teatro
A sofisticada arte do entretenimento
O incomparável Noël Coward em destaque
O que têm em comum o mais recente espetáculo de Diogo Infante e aquela que é, para nossa tristeza, a última encenação de Jorge Silva Melo? São ambos peças assinadas pelo mesmo autor: Sir Noël Coward (1889-1973). O Amor é tão simples, em cena no Teatro da Trindade, e Vida de Artistas, com estreia agendada para dia 23 no Teatro São Luiz, colocam o sofisticado e genial dramaturgo britânico no centro das atenções.
Antes da cortina se fechar sobre o século XIX, numa pequena cidade dos arredores da grande Londres, a filha de um militar da Royal Navy, casada com um vendedor de pianos, dava à luz o segundo filho, Noël Peirce Coward. Consta que, desde cedo, o jovem Noël revelava uma apetência irresistível para o espetáculo e, em 1911, com apenas 11 anos, estreia-se profissionalmente como ator.
A sua ascensão na cena teatral inglesa (bem como entre a elite social) é meteórica, e o talentosíssimo e polimático jovem torna-se o principal embaixador daquilo que os ingleses denominam de cool Britannia, tão presente em dezenas de peças onde Coward, no seu estilo inimitável, concilia graça e sofisticação, elegância e ousadia de costumes, crítica acutilante e uma boa dose de cinismo, em particular relativamente ao amor e ao casamento.
Para além de ser um dos mais profícuos e representados dramaturgos britânicos da primeira metade do século passado, the Master, como era apelidado, escreveu contos, um romance e a autobiografia; foi ator, argumentista, realizador de cinema e pintor; cantor, compositor, letrista de mais de duas centenas de canções. E, até atuou em Vegas, algo que para gaudio dos admiradores está imortalizado num delicioso álbum ao vivo, gravado em 1955: Noël Coward at Las Vegas.
Por falar em canções, e como se escuta na letra de If Love Were All, Coward considerava-se, modestamente, como “just a talent to amuse” [“apenas um talento para entreter”], algo que, passado o período de maior fulgor da sua carreira, levou uma nova geração de artistas e críticos a menoriza-lo, precisamente por considerar a sua obra fantasista, leve e frívola.
Em 1976, três anos após a sua morte na Jamaica (onde, dizem as más línguas, se “autoexilou” por razões pouco nobres como são as fiscais), Harold Pinter dirige, no National Theatre, Blith Spirit. O enorme sucesso dessa produção que, aliás, se tornou célebre, colocou a obra de Coward ao nível de outros grandes autores britânicos, tanto que, para além do cinema que frequentemente as visita, as peças do autor continuam recorrentemente a encher as salas do West End londrino.
O que é que, quase um século depois do seu período dourado, o teatro de Coward tem? Philip Hoare, um dos seus biógrafos, diria que “apesar de todo o brilhantismo cómico, pode ter sido um dos maiores trágicos da sua época”, e terá, provavelmente, toda a razão. Talvez por isso, como Jorge Silva Melo disse: “a épica leveza de Coward não deve confundir-se com ligeireza”, até porque “a sua frivolidade é inquietante”. E isso ainda nos faz pensar, hoje? Certamente… e diverte-nos.