teatro
Dias de teatro entre Almada e Lisboa
Ivo van Hove e Monica Bellucci no Festival de Almada
Sete salas de Almada e Lisboa, 21 produções nacionais e internacionais divididas por 108 sessões. A 38.ª edição do Festival de Almada arranca já a 2 de julho, e estende-se por quatro semanas, até dia 25. Em destaque estão os 50 anos da Companhia de Teatro de Almada, os regressos do coreógrafo Josef Nadj e de atores referenciais do teatro europeu, como Viviane De Muynck ou François Chattot, e, claro, Monica Bellucci a interpretar Maria Callas, e Ivo van Hove a encenar o autor sensação do momento, Édouard Louis.
Não são todos os anos que uma companhia comemora cinco décadas de atividade e, como não poderia deixar de ser, alguns dos momentos mais esperados deste 38.º Festival de Almada estão associados às comemorações dos 50 anos da Companhia de Teatro de Almada (CTA), organizadora daquele que é o mais importante festival de artes performativas do país.
Em primeiros lugar, pela estreia absoluta de duas novas criações no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada: Hipólito, de Eurípedes, com encenação de um habitual companheiro de percurso, Rogério de Carvalho (2 a 4 de julho); e Um gajo nunca mais é a mesma coisas, escrito e encenado pelo diretor da CTA e do Festival, Rodrigo Francisco (14 a 25 de julho). Em segundo, por toda uma programação paralela, a qual inclui a exposição comemorativa, concebida por José Manuel Castanheira, e um conjunto de encontros entre personalidades que testemunharam o percurso iniciado com a fundação do Grupo de Campolide, por Joaquim Benite ainda em plena ditadura, e a consolidação da CTA como companhia de referência nacional e internacional, e impulsionadora da afirmação de uma cidade como Almada.
Ainda perante um tempo terrível para o meio cultural, e sucedendo a uma edição atípica, mas demonstrativa de uma consolidada relação com o seu público, esta 38.ª edição do Festival recupera a dimensão internacional, trazendo ao convívio dos espectadores alguns dos mais relevantes nomes do teatro e da dança – como o do coreógrafo Josef Nadj, com a sua mais recente criação, Omma; ou a de dois atores referenciais do teatro europeu, de regresso ao Festival: Viviane De Muynck (com Molly Bloom, a partir de James Joyce) e François Chattot (protagonista de Amitié, um surpreendente espetáculo de Irène Bonnaud, produzido pelo Festival d’Avignon, que cruza textos de Pier Paolo Pasolini com Eduardo De Filippo).
Como vem sendo habitual, o Festival de Almada estende-se a Lisboa, marcando passagem pelo Teatro Nacional D. Maria II e pelo Centro Cultural de Belém. E, fá-lo com dois protagonistas de peso: a atriz Monica Bellucci e o encenador Ivo van Hove.
Van Hove e Bellucci, inevitáveis ‘cabeças de cartaz’
Quase uma década volvida sobre a sua última passagem por Portugal (Husbands, a partir do filme homónimo de John Cassavetes, em março de 2012, no CCB), o encenador flamengo, e diretor artístico do reputadíssimo Toneelgroep Amsterdam, Ivo van Hove (n. 1958) regressa como inevitável “cabeça de cartaz” desta 38.ª edição do Festival de Almada.
Não é, de facto, de somenos: van Hove é um dos mais relevantes encenadores em atividade e, também, um dos mais disputados, deste e do outro lado do Atlântico, distinguido ao longo dos últimos 40 anos com os mais importantes prémios de teatro, incluindo o Tony, em 2016, pela encenação de A View from the Bridge, de Arthur Miller.
Quem matou o meu pai é a adaptação para palco da última obra do jovem autor francês Édouard Louis (n. 1992), romancista muito apetecível no teatro europeu, que tem vindo, com a chancela de outras grandes companhias e encenadores de relevância (em destaque também, nesta edição do Festival, a produção eslovena de História da Violência, dirigida pelo croata Ivica Buljan, a partir do primeiro romance do autor, em cena, de 2 a 5 de julho, em Almada), a ver as suas histórias sobre homofobia, racismo e desigualdade social serem encenadas nos grandes palcos.
Aqui, o autor parte de um tributo pessoal e íntimo ao pai – um operário envelhecido e doente como resultado de uma vida marcada pelo trabalho árduo, pela privação social e pelo álcool –, para apontar o dedo ao sistema capitalista e à elite política que trai constantemente as expetativas dos mais fracos.
A interpretar o monólogo está o ator neerlandês Hans Kesting, figura de proa do Toneelgroep, que pudemos ver na mais recente passagem da companhia por Lisboa, em 2019, com o extraordinário Ibsen House.
Entretanto, no palco do Grande Auditório do CCB, a heroína é Maria Callas. Mas, o que dizer sobre Callas quando, quem a interpreta é, tão só, Monica Bellucci, a atriz de cinema italiana que se tornou ícone planetário?
Maria Callas – Cartas e Memórias marcou a estreia de Bellucci nos palcos de teatro, em 2019 no Òdeon em Paris. Sob a batuta de Tom Volf, realizador e fotógrafo (sobretudo ligado à moda), a atriz encarnou a diva grega num monólogo escrito pelo próprio Volf, a partir do seu livro homónimo que resume uma longa investigação de sete anos em torno da figura da famosa cantora de ópera. Ao longo do espetáculo, acompanhamos o percurso daquela que foi uma, senão, a maior das sopranos do século XX, desde a infância modesta na Grécia aos últimos dias de solidão que antecederam a morte prematura, em Paris, com apenas 53 anos de idade.
Bellucci entrega-se de corpo e alma a Callas, num espetáculo que revela muitos aspetos até aqui desconhecidos da biografia da cantora que, como bem observa Rodrigo Francisco, “pareceu plasmar-se nas heroínas trágicas que cantou.”
Memórias de África e estreias nacionais
A cada edição, o Festival de Almada nunca se caracteriza por assumir uma temática específica. Contudo, este ano, e como sublinha o diretor artístico do Festival, “não deixa de ser evidente o diálogo encetado por vários dos espetáculos programados a propósito de África e do passado colonial português”. Para além da peça escrita e encenada por Rodrigo Francisco, pelos palcos de Almada vão passar ainda Aurora Negra, de Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema (2 a 5 de julho, na Academia Almadense), e Corpo Suspenso, de Rita Neves e Patrícia Couveiro (9 a 12, no Incrível Almadense).
Quanto às estreias nacionais, e para além das já referidas produções da CTA, Carla Galvão e Sara de Castro apresentam uma das últimas peças de Tennessee Williams, Duas Personagens (7 a 14, no Teatro-Estúdio António Assunção), e a Companhia Nacional de Bailado prossegue o ciclo Planeta Dança, com o capítulo 4 da série criada pela coreografa Sónia Baptista (Academia Almadense, dias 10 e 11).
Na reta final do Festival, de 23 a 25 de julho no Teatro Municipal Joaquim Benite, a “histórica” peça de Alfred de Musset Lorenzaccio, encenada por Rogério de Carvalho numa coprodução do Teatro do Bolhão com o Teatro Nacional de São João, volta aos palcos, depois da estreia em finais de 2020, no Porto. Trata-se da primeira vez que este marco da literatura dramática é encenado em Portugal, o que por si só o torna um dos grandes momentos da temporada artística.
Os bilhetes individuais para os espetáculos encontram-se já à venda, variando entre os 9 e os 50 euros. As Assinaturas, que dão acesso a todos os espetáculos do Festival, têm este ano o custo unitário de 80 euros. Toda a programação pode ser consultada no site oficial da CTA.