teatro
Temos de falar sobre Nicolau
"O Filho", de Florian Zeller, no Teatro Aberto
O Teatro Aberto regressa, mais uma vez, ao consagrado e aplaudido autor francês Florian Zeller com O Filho. Neste intenso drama doméstico, João Lourenço dirige Paulo Pires, Cleia Almeida, Sara Matos, Paulo Oom, Pedro Rovisco e o estreante Rui Pedro Silva, no papel de um adolescente em espiral depressiva após a separação dos pais.
Depois de O Pai, em 2016, e de A Verdade e A Mentira, ambos em 2018, esta é a quarta vez que João Lourenço e o Teatro Aberto levam a cena um texto de Florian Zeller, autor francês que, em poucos anos, se tornou um fenómeno planetário, reconhecido do grande público, precisamente, pela adaptação ao cinema das suas peças O Pai e, recentemente, deste O Filho. “Temos um particular orgulho em termos revelado Zeller em Portugal, e até de o ter tido aqui em 2016 a ver a nossa adaptação de O Pai“, lembra o encenador.
Mas, o que é que tanto interessa a João Lourenço na obra de Zeller, nomeadamente em O Filho, que ainda há um par de meses esteve nos cinemas, num filme dirigido pelo próprio, a partir de uma adaptação coassinada com o reputado Christopher Hampton? “O Teatro Aberto tem a matriz de procurar autores contemporâneos cujas obras sejam capazes de colocar problemas que afetam a nossa sociedade. Isto é determinante para desafiarmos as pessoas a refletir sobre eles e a debatê-los. Nesta peça, tal como em O Pai, que era especificamente sobre um homem com a doença de Alzheimer, o tema é a saúde mental e o impacto na vida de uma família.”
O problema da depressão na adolescência, que aqui está em enfoque, “pareceu-nos ser cada vez mais premente, sobretudo porque é uma das marcas que a pandemia deixou”, conclui Lourenço, lembrando que para compreender melhor o panorama atual da doença, o encenador e a dramaturgista Vera San Payo de Lemos consultaram a médica Nazaré Santos, do serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Santa Maria. “Levamos-lhe a peça para a discutir e, posteriormente, ela veio mesmo assistir a um ensaio, tendo ficado muito bem impressionada”. Este aval clínico leva o encenador a estar convicto que trazer ao palco este espetáculo é não só uma urgência, como é prestar “serviço público. Ou não fosse essa uma das funções do teatro.”
A peça acompanha o drama de Nicolau (Rui Pedro Silva), um adolescente que, após a separação dos pais, entra numa espiral depressiva. Primeiro, o jovem começa por faltar às aulas e por sofrer cada vez mais frequentes alterações de humor. Incapaz de lidar sozinha com o assunto, a mãe, Ana (Cleia Almeida), pede a Pedro (Paulo Pires), o pai, que esteja mais presente e que seja mais interventivo na vida do filho.
É então que Ana e Pedro acordam em permitir a Nicolau ir viver com o pai, com a madrasta (Sara Matos) e o meio-irmão recém-nascido. Embora todos procurem dedicar-lhe a maior das atenções e transmitir-lhe amor, o estado do jovem degrada-se ao ponto do pai descobrir que em causa pode estar não só a segurança de Nicolau como a de toda a família.
A situação depressiva do rapaz e, consequentemente, dos pais que se veem incapazes de lidar com o filho, da madrasta compreensiva e cooperante, mas que acaba por temer pelo seu bebé, permite aos atores um exigente trabalho de composição, muitas vezes “no limite das suas próprias emoções”. Como faz questão de frisar João Lourenço, “estes são temas que, tal como mexem com o público, mexem com os atores. Mas, estou muito feliz com a excelência e a entrega deste elenco. Só assim podemos tocar as pessoas e levá-las a refletir sobre alguma coisa que viram ou até mesmo que têm em casa.”
Com o filme provavelmente muito presente na cabeça de parte do público, o espetáculo do Teatro Aberto procura colocar a ênfase da peça não tanto no divórcio, mas sim na incomunicabilidade que terá levado ao aprofundamento da depressão do jovem adolescente. “O divórcio dos pais pode ter despoletado a situação de Nicolau, contudo aquilo que nos interessou foi refletir sobre algo muito sintomático dos nossos tempos que é a incapacidade dos pais em ouvir e a dos filhos em querer contar.”
Em cena na Sala Azul do Teatro Aberto até ao próximo mês de junho, a peça O Filho inclui uma programação complementar de debates acerca de temas relacionados com saúde mental. O primeiro, já anunciado, vai abordar a depressão e o suicídio, e acontece a 29 de abril, reunindo a escritora Dulce Maria Cardoso, a psiquiatra Nazaré Santos e o comentador Nuno Rogeiro, sob moderação do jornalista Tiago Palma.