efeméride
O Parque Mayer faz 100 anos
Celebração inclui concertos, exposições, tertúlias, cinema e itinerários
Durante o mês de julho, a Câmara Municipal de Lisboa e a Junta de Freguesia de Santo António, em coorganização com o Museu Nacional do Teatro e da Dança, apresentam uma programação comemorativa do centenário do Parque Mayer. Uma oportunidade para conhecer e revisitar um dos mais emblemáticos locais da Lisboa do século XX, símbolo inigualável de boémia, de entretenimento e, claro, de um género teatral marcante: a Revista à portuguesa.
Eram os loucos anos 20. A Europa deixava para trás a guerra e a pandemia de gripe espanhola, entregando-se a um período de euforia. Na Lisboa da Primeira República, e embora tratando-se de uma capital periférica, a vida artística e cultural começava a fervilhar com as modas chegadas das grandes cidades como Paris, Londres e Nova Iorque. Mas se Lisboa também ansiava por dançar o charleston e o foxtrot, o gosto popular continuava seduzido por carrosséis e figuras de cera, barracas de pim pam pum e tiro ao alvo, tascas, exibições de animais amestrados e “aberrações” de feira, animatógrafos e saltimbancos.
Foi para procurar recriar o ambiente das tradicionais feiras populares que pululavam pela cidade desde o século XIX, juntando-o ao sopro de sofisticação dos tempos, que, nas traseiras do Palácio Lima Mayer (atual Consulado de Espanha em Lisboa), mais concretamente no seu jardim, a chamada Sociedade Avenida Parque, liderada pelo empresário teatral Luís Galhardo, inaugurava, a 15 de junho de 1922, o Avenida Parque, ou feira do Parque Mayer.
Sobre a novidade, lia-se no Diário de Notícias: “Quando ontem entrámos na feira, lembraram-nos imediatamente alguns detalhes pitorescos das antigas feiras do Campo Grande e das Amoreiras, dos nossos melhores bons tempos. E lembrou-nos isso no meio daquele ruído moderno e caprichoso, num recinto onde as barracas têm todas, pelo menos, limpeza, algumas bom-gosto e muitas, se não a totalidade, um ar de sedução irresistível.”
O triunfo do teatro de Revista
Consta que nas antigas feiras de Lisboa, o mais apreciado dos divertimentos era mesmo o teatro-barraca, sendo que Luiz Francisco Rebello, na História do Teatro de Revista em Portugal sublinha que “nos derradeiros anos da Monarquia e primeiros anos da República, os teatros de feira foram importantes alfobres de autores e atores de revista”
Não surpreende, portanto, que, no dia 1 de julho de há 100 anos, o Parque Mayer visse abrir portas o primeiro dos seus teatros, o Teatro Maria Vitória, com a revista Lua Nova.
Curiosamente, o primeiro dos teatros a inaugurar foi aquele que, no Parque Mayer, quase ininterruptamente se manteve em funcionamento ao longo destes 100 anos, mesmo tendo sido assolado, em 1986, por um violento incêndio. Atualmente, e por iniciativa de Hélder Freire Costa, o Maria Vitória permanece mesmo como o último baluarte do teatro de revista em Lisboa, estreando, ano após ano, um novo espetáculo.
Sendo mais ou menos sofisticado, a preferência do grande público de Lisboa, naquela primeira metade do século passado, ia diretamente para o teatro musicado. Por juntar à música, a pertinência do humor na crítica social, a Revista à portuguesa era cada vez mais um género teatral generalizado nos teatros lisboetas, tornando-se numa espécie de berço de grandes atores e atrizes, que mais tarde se impunham como importantes nomes no cinema português.
A 8 de julho de 1926, no Parque Mayer abria portas um novo teatro, o Variedades, com a estreia do espetáculo de Revista Pó de Arroz. A par das barracas de tirinhos e dos comes e bebes, do fado e das danças da moda, o Parque Mayer era cada vez mais o local de excelência da diversão e boémia na cidade de Lisboa.
A seguir, e sempre sob a égide do teatro de revista, um género que de tão acarinhado pelo Estado Novo se tornou numa escola de oposição e resistência à censura política e de costumes, abriram o Teatro Capitólio (construído em 1931 e reabilitado e reaberto em 2016) e o Teatro ABC (fundado em 1956, onde outrora funcionara o Pavilhão Portuguez, demolido nos anos 90 e transformado num parque de estacionamento).
Neste século de Parque Mayer, a exposição Parque Mayer 100 Anos – O Esplendor da Revista, patente na Praça dos Restauradores, evoca os antecedentes históricos e as mutações que aquele pedaço de cidade, entre a Avenida da Liberdade e o Jardim Botânico, sofreram ao longo de décadas, sempre com os olhos postos nos teatros, na Revista à portuguesa que ali se renovou e reinventou à procura de sobreviver à passagem do tempo e às mudanças sociais e políticas pelas quais o país passou, da Primeira República à Democracia, passando pelos longos anos da ditadura.
No extenso programa comemorativo, destacam-se ainda uma série de tertúlias com artistas, trabalhadores, espectadores e conhecedores das vivências do local; dois itinerários (um sobre a história do Parque Mayer e outro sobre os anos de ouro do cinema português); sessões de cinema; momentos de fado e de jazz; e até um combate de boxe entre os atletas Miguel Amaral e Ricardo Costa. Entretanto, aos sábados, o Cineteatro Capitólio vai ser palco de concertos de Sara Correia, Black Mamba com Adelaide Ferreira, Pedro Moutinho e Real Combo Lisbonense.