teatro
Playing Mr. Coward
"O Amor é tão simples" no Teatro da Trindade
Nesta comédia do dramaturgo britânico Noël Coward, Diogo Infante interpreta o popular ator Guilherme de Andrade, um sedutor incorrigível que lidera um bem-sucedido negócio teatral. Em véspera de partir numa digressão por África, Guilherme debate-se com o caos da sua vida sentimental e com a melancólica perceção de que está a envelhecer. O Amor é tão simples está em cena no Teatro da Trindade.
Há uns anos, numa ida ao Old Vick, em Londres, Diogo Infante assistiu a uma remontagem de Present Laughter de Noël Coward, e da boca do filho ouviu “tu devias fazer isto”, longe ainda de ter percebido os paralelismos que havia de encontrar no protagonista. O certo é que, aquela que é considerada a peça mais autobiográfica de Coward, está agora em cena no Teatro da Trindade, encenada e protagonizada por Infante, e com o irónico título O Amor é tão simples.
Adaptada à Lisboa dos anos 40 do século passado, “onde até existiam alguns fenómenos semelhantes no teatro da época”, a peça acompanha os caóticos dias que antecedem a partida do popularíssimo ator Guilherme de Andrade numa digressão por África. Para além de ter de lidar com as idiossincrasias da sua habitual “comitiva”, ou seja, a secretária, a ex-mulher, o agente, o produtor, o mordomo e a governanta da casa, Guilherme confronta-se ainda com uma jovem aspirante a atriz que se diz perdidamente apaixonada, um dramaturgo em início de carreira obcecado por estar na presença do ator, e a mulher do agente e melhor amigo, que está “fatalmente” determinada em seduzi-lo.
Perante uma sucessão de acontecimentos inusitados provocados por todas estas personagens, Guilherme começa ainda a debater-se com a marca incessante do tempo, pronunciada naquilo que é já uma crise de meia-idade instalada.
Quando Coward escreveu esta peça em 1938, perto de completar 40 anos (a estreia aconteceu uns anos depois, em 1942, dado o encerramento dos teatro londrinos devido à guerra), procurava para si mesmo “criar um papel de bravura onde se projetasse nas suas contradições, gostos e egocentrismo”, observa Diogo Infante. “E, como sempre, fê-lo com o seu humor inteligente e sofisticado, e um notável sentido crítico.”
Ao entregar-se ao texto e à personagem, Infante deu por si a descortinar pontos de contacto com a personagem de Coward. “Foi aí que me apeteceu brincar comigo mesmo, nomeadamente com a idade, agora que entrei numa fase da vida em que a imagem que me é devolvida começa a ser dura, uma sombra do que foi. Poder falar disso em palco acaba por ser bastante catártico”, assume.
Outra característica onde o ator e encenador encontrou semelhanças foi no poder e responsabilidade que Guilherme tem sobre a vida de outros. “Na peça, todas aquelas pessoas dependem dele, uma vez que é ele a estrela e quem lidera a companhia teatral. Enquanto diretor do Teatro da Trindade, ou até mesmo enquanto encenador, também eu determino o destino de algumas pessoas”. Se a isso juntarmos a popularidade que Diogo Infante tem como ator, as semelhanças com Guilherme de Andrade tornam-se ainda mais evidentes.
Embora O Amor é tão simples seja uma comédia onde a graça e a sofisticação convivem com aquela elegância tão britânica que só o autor de Private Lives e Design for Living conseguia imprimir aos seus textos, a peça está impregnada de uma densa melancolia. “Na verdade”, sublinha Infante, “o amor é tudo menos simples e aquilo que o personagem oculta, sendo tão amado e estando constantemente rodeado de gente, é a mais profunda solidão”. Coward fá-lo com a mestria dos grandes dramaturgos, plantando “dicas sobre esse segredo muito bem guardado, mas que toda a gente conhecia: ser homossexual numa época em que era crime.”
A isto, a peça proporciona ainda uma reflexão sobre o próprio teatro. Naquele tempo, Coward começava a ser catalogado pela crítica como um autor leve e frívolo, tido como uma estrela daquilo que poderia ser denominado de teatro comercial. Nesta peça, o popular autor de alta comédia respondia já a isso com “uma contracrítica”, lançando algum veneno sobre os detratores.
Diogo Infante recusa “polémicas sobre o que é ou não é teatro comercial” uma vez que, a seu ver, “importante é saber se um espetáculo é bom ou é mau”. E, se a seguir ao enorme sucesso do musical Chicago, que encenou, regressa com este Coward, naturalmente o ator, encenador e diretor do Trindade assume a sua “convicção de estar a fazer um teatro mais transversal e abrangente, mas com qualidade.”
Para além de Diogo Infante, O Amor é tão simples conta com interpretações de Gabriela Barros, Patrícia Tavares, Miguel Raposo, Ana Brito e Cunha, Rita Salema, Cristóvão Campos, Flávio Gil, Ana Cloe e António Melo. O espetáculo está em cena na Sala Carmen Dolores, de quarta a sábado, às 21 horas, e aos domingos às 16h30.