sugestão
Os livros de abril
Oito livros para ler e partilhar
Em abril, sugerimos vários géneros literários: romance, poesia, filosofia, ensaio, teatro, estudo e uma novela gráfica. Oito livros de qualidade para um mês dedicado à leitura, porque, como escreve José Carlos Barros no poema O Mar Trazia de Longe, incluído na antologia Taludes Instáveis: “O mar trazia de longe as anémonas/ da infância, // a literatura traz as anémonas/ de onde quisermos.”
Paulo Moreiras
Os Dias de Saturno
Da epígrafe à última palavra, este é um romance marcado pela morte (“entre as flores escondida”). Não admira, por isso, que dois dos seus protagonistas, um médico e um mestre cozinheiro, sejam secretos alquimistas em busca do elixir da longa vida. A obra começa em plena negrura: durante um eclipse do sol, nasce uma criança, logo enjeitada pelos pais. O recém-nascido é portador de um estranho sinal junto ao coração que muitos creem ser a marca do demónio, indiciando um futuro de tormento e maldição. Em Lisboa, o jovem irá cumprir o seu cruel destino entregando-se a uma radiosa, mas funesta paixão. Esta narrativa, tão solar como sombria, apresenta uma vibrante evocação da Lisboa joanina e afirma-se como verdadeira ode às “vãs delícias” da vida: o amor, a amizade, o sexo, a boa mesa, os livros ou o teatro de comédia que expõe, com as suas facécias e equívocos, “a desarmonia do mundo e o desacerto entre os homens”. O notável engenho com que Paulo Moreiras cultiva o género pícaro, a riqueza e variedade da sua linguagem, mergulham o leitor no tempo e na ação do romance, tomando-se por personagem destas aventuras cheias de reviravoltas e por habitante desta fervilhante Lisboa “em eterno movimento, misturando-se entre a maralha”. Nova edição revista, corrigida e aumentada. [Luís Almeida d’Eça] Casa das Letras
José Carlos Barros
Taludes Instáveis
Autor de 12 livros de poesia e de três romances, José Carlos Barros, natural de Boticas, é licenciado em Arquitetura Paisagista pela Universidade de Évora e vive em Vila Nova de Cacela. Taludes Instáveis, viagem ao seu universo poético, é composto por mais de 250 poemas, entre inéditos e composições retiradas dos livros de poesia do autor, publicados entre 1984 e 2023. Segundo Francisco José Viegas, que assina o prefácio, esta obra constitui “uma meditação sobre a melancolia antes do dilúvio – como se escrevesse uma música para o nosso desejo de contemplação e revisitação, o nosso desejo de ser de um tempo antigo no nosso tempo, desenhando as pegadas, espalhando armadilhas (sobre o amor, repetidamente, a relação com a família, a memoria da adolescência), segundas e terceiras intenções”. A ironia, uma constante na sua obra (escreve Francisco José Viegas ainda no prefácio: “Não há poesia sem ironia – de contrário, o verso seria sempre um momento enfadonho de epopeia e solenidade”) é evidente neste haiku intitulado Ainda a Literatura que, com outros poemas, reflete sobre o sentido da própria escrita: “O vento dos poemas/ não faz mexer/ uma folha.” [Luís Almeida d’Eça] Dom Quixote
Erasmo de Roterdão
Elogio da Loucura
Em 1509, ao percorrer os Alpes numa viagem pela Itália, Erasmo começa a pensar dedicar o seu conhecimento à criação de um paradoxo – uma obra a elogiar a loucura. Nesse texto, que ocupa um lugar central no humanismo da Renascença, opta por não falar em seu nome próprio nem criar a figura de um narrador, retratando a loucura a discursar diretamente para uma assembleia de eruditos. Resguardando-se nesta estratégia, Erasmo permite-se conceber um texto satírico de crítica de costumes social e religioso que denuncia as loucuras da sociedade que abrange a maioria dos estratos sociais, mas que se concentra no conjunto poderoso dos clérigos (teólogos, padres, bispos e papas), dos reis, príncipes e cortesãos. Na dedicatória ao seu amigo Thomas More escreve: “(…) quando a sátira não poupa nenhuma classe da sociedade, ninguém pode dizer que ela procura alvejar este ou aquele individuo, visto que se atira por igual a todos os vícios”. Porém, o Elogio da Loucura não se limita a uma crítica de costumes. A obra configura um discurso complexo, polémico, e desconcertante, ainda hoje atual, sobre a sociedade do seu tempo. Segundo o historiador Anthony Crafton, este texto deverá ser lido como “uma obra profundamente séria e concebida para estimular o pensamento, e não para apresentar soluções firmes.” [Luís Almeida d’Eça] Bookbuilders
Gonçalo M. Tavares
Um homem: Klaus Klump
Num tempo de guerra, num país sem nome, Klaus Klump “é editor, quer fazer livros que perturbem os tanques”. Oriundo de uma família rica, Klaus “não apreciava de maneira particular a pátria, cuspia nela se necessário, mas era capaz de morrer pelos seus livros e hábitos”. Oriundo de uma família rica, Klaus dizia que “um homem durante a guerra deve ser surdo-mudo enquanto for possível. E ficar quieto”. Porém, quando a guerra irrompe, as coisas complicam-se e Klaus acaba por juntar-se aos guerrilheiros. Um homem: Klaus Klump, de Gonçalo M. Tavares, é um livro brilhante sobre a guerra e a devastação que provoca na natureza, nas cidades e nos homens. Um duro relato de sobrevivência que não se compadece com heróis nem anti-heróis, porque na guerra “ninguém permanece limpo”, pois a “única higiene que nos importa é sobreviver. E para sobreviver fazemos o que for necessário”. Nomeada para o Prix Jean Monnet de Littérature Européenne em 2015, a presente obra faz parte da pentalogia O Reino, recentemente reeditada. [Sara Simões] Relógio d’Água
