teatro/dança
Almada passa por Belém em julho
CCB recebe a companhia Batscheva e o mais recente trabalho de Milo Rau no 40.º Festival de Almada
Como é hábito, Lisboa, e particularmente o Centro Cultural de Belém, volta a acolher, em meados de julho, o Festival de Almada. Num ano em que o fundador da Comuna, João Mota, é a figura homenageada, o maior festival internacional de artes performativas do país orgulha-se de trazer à capital duas das mais prestigiadas estruturas de criação do mundo: a Batscheva Dance Company, de Telavive, e a Schaubühne, de Berlim.
Quando há umas semanas se anunciou o regresso da companhia israelita Batscheva a Lisboa, no âmbito do Festival de Almada, o resultado foi, como é habitual por todo o mundo, uma corrida aos bilhetes. Em poucos dias, a lotação do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB) esgotou para as duas datas agendadas, mas – excelentes notícias! -, a organização do Festival anunciou, durante a apresentação à imprensa da 40.ª edição, uma sessão extra, a 14 de julho, sexta-feira, às 18h30.
Fundada em 1964, a companhia israelita teve como primeira grande figura a coreógrafa Martha Graham, responsável por colocar a Batscheva Dance Company como uma das companhias mais destacadas do mundo. Através do trabalho desenvolvido pelo mentor da linguagem de movimento Gaga e diretor artístico da companhia, Ohad Naharin, a Batscheva atingiu um estatuto absolutamente incontornável no atual panorama da dança contemporânea.
Ao Festival de Almada, Naharin traz MOMO (acrónimo de “magic of missing out”, ou seja, “magia da perda”), uma peça inspirada no álbum Landfall que Laurie Anderson gravou, em 2018, com o Kronos Quartet. Em palco, 18 bailarinos são desafiados a deixarem-se levar pelas “suas emoções, ficando habitados por elas”. O resultado é, como escreveu o The Jerusalem Post, uma criação indescritível, “e essa será porventura uma marca das obras-primas: impossíveis de descrever e, portanto, de visionamento obrigatório.”
Outro regresso à capital é o de Milo Rau e da berlinense Schaubühne com Everywoman. O conceituado e muitas vezes controverso autor e encenador suíço, mestre do teatro documental, apresenta, a 15 e 16 de julho no Pequeno Auditório do CCB, “um espetáculo muito belo”, nas palavras do diretor artístico do Festival de Almada, Rodrigo Francisco. “Embora a morte esteja presente, Everywoman é, acima de tudo, um espetáculo sobre a beleza,” sublinha.
Estreado em 2021 no Festival de Salzburgo, a peça surgiu como a resposta de Rau ao desafio anual que o festival austríaco lança a um encenador consagrado de encenar a peça “faustiana” de Hugo von Hoffmannsthal Jadermann (em português, “todos os homens”). Fiel ao seu percurso, o suíço decidiu subverter o convite e, embora inspirado pela alegoria do homem que é visitado pela morte na peça de Hoffmannsthal, decidiu cumprir o desejo de voltar a trabalhar com a atriz residente da Schaubühne Ursina Lardi (que tivemos oportunidade de ver, no ano passado, aquando da passagem pelo Festival de Almada, do Édipo de Thomas Ostermeier), considerada uma das maiores intérpretes em língua alemã da atualidade, e alterar a visão sobre o texto.
Everywoman parte assim de uma carta que a atriz recebeu, em 2020, numa altura em que os teatros fecharam devido ao confinamento resultante da pandemia. A remetente, de seu nome Helga Bedau, era uma admiradora a padecer de uma doença terminal, triste por presumir que, muito provavelmente, nunca mais poderia ir ao teatro. Além disso, a mulher revelava ter, há muitos anos, sido figurante numa produção de Romeu e Julieta, sendo seu malogrado desejo ainda conseguir voltar a pisar um palco.
No espetáculo, que Bedau já não viu estrear, a atriz Ursina Lardi contracena com a própria Helga Bedau, a mulher que em vídeo incorpora a alegoria de “todas as mulheres“. Mas, desengane-se quem pense que Rau e Lardi recorrem ao sentimentalismo ou à comoção fácil que o estado da mulher poderia suscitar como motor do espetáculo. Em Everywoman há um piano em cena e há Bach, logo, é música a pulsar vida e a levar-nos para além da inevitabilidade da morte.
Peter Stein e Declan Donnellan em Almada
A celebrar 65 anos de vida no teatro, João Mota é a figura homenageada nesta edição do Festival. Para além do regresso ao palco de uma das suas mais recentes encenações, Não Andes Nua Pela Casa de Georges Feydeau (dia 8 no Palco Grande da Escola D. António da Costa, em Almada), o ator, encenador e fundador da Comuna Teatro de Pesquisa é evocado na exposição-instalação da autoria de José Manuel Castanheira A escola do círculo repetido sem fim (no teatro de João Mota) que enfatiza a vertente de pedagogo ao longo de mais de três décadas na Escola Superior de Teatro e Cinema e na própria companhia que fundou há 51 anos.
Numa edição marcada por vários (e notáveis) regressos, incluindo o de espetáculos portugueses de grande sucesso – como Montanha-Russa de Miguel Fragata e Inês Barahona, e Aquilo que ouvíamos do Teatro do Vestido – os nomes de Peter Stein e Declan Donnellan assumem um especial protagonismo. Mestres do teatro contemporâneo, grandes diretores de obras-primas da dramaturgia universal, o regresso a Almada faz-se com Pinter e de la Barca, respetivamente.
Stein, que a imprensa italiana se arrisca a prognosticar estar a assinar a sua última encenação, apresenta O Aniversário (12 de julho). Tal como na sua última vinda ao Festival (O Regresso A Casa, em 2015), o grande encenador alemão regressa com um texto de Harold Pinter – um dos seus primeiros – e com um elenco italiano para interpretar uma das peças mais perturbadoras do autor inglês ou, como diz o diretor do Festival, “uma inquietante peça sobre a verdade onde todas as personagens estão a mentir.”
Quanto ao britânico Declan Donnellan, que marcou o público do Festival em 2014 com o seu inesquecível Ubu Roi, dirige um dos mais emblemáticos textos do siglo de oro espanhol A Vida é Sonho. Uma grande produção que junta a Cheek by Jowl de Donnellan à Compañia Nacional de Teatro Clásico, de Madrid (17 e 18 de julho, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada).
De entre a presença portuguesa, destaque para duas estreias absolutas: Calvário de Rodrigo Francisco para a Companhia de Teatro de Almada, e Ventos do Apocalipse de Noé João numa coprodução do Teatro GRIOT com os Artistas Unidos. A primeira é uma incursão do teatro dentro do teatro em torno de uma companhia que encena uma peça de Thomas Bernhard e acaba por se debater com um autêntico “calvário”. A segunda, o olhar do ator e agora encenador angolano Noé João sobre o romance homónimo da escritora moçambicana Paulina Chiziane, naquilo que o próprio define como um exercício sobre “a memória e a guerra interpretado por quatro personagens em busca da terra prometida.”
Para além dos 20 espetáculos de teatro, dança e novo circo a serem apresentados entre 4 e 18 de julho, o Festival de Almada é composto por encontros, exposições, debates e pequenos concertos ao ar livre. Os bilhetes para os espetáculos variam entre os 13 e os 35 euros, estando já disponíveis as Assinaturas, que permitem o acesso a todos os espetáculos numa das sessões programadas, com o custo de 85 euros. Todos os detalhes da programação podem ser consultados no site oficial da Companhia de Teatro de Almada.