teatro
Caminho sombrio de volta ao passado
"Estrada de Terra" no Teatro São Luiz
Como uma chamada telefónica pode alterar tudo e trazer de volta ao presente todo um passado. Esta é a premissa de Estrada de Terra, espetáculo dos portuenses A Turma, de passagem por Lisboa, pelo Teatro São Luiz, de 21 de setembro a 2 de outubro. O texto original e a encenação são de Tiago Correia, e os papéis principais pertencem a Pedro Lamares e Inês Curado.
Há uns anos, já com uma carreira consolidada no teatro, Tiago Correia decidiu voltar à escola onde se formou, para fazer uma pós-gradução. Neste regresso, o premiado autor (venceu por duas vezes o Grande Prémio de Teatro Português SPA/Teatro Aberto), cofundador da companhia A Turma, sentiu “a nostalgia dos tempos em que se imagina um futuro e se projetam utopias”. E, a esse sentimento, juntou a lembrança de tantas pessoas a quem “a vida definiu outros caminhos”, e acabou por separar.
Esse confronto entre o passado e o presente contaminou Tiago Correia e acabou por dar origem a Estrada de Terra, um texto que, embora tenha tido este ponto de partida, é assumido como “completamente ficcional, embora haja muita coisa que vem de vivências e experiências pessoais, muitas delas incríveis, outras menos boas, que vivi quando descobri o teatro e o meu caminho se cruzou com pessoas novas”, explicita o encenador.
Na peça, é no isolamento de uma casa de campo que encontramos Luís. Este homem, que andará pelos 30 ou 40 anos, terá tido uma noite um tanto ao quanto excessiva, a julgar pelas garrafas de cerveja amontoadas sob uma pequena mesa de cozinha e as roupas espalhadas pela sala.
De súbito, o telefone toca e, pouco depois, percebe-se que é Marco, um velho amigo que não dá notícias há dez anos. Despertado do torpor do sono ou da ressaca, oscilando violentamente entre a compreensão e a ira, Luís enceta uma longa conversa com o amigo que, ao que tudo indica, está a viver uma situação limite e apela urgentemente por ajuda.
Surge então Leonor, a mulher que terá passado a noite com Luís e que, no decorrer da conversa telefónica, se percebe ter tido no passado uma ligação amorosa, mas traumática, com Marco. Aquela chamada abre, então, um caminho sombrio de regresso ao passado, e a paz que Luís procurava naquele local encontra-se irremediavelmente comprometida.
O dispositivo dramático de Estrada de Terra assenta na descoberta sobre quem é o personagem que está do outro lado da linha em conversa com Luís. Ele é o mistério, mas também a revelação de todas as outras, embora, como explica o autor, tenha sido “através dos comportamentos, tantas vezes contraditórios”, das personagens em cena, que o próprio foi “descobrindo Marco.”
No fundo, os três protagonistas, mesmo aquele que nunca chega a estar fisicamente em cena, são o espelho de um velho grupo de amigos cujos caminhos tomados se desencontraram para, num determinado ponto, se reencontrarem. Estrada de Terra torna-se assim menos um olhar geracional e mais uma história sobre como as pontas soltas do passado, independentemente da idade ou do tempo, podem ensombrar o presente.
Protagonizado por Pedro Lamares (que regressa ao teatro, entre a presença regular na televisão e a criação de espetáculos em torno da literatura e da música), e Inês Curado (naquele que é o segundo trabalho que desenvolve com A Turma, a juntar a Turismo, o último original de Tiago Correia), Estrada de Terra conta ainda com interpretações de André Júlio Teixeira e Sofia Vilariço.
Como curiosidade, esta é a estreia em palcos de Lisboa da companhia fundada em 2008 por Tiago Correia e António Parra. A Turma é sediada na cidade do Porto.