entrevista
Miguel Fragata
'O Estado do Mundo (Quando Acordas)' responde à "vontade de podermos, através das miniaturas e dos objetos, levar à cena grandes catástrofes naturais"
Em novembro, o Lu.Ca –Teatro Luís de Camões apresenta O Estado do Mundo (Quando Acordas), uma peça de teatro da autoria da Formiga Atómica, a companhia de teatro fundada por Inês Barahona e Miguel Fragata cujas criações exploram questões contemporâneas e emergentes. Falámos com Miguel Fragata, que também encena o espetáculo que aborda a crise climática e promete pôr miúdos e graúdos a refletir sobre o tema.
A Formiga Atómica cria peças de teatro, maioritariamente destinadas a um público mais jovem. Foi o que sempre quis fazer ou surgiu naturalmente?
Na verdade, não pensamos muito nisso. Vamos fazendo espetáculos e projetos que respondam a uma inquietação, a uma urgência. Começámos, de facto, com um trabalho muito direcionado para o público mais novo, A Caminhada dos Elefantes, mas aconteceu porque o que nos interessava mesmo era abordar a questão da morte com crianças a partir dos seis anos. A partir daí, os nossos espetáculos foram sendo sempre filhos uns dos outros, uns foram dando origem aos outros, e penso que já fizemos espetáculos para todos os públicos. O Estado do Mundo (Quando Acordas), por exemplo, pretende-se que seja um díptico, ou seja, agora há este para um público mais novo, mas depois haverá outro mais para a frente, com uma outra escala e uma pesquisa mais aprofundada, dirigido ao público adulto, onde esperamos abordar a ideia das alterações climáticas, mas já numa vertente mais política, geográfica e social.
Sentem que há necessidade de ter algum cuidado especial quando escrevem ou encenam para este tipo de público?
Nós gostamos que os nossos espetáculos tenham camadas diferentes, havendo sempre umas que são exclusivas para os adultos e outras exclusivas para crianças. E, mesmo dentro da infância, há coisas que vão funcionar para crianças de dez anos e que não vão funcionar para crianças de seis. Gostamos de construir os espetáculos com esse jogo em mente. Quando definimos uma faixa etária a partir da qual se pode assistir aos espetáculos, fazemo-lo tendo em conta quais os instrumentos que vamos utilizar e que possam ser apelativos para essas idades. Também tentamos sempre adaptar a linguagem, não no sentido da censura ou de não falarmos de determinado assunto, mas na forma como o fazemos. Normalmente, em criações direcionadas ao público mais jovem, damos sempre alguma informação que, naturalmente, uma criança de seis anos não tem. No início de cada espetáculo procuramos que haja sempre um momento de democratização, como se fosse um manual de instruções, para que, depois, todos estejam em pé de igualdade quando a história for contada.
Em novembro, apresentam no Lu.Ca o espetáculo O Estado do Mundo (Quando acordas), que aborda o tema das alterações climáticas e de até que ponto os nossos pequenos gestos podem causar grandes impactos. Como surgiu esta ideia?
Este espetáculo partiu da premissa do tal díptico. Este primeiro momento é direcionado para o público jovem, é de pequena escala e parte de uma ideia de manipulação de pequenos objetos para que o outro espetáculo, dirigido ao público adulto, possa ser de grande escala. Mas há aqui uma intensão: havia muito esta vontade de podermos, através das miniaturas e dos objetos, levar à cena grandes catástrofes naturais. Portanto, posso dizer que é daqui que nasce a ideia: como abordar grandes desastres naturais através das miniaturas e de um espaço reduzido em cima do palco. E, ao mesmo tempo, como é que vamos abordar esta temática tão complexa e tão essencial, a de sermos conscientes por todos nós. Como é que a vamos abordar, não só para as crianças, mas também para as famílias.
As vossas criações são sempre obras que procuram fazer pensar e refletir. Nesta peça, que reflexões procuram suscitar no público para além da questão central, a tal exploração de causa-efeito entre pequenos gestos e grandes consequências?
A coisa mais relevante nesta peça é, sem oferecer quaisquer soluções e sendo apenas um veículo para todos juntos refletirmos sobre a questão, a importância da consciência. É nós sabermos o que é que se passa no mundo. Que o planeta é este lugar de recursos finitos e de um equilíbrio absolutamente periclitante e instável onde, de certa forma, tudo depende de tudo. Portanto, se estamos a dar conta dos recursos do petróleo, estamos obviamente a impor a seca em alguns lugares, estamos naturalmente a emitir CO2 de uma forma descontrolada. Esta ideia de equilíbrio é muito importante, mas ela não pode existir sem esse princípio da consciência. Aquilo que o espetáculo também propõe é o retrato do mundo; é fazer uma viagem para percebermos quais são os problemas que se vivem nos dias de hoje, de que forma eles estão ligados e de que modo, em última análise, a ação individual de cada um pode causar algum impacto.
Em paralelo a esta peça, criaram ainda Isto não é uma brincadeira, uma série de oito ‘mini-episódios’ que é um convite para crescer em ativismo enquanto se decresce em consumismo. O que se pode ver ali?
A ideia é, precisamente, através de vídeos de três minutos, termos especialistas em determinados assuntos a falarem das cinco coisas mais importantes que é preciso saber para se estar minimamente consciente do problema em questão. Como compreender a crise climática, como se pode fazer uma compra de roupa completamente sustentável, como fazer para ir as compras e não trazer mais nada senão aquilo que nos propusemos comprar são alguns dos conteúdos que se podem encontrar nestes filmes, que mais não são que convites ágeis e ativos para pensarmos e agirmos em relação ao tema.
Já se percebeu que o teatro é um veículo eficaz na transmissão de mensagens, especialmente quando se trata dos mais novos. Que outros temas urgentes e inquietantes pensam abordar num futuro próximo?
Neste momento estamos muito concentrados nesta questão, pois parece-nos ser absolutamente essencial e urgente, pensando no futuro e no tempo que nos resta a todos, enquanto humanidade. É um tema sobre o qual queremos muito refletir nas suas múltiplas dimensões. No entanto, interessa-nos sempre abordar outras questões, como o feminismo e o racismo, por exemplo. Em breve teremos também um espetáculo onde será abordado o tema da Educação e que proporá uma reflexão sobre o que é educar e como é que se educa.