F.-A. Paradis De Moncrif
História dos Gatos
Diz-se de Maomé que “encarecia de tal sorte o Gato que, sendo um dia consultado a propósito de um assunto de Religião, preferiu cortar um pouco a fazenda da manga, sobre a qual o animal repousava, a acordá-lo, quando se levantou para ir falar à pessoa que o esperava”. Paradis de Moncrif (1687-1770) foi buscar este episódio da vida do profeta, à obra Voyage du Levant (1717), de Joseph de Tournefort, um exemplo entre as suas muitas fontes, para o estabelecimento do relato epistolar dirigido a uma incógnita marquesa, a quem Moncrif se insinua tal como um felino. O autor, versado em múltiplos talentos que estão na razão da sua popularidade nos círculos aristocráticos da corte de Luís XV, faz deste livro breve, que mais tarde rejeitaria, um exercício de charme e erudição. George Grappe, autor da introdução de 1909, considerava-o um “livro à clef do cortesanismo e do parasitismo”, acrescentando que este compêndio de anedotas, fábulas e mitos, com origem em autores gregos, latinos, árabes e persas, disfarçava a inveja de Paradis de Moncrif relativamente à posição ocupada pelos gatos nos salões que frequentava, pequenos seres “cujos olhos profundos pareciam julgar a frivolidade humana, subserviente aos seus caprichos.” [Ricardo Gross] Edições 70
João Pedro Henriques
Revolução Inacabada
O jornalista João Pedro Henriques começa por ressalvar a sua divida de gratidão a todos os que se sacrificaram na luta contra a ditadura e a todos os que tiveram a coragem de fazer o golpe de 25 de abril de 1974. Este não é, portanto, um livro que desvaloriza as profundas mudanças das últimas cinco décadas de democracia, mas uma investigação sobre certas características na sociedade portuguesa que se mantêm quase inalteradas. Este estudo concentra-se em duas delas: o elitismo na política e o machismo na justiça. O recrutamento para a classe política dirigente praticamente não abrange pessoas não licenciadas e com contacto com a pobreza, e quase não há mobilidade do poder local para o poder nacional. No sistema judicial, a entrada das mulheres na magistratura e a mudança para leis mais progressistas não alteraram um padrão de baixas condenações por crimes sexuais, cometidos sobretudo contra mulheres. Uma terceira característica que o autor pretendia tratar era “a macrocefalia da bola” (a “chateação permanente” do futebol, nas palavras de Alexandre O’Neill). Interessava refletir de que forma o futebol está a contagiar o debate político e sobre uma possível continuidade de ligações entre a política e o futebol. Entretanto, o espaço exigido pelos outros temas acabou por relegar esta matéria para tratamento futuro. [Luís Almeida d’Eça] Fundação Francisco Manuel dos Santos
Amazing Améziane
Quentin por Tarantino
Améziane Hammouche é um autor francês de novelas gráficas, que se tem dedicado a biografar algumas das principais figuras da cultura popular do século XX, sendo um dos seus projetos a trilogia dedicada ao cinema – que teve um primeiro livro sobre Martin Scorsese, agora este Quentin por Tarantino, e que se concluirá ainda em 2024, com um título dedicado a Francis Ford Coppola: Don Coppola. Abordamos este Quentin por Tarantino, como é costume, do início ao fim (altura em que lemos que a “novela gráfica é uma obra de ficção”), e os episódios ou factos nele incluídos são totalmente plausíveis à luz da biografia conhecida do mais aclamado cineasta norte-americano surgido nos anos 1990 (década que corresponde às suas três primeiras longas-metragens: Cães Danados, Pulp Fiction e Jackie Brown). A obra chega mesmo a dar informação tão surpreendente (apesar de fidedigna), como a que diz respeito à nova vida do realizador em Tel Aviv, junto da mulher, a israelita Daniella Pick, e filhos. O livro alimenta e alimenta-se do fenómeno Tarantino, o artista que recria a partir de géneros e autores canónicos, não-canónicos, exóticos ou mesmo obscuros; o poeta do calão e da violência como motor cinético e cromaticamente expressivo; e o autor de personagens masculinas trágicas e de mulheres fortes que celebra da cabeça até aos pés. [Ricardo Gross] ASA
André Murraças
Sombras Andantes / O Triângulo Cor-de-Rosa / Fronteiras
Artista multifacetado, André Murraças tem uma vasta obra como dramaturgo, destacando-se recentemente a investigação em torno das experiências de opressão da comunidade LGBT, que estão no centro das três peças ora publicadas. Mais do que uma peça de teatro, Sombras Andantes (2022) é um contributo singular para a história da homossexualidade durante os anos da ditadura salazarista. O autor começa por recuar alguns anos antes da fundação formal do Estado Novo, em 1933, no intuito de compreender com que “ideia dos homossexuais se chegou”, para depois conduzir o espectador/leitor por um encadeado de tragédias pessoais que testemunham décadas de perseguição, de repressão e de estigmatização. Atendendo à representação da homossexualidade feita na literatura, na poesia, no teatro, na revista à portuguesa ou na imprensa da época, Murraças cruza-a com depoimentos pessoais e com centenas, daquilo que se suspeita terem sido milhares, de processos criminais constantes no arquivo da Polícia Judiciária. O presente volume inclui ainda O Triângulo Cor-de-Rosa (2020), um retrato dos prisioneiros homossexuais nos campos de concentração nazis, e Fronteiras (2021), uma peça curta em torno da ideia de migração com enfoque nos refugiados LGBT. [Frederico Bernardino] Artistas Unidos-SNOB