entrevista
Luiz Caracol
"Preciso do palco como de oxigénio"
Desde que iniciou o seu percurso a solo, Luiz Caracol lançou os discos Devagar (2013) e Metade e Meia (2017). O músico, que fez parte do grupo Luiz e a Lata, tem uma sonoridade muito sua, resultado de uma verdadeira mistura de influências. Recentemente, lançou o EP Só.tão, que dá a conhecer numa digressão que levará pelo país nos próximos meses.
Quando soubeste que querias ser músico?
Na verdade, sinto que, na minha família, fui o último a aceitar isso. Desde cedo, os meus pais acharam que eu era muito musical e que tinha algum jeito. Gostava de música, mas não estava na minha ideia tornar isso uma coisa séria. Na adolescência escolhi a área de desporto, mas tive uns contratempos a nível físico. Houve algumas lesões e sofri um acidente. Posteriormente a isto, comprei uma guitarra, comecei a tocar meio na brincadeira e passado algum tempo a coisa começou a ganhar uma dimensão maior. A partir daí comecei a estudar música. Primeiro num universo clássico, depois estudei jazz no Hot Clube. Foi aí que as coisas começaram a ficar sérias, e que comecei a viver profissionalmente da música.
A tua música concentra vários estilos e sonoridades. Dirias que és uma verdadeira mistura de influências?
Acho que é uma mistura de coisas, sim. Sou um português made in África, o que fez com que tivesse o privilégio de ser criado num ambiente de mescla cultural. Os alicerces da minha vivência estavam associados à cultura portuguesa, mas também à cultura da África lusófona. Nunca tive um alter-ego musical. A minha música é um reflexo daquilo que sou enquanto pessoa e das minhas vivências. Sendo esse processo muito autêntico em mim, ao nível das influências todas essas coisas estavam lá também, e não fazia sentido não estarem na minha música porque fazem parte de mim.
Participaste em projetos como Luiz e a Lata e tocaste em bares. Foi uma escola importante?
Sem dúvida. As escolas de música são, porventura, um fator importante na formação de um músico, até porque o saber não ocupa lugar e, quando estás em determinada área profissional, é importante ter as melhores valências possíveis em relação a essa mesma área. Agora, o palco também traz muitas outras coisas que a escola não traz, acho que acaba por ser um complemento. Tive a sorte de poder ter os dois mundos: durante o dia estudava música e passava as noites a tocar em bares. Tive projetos de vários estilos musicais, desde projetos lusófonos, música portuguesa, brasileira, funk, soul, reggae… acabei por deambular um bocadinho por vários estilos musicais e todos eles acabaram por me ensinar muito e trazer muita riqueza àquilo que faço.
Como é o teu processo criativo?
50% de inspiração e 50% de transpiração [risos]. Às vezes inspiro-me nas coisas mais mundanas e triviais. Pode ser a leitura de um livro, o visionamento de um documentário, uma história que me contaram… há muitos inputs que me dão vontade de escrever. Funciono um bocado por camadas: quando estou em processo criativo estou literalmente em processo criativo, e não quero focar-me noutras coisas. Quando sinto que já tenho um leque de temas que dá para começar a trabalhar, então termino esse processo criativo aí e passo para outro que é quase comparável a estar na cozinha a temperar a comida. A produção, para mim, é um bocadinho isso. Quando estou no processo de produção, de um modo geral não estou a compor. Vou fazendo as coisas um bocadinho por etapas e concentro-me muito em cada uma delas.
Em dezembro lançaste o EP Só.Tão. É um trocadilho com o local de casa onde escreveste os singles?
