teatro
Para concretizar o que a pandemia adiou
Quase meia centena de criadores na Temporada 2022/23 do São Luiz
Depois de duas temporadas perturbadas pela pandemia, são múltiplos os projetos artísticos que vão, por fim, subir aos palcos do Teatro Municipal São Luiz nos próximos meses. Numa temporada marcada pela forte presença de criadoras femininas, destacam-se muitos regressos, como os de Beatriz Batarda, Olga Roriz, Ricardo Neves-Neves e Miguel Loureiro, e notáveis presenças internacionais, como as de Christiane Jatahy, Pippo Delbono e Katie Mitchell.
Foi em jeito de balanço de oito anos em funções que Aida Tavares iniciou a apresentação da extensa, e muito rica e diversificada, temporada artística do São Luiz Teatro Municipal para os próximos meses. Como a própria considerou, esta é “uma temporada ansiada”, já que muitos dos espetáculos agora anunciados “estavam já em agenda há algum tempo, mas foram sendo adiados por culpa da pandemia.”
Quando o São Luiz reabrir em setembro, após as férias de verão, as atenções centram-se no regresso ao teatro municipal da dramaturga, encenadora e realizadora brasileira Christiane Jatahy. Revelada em Portugal, no início do século, no Festival de Almada, Jatahy tem sido presença constante no circuito teatral europeu, destacando-se o estatuto que Lisboa lhe atribuiu, em 2018, como Artista na Cidade. Notabilizada pelas suas versões dos clássicos de Strindberg (Júlia, a partir de Menina Júlia) e de Tchekhov (E se elas fossem para Moscou, a partir de As Três Irmãs), Jatahy destaca-se no modo particularmente inventivo, e até radical e subversivo, como conjuga as linguagens do teatro e do cinema.
A criadora carioca, recentemente distinguida em Veneza com o Leão de Ouro, apresenta O Agora Que Demora: Nossa Odisseia II, sucessor de Ítaca (2018), espetáculo estreado, precisamente, no teatro lisboeta, e que dá sequência ao olhar muito particular da criadora sobre A Odisseia de Homero. Este fechar do díptico é essencialmente “um filme que atinge toda a sua dimensão quando dialoga com o teatro”, proporcionando ao espectador uma inquietante viagem entre a Palestina e a Amazónia, passando por campos de refugiados no Líbano e na Grécia.
A propósito de inquietantes e criativas formas de diálogo entre teatro e cinema, a 6 e 7 de abril do próximo ano, o São Luiz apresenta, pela primeira vez, uma criação da notabilíssima Katie Mitchell. Numa coprodução com a Schaubühne de Berlim, o trepidante clássico de Virginia Woolf, Orlando, é traduzido para uma versão “live cinema” onde está plasmado todo o virtuosismo de Mitchell no domínio técnico e na cena, naquele que será, muito provavelmente, um dos momentos mais esperados da temporada teatral em Lisboa.
Ainda no plano internacional, outro regresso à capital: Pippo Delbonno. O criador italiano foi desafiado pelo Teatro São Luiz a criar um espetáculo sobre a cidade do Tejo, explorando simultaneamente a sua ligação com África, especialmente Cabo Verde e Angola. O resultado é “uma viagem musical e lírica” que enaltece “a especial ligação sentimental” do autor a Lisboa. Entre o elenco luso-italiano, Amore (8 a 12 de novembro) conta com as participações de Aline Frazão e Pedro Jóia.
“O enorme orgulho por atingirmos
a paridade entre criadores homens e mulheres”
Foi uma das prioridades da atual direção artística procurar dar, ao longo dos anos, um crescente protagonismo a criadoras femininas. Como lembrou, na cerimónia de apresentação da Temporada 2022/23, a ainda presidente da empresa municipal EGEAC, Joana Gomes Cardoso, “Aida Tavares procurou fazê-lo bem antes desta questão parecer prioritária, como é hoje”. Não será portanto nada surpreendente que a diretor artística anuncie “o enorme orgulho” em atingir nesta temporada “a paridade entre criadores homens e mulheres.”
E as protagonistas femininas são muitas, destacando-se Beatriz Batarda, que revisita uma comédia musical que dirigiu na principal sala do teatro, em 2011, com textos de Karl Valentin. Volvida mais de uma década, a encenadora apresenta, com o mesmo elenco (Bruno Nogueira e Luísa Cruz, a quem se junta agora Rita Cabaço), Outra Bizarra Salada (fevereiro de 2023), espetáculo que assim se chama “porque se os tempos mudaram, também artistas e intérpretes cozinham com novos ingredientes e temperos”. Batarda voltará ao Teatro São Luiz, em abril, com mais um espetáculo (C., Celeste e a Primeira Virtude) e uma vídeo-instalação (Corpos Celestes).
Outras criadoras em destaque são Cátia Terrinca, que apresenta dois projetos destinados aos mais jovens – Mil e Uma Noites e Invencível Armada; Sara Carinhas, de volta ao teatro onde se estreou como criadora e atriz em Última Memória; Cucha Carvalheiro, com a estreia do original de sua autoria Fonte da Raiva, que a própria protagoniza ao lado de um elenco de luxo, onde pontuam Filomena Cautela, Manuela Couto ou Sandra Faleiro; Olga Roriz, que coreografa uma peça emblemática do dramaturgo alemão Peter Handke, A hora em que não sabíamos nada uns dos outros; e Rita Lello em Isadora, Fala!, um solo dedicado à bailarina norte-americana, precursora da dança moderna, Isadora Duncan.
Outros sublinhados da temporada são o regresso da ópera à sala principal do São Luiz, com I was looking at the ceiling and then I saw the sky de John Adams, numa encenação de Miguel Loureiro e Miguel Pereira, com direção musical de Martim Sousa Tavares; e, mesmo a fechar a temporada, um novo espetáculo de Ricardo Neves-Neves e Filipe Raposo, apetitosamente intitulado O Livro de Pantagruel. Por sinal, uma das mais aplaudidas criações da dupla – A Reconquista de Olivenza – regressa a palco já neste próximo mês de outubro.
A programação integral pode ser consultada no site do São Luiz Teatro Municipal.