À mesa com os romanos

Sete pratos de inspiração romana para degustar

À mesa com os romanos

E se, durante uma semana, pudesse voltar atrás no tempo e comer como um romano? De acordo com registos que sobreviveram ao passar dos séculos, os romanos alimentavam-se sobretudo de peixe, azeite, especiarias, frutos secos, mel e ervas aromáticas. O garum (molho de peixe fermentado) era também um produto essencial, utilizado como intensificador de sabor. Partindo deste pressuposto, foi lançado o desafio - a vários restaurantes, chefs e escolas de hotelaria - de criar um roteiro gastronómico inspirado nos sabores romanos.

Entre 12 e 21 de julho, a capital recebe a semana gastronómica Lisboa Romana, À Mesa com os Romanos, mas o evento decorre, simultaneamente, em Mafra, Sesimbra, Setúbal, Palmela, Vila Franca de Xira e Torres Vedras. Fomos conhecer (e provar) os pratos dos restaurantes que, em Lisboa, vão recriar os sabores da Roma Antiga. A elaboração ficou ao critério de cada chef, mas podemos adiantar que estão todos mais do que aprovados.

Chef Bertílio Gomes – Taberna Albricoque

Rua dos Caminhos de Ferro, 98A
Prato: Atum patudo perfumado com garum e tártaro de tomate biológico

No espaço do chef Bertílio Gomes o foco são as especialidades algarvias. A Taberna Albricoque abriu sete meses antes da pandemia e atualmente sofre com os efeitos das obras do plano de drenagem de Lisboa. Apesar destas dificuldades, a casa está sempre cheia.

A gastronomia romana é um tema familiar para o chef que, em tempos, teve uma gelataria em Tróia, no distrito de Setúbal: “cheguei a participar em vários eventos de dinamização das ruínas romanas [de Tróia]. Uma das coisas que fiz foi gelado de ostras”. A experiência deu-lhe traquejo: “não foi preciso fazer muita pesquisa porque já levo muitos anos a servir romanos, já os conheço de ginjeira”, diz em tom de brincadeira.

Sobre o prato, “a inspiração teve muito a ver com os produtos da época, mas também houve a preocupação de escolher ingredientes de que toda a gente gosta. O garum, só por si, não é uma coisa muito apetecível, nem toda a gente conhece. Daí a importância de o associar ao atum, que é um peixe muito consensual”.

Uma das premissas da Taberna Albricoque é a rotatividade dos pratos, pelo que a ideia não será manter o prato muito tempo no menu, portanto, o melhor é apressar-se e experimentar.

Chef Marlene Vieira – Marlene

Av. Infante D. Henrique, Doca do Jardim do Tabaco. Terminal de Cruzeiros de Lisboa
Prato: Atum com escabeche e garum de sardinha

Quando recebeu o convite para participar neste festival gastronómico, a chef Marlene Vieira soube logo que o garum teria de estar presente. Neste prato, o importante era “equilibrar a profundidade de sabores. É baseado no escabeche, que foi um método de conservação do peixe usado pelos marinheiros em alto mar. Quis juntar estes dois universos – do escabeche e do garum – e o resultado é incrível”.

Familiarizada com este produto de origem romana, que usa noutros pratos, diz que, quando as pessoas provam, “sentem algo muito especial, tem muita portugalidade. Estou um bocadinho viciada no uso do garum pela profundidade que confere aos sabores”, confessa. A chef não teve de pensar muito sobre a escolha do prato, já que este faz parte do menu do restaurante: “de vez em quando varia-se a proteína. Em vez do atum, usamos cavala”.

Quando questionada sobre que outro prato gostaria de provar, não hesita: “estou convicta de que vão ser todos bons pratos”, afirma. Sobre o seu atum com escabeche e garum de sardinha garante que, quem o provar, “nunca mais se irá esquecer da experiência”. Nós confirmamos!

Chef Pedro Almeida – Can the Can

Terreiro do Paço, 82/83
Prato: Lula dos Açores, manteiga, coentros, molho de pimento assado com garum de cavala

O Can the Can abriu portas em 2012, com o objetivo de promover a indústria conserveira nacional. Paralelamente, tem o projeto de investigação Selo de Mar, que estuda e recupera técnicas de conservação de pescado. Há cerca de seis anos, começou a investigar receitas antigas para desenvolver novas fórmulas de garum.

