Os livros de junho

Oito títulos para a Feira do Livro

Os livros de junho

A quase centenária Feira do Livro de Lisboa está de regresso ao Parque Eduardo VII até ao próximo dia 16. Para assinalar a ocasião, propomos oito sugestões de leitura que incluem diferentes géneros: poesia, conto, ensaio, romance policial, estudo, novela, álbum fotográfico. São, todas elas, títulos disponíveis na feira, a par de muitos outros. Não deixe de a visitar e de ler bons livros, porque como escreveu Italo Calvino "há coisas que só a literatura com os seus meios específicos pode dar-nos.”

 

Canção de Rolando

Rolando foi um cavaleiro franco, prefeito da Marca da Bretanha, que, na retaguarda do exército de Carlos Magno, foi morto por um destacamento de bascos nos Pirenéus, no ano de 778. Canção de Rolando, cantiga de gesta composta no século XI, constitui um dos mais antigos poemas épicos medievais das literaturas europeias. Estas canções tinham, muitas vezes, propósitos políticos e religiosos por parte dos patronos que encomendavam a sua composição, não constando o rigor histórico como uma das suas principais preocupações. A sua circulação ficava a cargo de trovadores e jograis que as cantavam nas cortes europeias e em festas populares. Neste contexto, Canção de Rolando, composta numa época em que a Europa procurava estabelecer uma identidade cristã face ao inimigo herege, consagra Rolando, sobrinho de Carlos Magno, como o paradigma do paladino e converte os bascos em sarracenos. O belíssimo poema, na primeira tradução integral em Portugal, narra a traição de Ganelão (cunhado do rei e padrasto do herói), a batalha de Roncesvales, a derrota e morte de Rolando, a vingança de Carlos Magno sobre os que “arrancaram a flor da doce França” e o castigo do traidor. E-Primatur

Sherwood Anderson
Morte na Floresta e outras histórias

Aos 36 anos de idade, Sherwood Anderson (1876-1941) sofreu um colapso nervoso provocado pela insatisfação profissional como gerente de uma empresa de entregas por correio, pelos problemas financeiros e pela crescente deterioração da relação conjugal. Este incidente fá-lo mudar de vida e dedicar-se exclusivamente à literatura. Apesar de ter escrito oito romances, a sua reputação assenta nas suas quatro coleções de contos que revelam, sem sentimentalismos, de forma realista e num estilo sem afetação literária que influenciou Hemingway e Faulkner, a América profunda através da vida nas pequenas cidades do interior e que constituem uma crítica impiedosa ao materialismo do seu país. O belíssimo conto Morte na Floresta, que dá título a esta recolha, narra os momentos finais na vida de uma velha que, no rigor do inverno, se desloca à povoação mais próxima para se abastecer. Com o pesado fardo às costas, atravessa a floresta a caminho de casa e aí morre de cansaço e frio. Os cães vadios rasgam-lhe as roupas e devoram-lhe o farnel. Para os dois rapazes que descobrem o corpo, e que nunca tinham visto uma mulher despida, ela não lhes parece idosa, pois a neve agarrada “à carne congelada” dá-lhe “uma aparência tão alva, tão bela, tão semelhante a mármore.” Cutelo

Arlindo Manuel Caldeira
O Apelo da Liberdade

“Saído de Lagos, em 1441, Antão Gonçalves, um jovem capitão da casa do Infante Dom Henrique, sentia-se satisfeito naquele dia, embora não pudesse ter noção da novidade histórica nem da gravidade do seu gesto”. Na sua expedição, ao longo da costa africana, capturou os dois primeiros prisioneiros, pelas viagens das caravelas, oriundos desse continente: um azenegue (berbere) e uma “moura preta”. Duas razões presidiam a tal captura recomendada pelo infante: uma de natureza cientifico-religiosa, com o objetivo de obter informações sobre os caminhos para atingir o reino do Preste João; outra, económica, visando a venda de escravos na Europa. Entre os séculos XV e XIX, quase 13 milhões de africanos foram obrigados a deixar a sua terra, naquela que foi uma das mais numerosas e violentas deslocações forçadas da história da Humanidade. Como reagiam os escravizados a esta situação imposta? Segundo a historiografia tradicional a atitude comum teria sido a passividade e o conformismo. A verdade é que um número significativo dos escravizados recusou-se a aceitar o estatuto que lhes determinavam e as obrigações a que eram sujeitos. Este livro, resultado de uma investigação inovadora, trata dos gestos de resistência individual ou coletiva, nas áreas de influência portuguesa, traduzidos na fuga, no suicídio, na rebelião aberta ou na revolta organizada. Casa das Letras

Nikolai Gógol
Tarass Bulba

Influenciada pelo seu ídolo, o poeta Alexandr Puskin, a escrita de Nikolai Gógol (1809-1852) inspirará, por sua vez, as obras de Tolstói, Dostoiévski, Nabokov ou Kafka. O autor é hoje conhecido pelo seu humor, pelas sátiras políticas e pelos escritos proto-surrealistas. O Nariz, por exemplo, narra as aventuras de um nariz que se separa do rosto a que pertence, na tentativa de viver uma vida independente. A novela Tarass Bulba é, no entanto, uma obra muito diferente que se insere no movimento de nacionalismo romântico na literatura, que se desenvolveu em torno de uma cultura étnica histórica. Ambientada numa “época cruel em que o homem levava uma vida só de proezas guerreiras, e temperava nelas a sua alma, esquecendo os sentimentos de humanidade”, e em que a guerra “parecia tratar-se mais de uma orgia, de um massacre do que de uma campanha militar”, narra a trágica relação do velho cossaco Tarass Bulba com os seus dois filhos Andrei e Ostap. Durante a revolta da Ucrânia contra o domínio polaco, Tarass mata o filho mais novo que, apaixonado por uma polaca, atraiçoa o seu povo e incentiva o mais velho, capturado pelo inimigo e torturado até a morte, a manter a coragem. Contudo, a obra termina em exaltação com a profecia do velho cossaco, antecipando a grandeza da fé ortodoxa, da “terra russa” e do seu czar. Relógio D’Água

