Trindade aposta na dramaturgia portuguesa

Diogo Infante apresentou temporada 2024/2025 do Teatro da Trindade INATEL

Trindade aposta na dramaturgia portuguesa

Conflitos ideológicos, questões éticas e morais, a memória histórica da ditadura, a perceção do outro e "sempre, sempre o amor" são as principais temáticas refletidas nos sete espetáculos que o diretor artístico do Teatro da Trindade INATEL, Diogo Infante, programou para a próxima temporada.

Depois de um ano de 2023 “em que foram batidos todos os recordes em taxa de ocupação, com mais de 90 mil espetadores” a passarem pelas duas salas do Teatro da Trindade, Diogo Infante assumiu, em conferência de imprensa, que chegou a altura de “correr alguns riscos”. Se, por um lado, a temporada 2024/2025, agora apresentada, mantém a tendência de apresentar poucos espetáculos (são “apenas” sete) para permitir carreiras longas, por outro, verifica-se uma clara aposta na dramaturgia portuguesa em detrimento de um leque mais alargado de propostas baseadas em clássicos ou obras de autores estrangeiros consagrados, como tem sido apanágio em anos anteriores.

Assim, a maioria dos espetáculos parte de textos escritos em português, sendo que três deles são inéditos, e um outro, escrito em português do Brasil, chega a Lisboa depois de ter feito sucesso no Rio de Janeiro e São Paulo: Marylin – Por trás do espelho, de Anna Sant’Ana (que o protagoniza) e Daniel Dias da Silva, encenado pela portuguesa Ana Isabel Augusto (14 de novembro a 22 de dezembro, na Sala Estúdio).

A atriz brasileira Anna Sant’Ana recria as últimas horas de Marylin Monroe.

Voltando aos inéditos, a primeira proposta sobe ao palco já a 19 de setembro, e trata-se do texto vencedor da sexta edição do Prémio Miguel Rovisco – Novos Textos Teatrais (que o Teatro da Trindade atribui anualmente). Escrito por Miguel Falcão e encenado por Ana Nave, Sombras é, segundo a encenadora, “um olhar oportuno sobre a ditadura e a forma como ela marca as vidas de pessoas comuns”, no caso, as mulheres “que permaneceram na sombra” da luta política de tantos homens que, com elas, “acreditaram na liberdade antes do 25 de Abril”. A peça é interpretada por Carla Maciel e Mafalda Marafusta.

Já em 2025, em fevereiro, estreia Um país que é a noite, uma encenação de Martim Pedroso a partir de texto de Tatiana Salem Levy e Flávia Lins, que compõem um diálogo ficcional entre dois escritores e poetas oposicionistas da ditadura salazarista, Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, horas antes deste último fugir para o Brasil. Maria João Falcão, Rui Melo, João Sá Nogueira e o próprio Martim Pedroso interpretam.

Em maio, Diogo Infante dirige Sérgio Praia num espetáculo que promete gerar controvérsia e debate. Trata-se de Eutanasiador, peça de estreia de Paula Guimarães, que a considera “uma provocação e o reflexo do [seu próprio] dilema sobre o direito à vida e o direito à morte”.

Elencos de luxo passam pela Sala Carmen Dolores

Duas estreias e uma ansiada reposição, todas servidas por elencos de luxo repletos de muitos dos nomes sonantes do teatro português, prometem marcar a próxima temporada teatral.

Escrito pelo reputadíssimo dramaturgo britânico David Hare (autor de peças já encenadas em Portugal com grande sucesso, como Luz de Inverno, pelo Teatro Aberto, ou O Beijo de Judas, pelo Teatro Experimental de Cascais), Telhados de Vidro, no original Skylight, junta Diogo Infante e Benedita Pereira, nos papéis de um empresário cinquentão bem-sucedido e de uma professora mais jovem que, após uma inesperada visita, retomam uma conturbada relação amorosa. O espetáculo, encenado por Marco Medeiros, conta ainda com a participação do ator Tomás Taborda.

Custódia Gallego em “A Médica”, de Robert Icke

Depois do sucesso de Noite de Reis, Ricardo Neves-Neves e o seu Teatro do Elétrico estão de regresso ao Trindade com uma proposta radicalmente diferente. Da autoria de outro britânico, Robert Icke, A Médica confirmou o talento deste ainda jovem dramaturgo e encenador que o The Guardian chegou a considerar “a grande esperança do teatro inglês”, sobretudo devido às suas inovadoras encenações dos grandes clássicos da dramaturgia ocidental. Nesta peça, Icke propõe uma releitura da peça de Arthur Schnitzler Professor Bernhardi, e aborda com fina incisão temas como identidade, raça, sexualidade, saúde mental, religião e privilégio de classe. Custódia Gallego lidera um elenco de estrelas onde pontuam Adriano Luz, Sandra Faleiro, Pedro Laginha, Inês Castel-Branco, Maria João Paschoal, Rita Cabaço, José Leite, Eduarda Arriaga, Vera Cruz, Igor Regalla e Luciana Balby. Estreia a 12 de dezembro.

Por fim, Shakespeare, com o regresso do Sonho de Uma Noite de Verão encenado por Diogo Infante. Depois de quatro meses em cena e de mais de 40 mil espetadores terem visto esta comédia musical, onde as palavras d’O Bardo se encontram com alguns dos maiores sucessos da música popular portuguesa, Hérmia, Lisandro, Puck e companhia estão de volta a partir de março do próximo ano. No elenco renovado, destacam-se Ana Cloe, Gabriela Barros e Raquel Tillo (três das Mães, ainda em cena no Teatro Villaret).

Para além do teatro, a programação até final deste ano inclui ainda três concertos do Ciclo Mundos, da responsabilidade do programador Carlos Seixas. Pela Sala Carmen Dolores vão passar Mário Lúcio e Chico César (a 24 de setembro), a andina Luzmila Carpio (a 22 de outubro) e a saxofonista norte-americana Lakecia Benjamin (a 5 de novembro).