teatro
Peça para um romance quase impossível
Teatro Meia Volta adapta ‘As Ondas’ de Virginia Woolf
Depois de Joyeux Anniversaire, espetáculo que assinalou 15 anos de atividade do Teatro Meia Volta e Depois à Esquerda Quando Eu Disser, o coletivo prossegue a reflexão sobre a passagem do tempo nas vidas humanas através da adaptação para palco de As Ondas, de Virginia Woolf. Um desafio de alto risco, ou não se tratasse de um dos romances mais radicais e experimentais da autora britânica e da literatura europeia do século XX.
Três mulheres, três homens; ou seis personagens à procura do seu lugar no mundo. E ainda uma sétima, absolutamente central, mas silenciosa na sucessão alternada de solilóquios que compõem grande parte de As Ondas. O mais experimental texto de Virginia Woolf, que Marguerite Yourcenar, no sempre citado prefácio que fez à tradução para francês, considerou um romance que, pela sua técnica, se encontra mais próximo da música erudita do que da literatura em si, regressa ao palco numa criação conjunta do Teatro Meia Volta Depois À Esquerda Quando Eu Disser.
Falamos de regresso porque, embora o romance de Woolf seja quase impossível de encontrar “eco” noutro meio que não o do livro, as artes performativas têm-se sentido profundamente atraídas para as existências de Susan, Bernard, Jinny, Rhoda, Neville e Louis (e de Pervival, a sétima personagem). Só em Portugal, podemos apontar duas incursões particularmente felizes: a de Clara Andermatt e João Garcia Miguel, em 2004; e a de Sara Carinhas, em 2013.
Procurando estar sempre muito próxima do romance, a peça que o Teatro Meia Volta agora apresenta no Teatro da Politécnica resulta de um longo processo de leituras e reflexão à volta da obra de Woolf. “Interessava-nos continuar a olhar para esta coisa do arco do tempo nas vidas humanas, para o crescimento e o envelhecimento, prosseguindo com uma temática a que já nos havíamos dedicado no anterior espetáculo, Joyeux Anniversaire, que assinalou os 15 anos do Teatro Meia Volta”, explica Anabela Almeida.
Mas As Ondas é um desejo antigo do ator Alfredo Martins, que o propôs ao grupo, precisamente, após o anterior espetáculo. “Foi sempre um livro que me acompanhou em várias fases da vida, desde a primeira vez que o li, com cerca de 20 anos. Lembro que voltei a ele pelos 30 e, agora com 40, era tempo de o trazer para cena”.
Na sua torrente “musical” de palavras, As Ondas acompanha o período luminoso da infância, aponta algumas reflexões sobre a juventude e a importância da amizade e da camaradagem, naquilo que Yourcenar comparava à “allegri nas sinfonias de Mozart” e que vêm a abrir espaço para “os lentos andantes dos imensos solilóquios sobre a experiência, a solidão e a maturidade” das suas personagens.
Apropriando-se desta imagem musical, o grande desafio de levar o romance para o palco sem o desvirtuar foi, como confessam os atores/autores do espetáculo, “cortar texto”. “Chegámos a fazer uma leitura integral da obra que demorou umas nove horas”, lembram.
Era, portanto, “necessário abandonar algumas coisas, alguns aspetos que, embora relevantes, tinham que ser retirados para construir o espetáculo”. Porém, “o essencial era conseguir fazer aquelas seis personagens ecoar nos atores em cena, de modo a chegar ao espectador”, numa experiência teatral que não pretende ter paralelismo ao livro e ao modo como “o leitor o leva para a sua esfera pessoal”. Embora, e como relevam, mais importante do que construir personagens dramáticas, As Ondas do Teatro Meia Volta procure ser um espetáculo comprometido com a poética da obra em que se inspira e a importância de continuar a refletir sobre a passagem do tempo. Sempre assumindo os riscos inerentes a fazer de um romance quase impossível uma peça de teatro.
Para além dos citados Alfredo Martins e Anabela Almeida, As Ondas é cocriado e interpretado por Sara Duarte, Tânia Alves, Duarte Guimarães e Luís Godinho. Em cena, de 8 a 25 de junho.x