teatro
Corações feridos nas montanhas da Escócia
"Lua Amarela", de David Greig, no Teatro da Politécnica
O homicídio acidental do padrasto leva Lee a abandonar Glasgow e a partir para as montanhas, em busca do pai. Ao seu lado, está Leila, uma jovem muçulmana fascinada pelo mundo das celebridades. Os Artistas Unidos regressam ao teatro do escocês David Greig com Lua Amarela, um trepidante drama juvenil dirigido por Pedro Carraca, em cena até 18 de dezembro, no Teatro da Politécnica.
David Greig, profícuo autor escocês, está longe de ser um nome estranho aos Artistas Unidos que o acompanham atentamente desde o início do século. Para a generalidade dos espectadores, Greig é recordado por ser autor de um dos grandes sucessos da companhia dirigida por Jorge Silva Melo: Cantigas de uma noite de verão, peça encenada por Franzisca Aarflot em 2010, no Teatro da Trindade, precisamente com Pedro Carraca no papel do protagonista masculino.
Agora, Carraca passa para o papel de encenador e leva à cena uma peça de 2006 que há muito o seduzia, mas que uma impressão errada foi tendendo a adiar. “Quando nos Livrinhos de Teatro publicámos o texto das Cantigas, e lhe associámos outras peças do David Greig, estava lá este Lua Amarela mas, na altura, o Jorge [Silva Melo] e eu ficámos com a sensação de que era uma peça muito juvenil. Um engano.”
Embora os protagonistas da peça sejam dois jovens adolescentes em fuga, Greig não se limita a construir uma viagem iniciática de procura do amor e do mundo. Antes, o autor conta uma história de juventude perdida por circunstâncias sociais e emocionais que se relacionam com a vida nos subúrbios, a desintegração familiar e a falta de perspetivas de futuro. Ou, citando o encenador, Lua Amarela “é uma espécie de Bonnie e Clyde moderno, mas um Bonnie e Clyde não por opção, mas por consequência.”
Lee, ou Macho Lee como prefere que o tratem, é um jovem problemático, referenciado pela segurança social e pela polícia, que vive com a mãe e o padrasto. Leila, ou Silenciosa Leila como é conhecida na escola, é uma boa aluna, de origem muçulmana, que esconde um segredo: às sextas a noite, dirige-se a uma loja de conveniência para ler revistas sobre celebridades enquanto se automutila.
Será numa dessas noites que o caminho dos dois se cruza, e perante o homicídio acidental do padrasto, Lee arrasta voluntariamente Leila da cidade para as highlands, onde procura reencontrar o pai que, por razão idêntica, também um dia fugiu, virando costas à cidade. O papel de Leila na vida do rapaz acaba por ir, como sublinha Carraca, “para além do amor que ambos descobrem”. Leila, com os seus silêncios, dores secretas e uma misteriosa delicadeza, faz com que ele se aperceba “de que, realmente, pode tomar a vida nas suas mãos”, não tendo de seguir um destino que à partida parecia traçado – o de replicar a vida do pai.
Com particular engenho, Greig constrói a road trip destes dois corações feridos usando como dispositivo a narração, recurso que tantas vezes é uma espécie de batota, ou um modo de atalhar as dificuldades do drama. Mas, em Lua Amarela, é esse uso que imprime uma tocante carga dramática ao texto, e que levou, por alturas da estreia americana da peça, o crítico Charles Isherwood, do New York Times, a falar numa “corrida impetuosa, quase incessantemente sussurrada nos nossos ouvidos.”
Lua Amarela, ou A Balada de Leila e Lee, conta, para além dos jovens atores Gonçalo Norton e Rita Rocha Silva nos papéis principais, com interpretações de Inês Pereira e de Paulo Pinto, que regressa em grande forma, mais de uma década depois, ao trabalho com os Artistas Unidos.