teatro
Tensões da vida nos bastidores do teatro
"Uma Vida no Teatro", de David Mamet, no Teatro Aberto
Nos bastidores de uma sala de teatro, um ator veterano e uma estrela em ascensão estabelecem uma relação que oscila entre a competição e a camaradagem. Comédia agridoce sobre a passagem do tempo, Uma Vida no Teatro marca a estreia da atriz Cleia Almeida na encenação. Alfredo Brito e Vítor Silva Costa são os protagonistas num espetáculo com estreia marcada para 27 de março, Dia Mundial do Teatro.
Com os olhares focados no camarim, vêem-se os atores sentados e dispostos frente a frente, como se se refletissem um no outro, ao espelho. O mais velho é Robert (Alfredo Brito), um ator veterano, e o mais jovem chama-se John (Vitor Silva Costa), um talento promissor.
Ao logo da peça de David Mamet, acompanha-se uma “relação de competição e camaradagem” ao estilo professor-aluno, que sucede, literalmente, “dentro e fora de cena”. As tensões da vida e da profissão pautam as cenas curtas que compõem a peça, revelando duas personagens que parecem o negativo uma da outra, embora separadas pelo tempo. De um lado, há o jovem inebriado pelo crescente sucesso, embora absolutamente desperto para aprender; do outro, um mais velho, permanentemente obcecado pelo perfecionismo, mas cada vez mais ansioso e consciente da sua própria finitude.
Em Uma Vida no Teatro, peça datada de 1977, Mamet escreve uma carta de amor, muitas vezes sarcástica, ao teatro e à vida, onde se mostra, parafraseando um dos personagens, todo “o doce veneno do ator”. Mas, aquilo que verdadeiramente interessou a Cleia Almeida, atriz bem conhecida do teatro e do cinema português que aqui se estreia como encenadora, foi “o conflito de gerações” e, sobretudo, “a agonia do ator” que se debate com a velhice.
A atração pela peça, e pelas suas duas fascinantes personagens (que atores tão notabilizados – como Joe Mantegna, F. Murray Abraham ou Patrick Stewart, e, num telefilme de 1993 adaptado pelo próprio Mamet, Matthew Broderick e Jack Lemmon – vestiram a pele), surgiu a Cleia há mais de 20 anos.
“Vi a peça em Londres, numa altura em que os voos ainda eram baratos e nós podíamos lá ir ver teatro. Estava a ser um enorme sucesso, sempre com sala cheia. Na altura, talvez pelo ênfase nos aspetos mais cómicos, achei-a muito comercial, mas senti que havia ali uma densidade que me fez pensar na vida, na vida do ator”, conta a encenadora. “Com o passar dos anos, ao longo da minha carreira, cruzei-me com atores que se sentem envelhecer, que começam a não conseguir decorar texto e sabem que chegará o dia em que terão de deixar de representar. Isso não é cómico, nada tem de divertido.”
Como se resumisse a peça, a dado momento Robert diz ao jovem John que “no teatro como na vida, não se pode parar o tempo”. Ou, como lembra Cleia, “quando temos que desistir da profissão não é por cansaço ou por querer parar. Acontece porque o corpo já não aguenta, os ouvidos já não ouvem, a cabeça já não memoriza, e eu vou ter de me ir embora.”
Voltando à primeira imagem do espetáculo e à ideia do negativo, muito provavelmente, antes da cortina se fechar, John virá a ser o velho Robert, tal como um dia Robert terá sido o jovem John.
A partir da tradução de Maria João Vaz, Uma Vida no Teatro tem cenário de David Serrão, figurinos de Marisa Fernandes, música e som de Noiserv, desenho de luz de Diana dos Santos e vídeo de Eduardo Breda. Em cena, na Sala Vermelha do Teatro Aberto.