entrevista
Tó Trips
"Quando se vive da música não se pode parar, tem de se estar sempre a pensar mais à frente"
Tó Trips é um veterano da guitarra. Durante quase 20 anos, foi metade dos Dead Combo, que dividiu com Pedro Gonçalves. Recentemente, abraçou um novo projeto, os Club Makumba. Ao longo da carreira, foi também desenvolvendo uma abordagem original à guitarra solo, tendo lançado os discos Guitarra 66 (2009) e Guitarra Makaka (2015). Popular Jaguar é o seu mais recente trabalho, que apresenta dia 17 na Culturgest, na companhia da violoncelista Helena Espvall e do contrabaixista António Quintino.
Como é que a guitarra surgiu na tua vida?
Havia uma guitarra lá em casa da minha mãe e que ela tocava. Foi coisa de que sempre gostei, ver pessoal a tocar guitarra.
Nunca tiveste vontade de aprender outro instrumento?
Até gostava de tocar bateria, mas nunca investi muito nisso…
Ao longo da tua carreira estiveste em várias bandas e fizeste várias colaborações. O que é que te motiva a fazer música com outros?
Aprende-se bastante a trabalhar com outras pessoas. Saber estar numa banda implica saber estar na vida, respeitar e ouvir os outros, aprender com eles. Isso para mim é uma referência. Saber estar numa banda é uma coisa muito importante. Aliás, fui parar à música por causa de ver outros a tocar.
Isso quer dizer que preferes trabalhar em banda do que sozinho?
Gosto de trabalhar sozinho, não gosto é de andar na estrada sozinho. Prefiro estar com outras pessoas.
Então, presumo que a pandemia tenha sido muito dura para ti…
A primeira fase não. A segunda fez-me questionar muita coisa, foi um bocado por isso que surgiu esta ideia de olhar para trás e pensar um bocado naquilo que ando cá a fazer. Daí este disco e o livro também.
Gostas muito de viajar. As viagens são uma fonte de inspiração?
Sem dúvida. Acho que quem viaja mais sabe mais. Sempre achei isso. Sabe mais no sentido de ser mais tolerante, de conhecer outras formas de estar a nível cultural e maneiras de viver diferentes. Acho que isto é uma coisa importante: ter mundo, saber desenrascar-se quando não se sabe falar a língua. E, perceber que há mais para além deste formato ocidental que nos querem impingir. Há outras maneiras de estar que devemos respeitar. Não quer dizer que concorde com tudo, mas tenho de respeitar.
Estudaste design gráfico. Serias capaz de deixar a música e dedicar-te apenas a isso?
Já vivi mais dessa área. Passei a minha vida a olhar para imagens e a tentar encontrar soluções para capas de discos e posters e cansei-me um bocado… Eu e o Rui Garrido devemos ser as pessoas que fizeram mais capas neste país. Gosto, mas cansei-me um bocado disso, embora continue a fazer alguns trabalhos. Ainda agora fiz umas coisas para os Xutos e Pontapés e também para malta do jazz. E posters para filmes… É mais uma coisa que faço.
Também concebes os teus próprios projetos gráficos?
Sim.
E és mais exigente com os teus trabalhos ou com os dos outros?
Tento ser sempre exigente. Na década de 90 trabalhei em publicidade e, como sou músico, sempre que faço uma capa para alguém acho que tem de ser a cara da pessoa. A pessoa tem de ficar contente com o trabalho. Tento fazer o melhor esperando que o resultado agrade.
Estás atento às novas gerações de guitarristas que vão aparecendo? Alguém que gostes em particular?
Sim, há várias pessoas bastante diferentes de que gosto muito, como por exemplo o guitarrista dos 10 000 Russos, ou o dos Olho de Peixe, que também é muito bom. Uma coisa que tento fazer é ouvir todo o tipo de pessoas. Se gosto deste instrumento, se vivo com ele, acho interessante ouvir todo o tipo de pessoas a tocar, do mais experimental ao mais convencional. O que não falta em Portugal é dar um pontapé numa pedra e sair de lá alguém que toca melhor que eu [risos]…
Popular Jaguar é um regresso aos discos a solo. Sentiste que estava na altura certa?
Quando se vive da música não se pode parar, tem de se estar sempre a pensar mais à frente. Os Dead Combo chegaram ao fim, o Pedro foi-se embora, veio a pandemia e comecei a pensar que estava na altura de um recomeço, de uma nova etapa.
Que histórias conta este disco?
É um disco autobiográfico. Tudo isto me fez olhar para trás, que é algo que normalmente não faço. Olho sempre para a frente, não para trás. O tempo não espera por nós. Claro que vivi coisas muito porreiras noutras idades, mas se voltasse lá, se calhar, não ia achar tanta piada. É aquela velha história de teres a memória de um sítio e quando lá voltas passados vários anos, ficas desiludido.
Para além do disco, vais lançar Ínfimas Coisas, um livro com fotografias, memórias e textos teus. Como surgiu esta ideia?
Na verdade, surgiu tudo ao mesmo tempo. Foi quase como um arrumar da casa. Tenho tantas fotografias, fiz tantas viagens… a ideia foi surgindo, até como forma de não estar parado durante a pandemia. Peguei nessas imagens e lembrei-me de histórias que se passaram na minha vida. O livro tem um vinil de sete polegadas que inclui uma composição sonora com vários sons: desde uma pessoa a tocar músicas do Elvis numa rua de Hong Kong; malta a cantar em Marraquexe; sons de igrejas; senhoras na Cidade da Praia a cantar, coisas que fui apanhando na rua. O livro em si inclui pequenas histórias, mas também tem um lado mais poético. Imagina uma foto de São Tomé com a seguinte legenda: “ficámos os três em silêncio debaixo daquela selva quente e húmida. De repente, Sami bateu palmas e milhares de morcegos invadiram aquele céu lusco-fusco por entre as folhas dos coqueiros num bater de asas estonteante. O som foi inesquecível, nunca vira ou ouvira nada assim”.
Atualmente estás a apresentar o novo disco, mas também tens atuado com os Club Makumba. É fácil conciliar as duas coisas?
Temos que ir partilhando agendas para não marcarmos concertos uns em cima dos outros. Um problema que às vezes tenho não é organizar-me na agenda, é na cabeça. Às vezes isso é um pouco inquietante [risos].