Italo Calvino
Seis Propostas para o Próximo Milénio

Italo Calvino foi oficialmente convidado pela Universidade de Harvard a realizar as Charles Eliot Norton Poetry Lectures no decorrer do ano letivo de 1985/86. Trata-se de um ciclo de seis conferências que têm por tema geral toda a forma de comunicação poética – literária, musical, figurativa – com escolha inteiramente livre do assunto. Definido o tema a tratar – alguns valores literários a conservar no próximo milénio – Calvino consagrou grande parte do seu tempo à preparação das conferências. Falecido a 18 de Setembro de 1985, deixou escritas cinco das seis lições programadas: Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade, Multiplicidade. Faltava a sexta, Consistência, que contava escrever em Harvard. No seu lugar, reproduz-se o texto inédito Comecar e Acabar, elaboração provisória da conferência inicial, posteriormente excluída, mas com grande parte do material destinado a confluir na sexta lição. Nestes ensaios admiráveis reafirma a sua confiança no futuro da literatura, porque sabe “que há coisas que só a literatura com os seus meios específicos pode dar-nos.” Dom Quixote

Carlos Gil
Um Fotógrafo na Revolução

Na madrugada do dia 25 de abril de 1974, Carlos Gil saiu para a rua “apenas com uma máquina fotográfica e um rolo de película, este mesmo assim já meio impressionado” porque na sua vida profissional, então “já com sete anos de tarimba”, nunca acontecera nada de importante, algo “a merecer mais do que 36 negativos a preto e branco”, escreve o jornalista Adelino Gomes no prefácio deste magnífico álbum fotográfico. Será em pé, no alto de um Unimog transformado em tribuna ambulante, que Gil irá dar testemunho, em dezenas e dezenas de fotografias, do golpe de Estado e da explosão popular que desencadeou. Carlos Gil – Um Fotógrafo na Revolução reúne 200 fotografias selecionadas por Adelino Gomes com Daniel, filho de Carlos. Nesta reedição, com design renovado, revista e aumentada, vários inéditos se juntam agora à narrativa inicial do jornalista. Incluem-se outras figuras relevantes do tempo anterior ao 25 de Abril e de todo o Período Revolucionário Em Curso (PREC), também num novo posfácio ilustrado e novas situações-chave, antes e após o dia a que Sophia chamou “inicial, inteiro e limpo” que ajudam a contar melhor a revolução, os seus protagonistas e “a poesia que vai na rua”. Caminho


Tiago Borges Lourenço e Raquel Seixas
Júlio de Castilho – Mestre da Lisboa Antiga

De um modo inédito, Júlio Castilho (1840-1919) propôs-se estudar os bairros de Lisboa sob as perspetivas histórica, arqueológica, artística, literária, sociológica e genealógica. Foi autor de Lisboa Antiga, o primeiro ensaio histórico-literário sobre a cidade publicado em livro e liberto de encomendas e discursos oficiais. A sistematicidade e inovação das suas obras abriu caminho a uma nova forma de estudar e divulgar a história de Lisboa. A sua longa lista de atributos e ocupações incluía, entre muitos outros, a poesia, os estudos histórico-biográficos, o desenho, o memorialismo. Contudo, esta obra foi concebida como um estudo sobre a vida de Castilho centrado no seu trabalho como olisipógrafo. Escrevem os seus autores: “Não é, portanto, uma biografia no sentido mais ortodoxo do termo, não só pela forma ativa como o biografado dialoga com o leitor, em períodos de quase narração autodiegética, mas sobretudo pelo modo como a sua vida é percorrida cronologicamente por duas vezes: sobrevoada descritivamente para se desvendar o homem antes de se pousar analiticamente na Olisipografia, o solo que tudo justifica.” Imprensa Nacional

Joel Dicker
Um Animal Selvagem

É no dia 2 de julho de 2022, às nove e meia da manhã em ponto, com um assalto à mão armada a uma joalharia de Genebra por um par de delinquentes que se inicia o novo mistério de Joël Dicker. O escritor estreou-se com Os últimos dias dos nossos pais. Mas foi a publicação do segundo romance que fez dele um fenómeno literário global: A verdade sobre o caso Harry Quebert foi publicado em 33 países, vendeu mais de quatro milhões de exemplares e venceu o prémio de melhor romance da Academia Francesa de Letras, o Prix Goncourt des Lycéens e o prémio da revista Lire para melhor romance em língua francesa. O seu sétimo romance policial conta a história desse roubo, um engenhoso plano que nada tem de comum. A narrativa recua 20 dias antes do assalto, dando a conhecer Sophie Braun, cuja vida de sonho com a família está prestes a ruir; o seu marido, que oculta inexplicáveis segredos; o vizinho mais próximo, agente da polícia, e um homem misterioso que oferece a Sophie um arriscado presente. Apresentadas as personagens, a hábil narrativa acompanhará os acontecimentos de cada um dos dias que antecederam o assalto até terminar de novo no momento do crime, unindo princípio e fim, num círculo perfeito. Alfaguara