricaturas, procurando aqui vislumbrar a ambiência da época, quer política, quer artística, mas considerando igualmente as particularidades do seu percurso de vida.

Câmara Municipal de Condeixa

Maria Antónia Fiadeiro

Artistas, Artesãs, Pioneiras

Livro singular de Maria Antónia Fiadeiro, pioneira do jornalismo pós-25 de Abril e dos estudos femininos em Portugal, permite compreender o papel da mulher na história recente do país através de quase cem conversas com personalidades da arte e da cultura nacional – Ana Salazar, Maria Mendes, Hélia Correia, Maria Antónia Palla, Paula Rego ou Lídia Jorge -, com artesãs – Etelvina Faria dos Santos, bordadeira, ou Irene Mourão, carpinteira – e com mulheres dedicadas às áreas há pouco tempo abertas à participação feminina – Cândida Alves, a primeira carteira em Portugal, ou Maria Arsénia, jardineira pública. Entrevistas realizadas entre 1982 e 2008 e publicadas originalmente em meios de comunicação da imprensa escrita como o Jornal de Letras Artes e Ideias, o Diário de Notícias, o Diário de Lisboa e as revistas Máxima e Casa & Decoração. Trata-se de uma recolha de vozes, que compõem um retrato íntimo, sensível e profundo da vida doméstica, social e profissional da mulher na sociedade portuguesa no fim do século XX e inícios do século XXI, com um valor histórico inestimável.

Edições Caixa Alta

Olga Tokarczuk

Alma Perdida

Era uma vez um homem que vivia constantemente com pressa, sempre de um lado para o outro. Comia, dormia, andava, trabalhava e até jogava ténis, mas tinha dentro de si uma sensação estranha. Certo dia, sentiu dificuldade em respirar e deixou de saber quem era. Tinha-se esquecido do que preenchia o seu coração; tinha perdido a sua alma. A Alma Perdida é um delicado objeto literário com texto de Olga Tokarczuk, vencedora do Prémio Nobel de Literatura e do Booker Prize, e ilustrações de Joanna Concejo, galardoada artista polaca, que faz uma reflexão profunda e comovente sobre a capacidade de viver em paz consigo próprio, permanecer paciente e atento ao mundo que o rodeia. Neste livro, a espera, a paciência e a atenção são exploradas através de ilustrações que transmitem um sentimento de paz e de meditação, onde Joana Concejo representa a melancolia e a alegria evocadas pela memória através de linhas finas e desenhos minuciosos. A Alma Perdida, premiado com a Menção Especial Bologna Ragazzi Award 2018, é o primeiro livro de Olga Tokarczuk dirigido a crianças e jovens.

Fàbula