Sempre gostei de trabalhar em equipa, e os meus discos anteriores – fosse a solo ou com Luiz e a Lata – tiveram muitas colaborações, não só a nível autoral, mas também participações de músicos a tocar. Desta vez, devido à contingência da pandemia, o facto de ter um pequeno sótão em casa, onde tenho um estúdio, acabou por me levar a este percurso que terminou no Só.Tão, e acabei por, pela primeira vez, fazer tudo completamente sozinho: compor, tocar, captar som, misturar. Foi um trabalho que me fez viajar, muito interessante e importante para mim. Obviamente que continuo com muita vontade de trabalhar em equipa, mas foi a forma que encontrei para continuar, de algum modo, a fazer música e a estar ligado ao processo criativo. Enchi-me de coragem e avancei para algo que nunca antes tinha acontecido, e que resultou neste novo EP.
Conseguiste, portanto, aproveitar o tempo do confinamento para criar?
Num primeiro momento passei bastante mal. Tenho dois filhos pequenos, a minha filha mais nova nasceu pouco tempo antes tudo isto ter começado. De repente, estarmos quatro pessoas num apartamento, a minha mulher em teletrabalho, eu praticamente todo o dia a tomar conta dos miúdos… nos primeiros momentos foi bastante duro. Senti que precisava de reagir, e este Só.Tão acabou por ser uma tábua de salvação. Sentia que não me podia deixar ir abaixo, tive de arregaçar as mangas e trabalhar para continuar a compor, embora de um modo mais solitário.
No EP abordas um tema muito presente nas nossas vidas, e especialmente na das gerações mais novas: a importância da internet e das redes sociais. Achas que isto nos afasta cada vez mais, em vez de nos aproximar?
Já tive várias opiniões e ideias à volta dessa questão. Nasci numa era completamente analógica e a certa altura tudo virou digital e altamente globalizado. Está tudo à distância de um clique, com o melhor e o pior que daí advenha. Se, por um lado, hoje em dia é muito fácil ter conteúdos e chegar às pessoas, por outro, acho que cada vez mais há excesso de informação. A questão dos likes está altamente valorizada e passou a valer mais do que os próprios conteúdos que cada pessoa ou artista apresenta. Deixou de haver uma espécie de meritocracia. Antigamente, quando queríamos gravar um disco, íamos à editora, apresentávamos as canções e a editora ou gostava ou não. Hoje em dia, se alguém tem 500 mil seguidores, já nem interessa o que é que essa pessoa faz. As coisas estão um bocadinho perversas a esse nível. Custa-me um bocadinho lidar com isto e a canção Likes por amor acaba por falar sobre isso. Prefiro trocar um like por um concerto meu, algo verdadeiramente genuíno que não esteja naquela espécie de bolha que são as redes sociais, onde toda a gente tem uma cara, mas onde é fácil as pessoas esconderem-se atrás do ecrã.
Há um investimento no lado visual das canções…
Tive a sorte de, há uns anos, ter começado a trabalhar com um músico que também domina esta área do audiovisual. Temos sido grandes parceiros. Chama-se Gus Liberdade, foi com ele que fui ao Festival da Canção de 2020. Para além de ser músico, está ligado ao audiovisual. O facto de ele tocar comigo, de termos proximidade e de ele conhecer bem a minha música, ajudou a que fossemos construindo uma estética visual. Os três vídeos deste EP (e o da música que levámos ao Festival o ano passado, Dói-me o País) foram feitos pelo Gus, daí haver esta homogeneidade neste trabalho.
No final do mês, atuas no Som no Coreto, ao ar livre. Estás ansioso por poder tocar novamente para as pessoas?
Felizmente, tenho vários concertos agendados para os próximos meses. Quero muito acreditar que o pior já passou e que a estrada vai voltar para muitos de nós, músicos, que tanto precisamos de voltar a trabalhar e estar com o público. Preciso do palco como de oxigénio. Estes meses foram asfixiantes, mas espero que o pior já tenha passado.
Um concerto imperdível para ver nos próximos tempos?
O baterista que toca comigo há muitos anos e que é como um irmão para mim, o Ivo Costa, é também o baterista de um projeto incrível que se chama Bateu Matou. O grupo vai apresentar o disco de estreia no Lux [dias 27 e 28 de maio] e acho que vai ser um concerto imperdível. O álbum tem uma grande energia e em cima do palco vai ter mais ainda.