De acordo com o chef Pedro Almeida, “a Selo de Mar é uma das maiores produtoras mundiais e a única em Portugal”. A paixão por este molho precioso é notória quando entramos no restaurante. É impossível não reparar na variedade disponível de frascos: sardinha, cavala, atum, ostra, lírio, espadarte, polvo, cherne, cherne e atum, choco, peixe agulha e salmonete.

No prato que o chef concebeu para esta semana romana, o garum brilha “no molho de pimentos assados, na manteiga, mas também serve para pincelar a lula”. Recentemente, a Selo de Mar criou uma versão para sobremesas feita à base de pólen de abelha.

Quando for ao Can the Can, não se esqueça de experimentar o Pudim Abade Priscos do Mar, uma versão feita com muxama (presunto do mar), que leva caramelo salgado finalizado com garum.

Chef Miguel Castro e Silva – Miguel Castro e Silva

Mercado da Ribeira – Av. 24 de Julho
Prato: Atum com citrinos e garum 

Situado no Mercado da Ribeira desde 2014, ano em que ali se instalaram diversos restaurantes, o espaço do chef Miguel Castro e Silva aposta em comida tradicional portuguesa.

Quando foi convidado a participar nesta semana gastronómica, decidiu logo que o ponto de partida na elaboração do prato só podia ser o garum. Produzido pela Selo de Mar, o “produto é de uma qualidade extraordinária”, garante.

Até chegar à última versão deste prato experimentou várias abordagens: “fazia sentido associar o atum aos citrinos, que são sabores que têm tudo a ver com a Roma Antiga. Sirvo com puré de abacate e alface romana ligeiramente tostada com molho feito com caldo de legumes e garum”. O chef fez alguma pesquisa – nomeadamente através do livro de Apicius, um gastrónomo romano do séc. I, mas já tinha feito um intenso trabalho de investigação, anos antes, quando foi convidado pelo canal História a recriar a última ceia de Cristo.

Castro e Silva gosta tanto desta criação que pretende que se mantenha na ementa por algum tempo. Nós também estamos a torcer para que isso aconteça!

Chef Gareth Storey – Antiga Camponesa

Rua Marechal Saldanha, 25
Prato: Caracóis, caldo de Aipo-dos-Cavalos de Monsanto, manteiga de Hallec

“Não me interessa o que as pessoas gostam de comer, só cozinho aquilo de que gosto” diz, sem quaisquer complexos, o chef irlandês Gareth Storey. “Seria muito estranho cozinhar algo de que não gosto. Elaboro o menu e os clientes decidem se aprovam ou não. Até hoje tem corrido bem”.

A trabalhar na Antiga Camponesa desde a sua abertura, em outubro de 2022, o chef é muito exigente: “se dermos às pessoas apenas aquilo que querem, só teremos hambúrgueres, pizzas e sushi no menu”.

Esteve dez anos em França, e foi por influência da mulher – francesa, mas com ligação a Portugal – que veio trabalhar para Lisboa. “Comparando com Paris, Lisboa é um paraíso, as pessoas são simpáticas”, garantindo, entre risos, que veio para ficar.

Em relação ao prato romano, não fez nenhuma pesquisa intensa, usou apenas “o instinto e a imaginação. Fez-me todo o sentido imaginar os romanos a comer caracóis e a beber vinho”. Uma das políticas da casa é usar produtos da época, pelo que este prato fará parte do menu enquanto houver caracóis.

Chef consultor André Magalhães – Vieira Café

Praça das Amoreiras, 56
Prato: Vieira e sardinha, garum alfacinha

No rés-do-chão da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva encontramos o Vieira Café, que reabriu recentemente com nova concessão e consultadoria do chef André Magalhães. Nesta nova fase do espaço, o chef foi desafiado a criar pratos que liguem a cultura à gastronomia. A própria decoração joga com o nome de Maria Helena Vieira da Silva e as vieiras presentes nos azulejos concebidos por Manuel Cargaleiro (a partir de originais da pintora).

Para o prato da semana romana, André Magalhães optou por usar a vieira, um “bivalve que, segundo pesquisas arqueológicas, existiria no Tejo no tempo dos romanos”. Outro elemento marcante é o garum alfacinha (este de fabrico próprio), bem como as alfaces “apreciadas desde o tempo dos romanos” e a sardinha, “muito identitária de Lisboa”. O prato leva ainda um elemento decorativo (e comestível): algas do rio Tejo.

A ideia é recriar sabores romanos mas, para isso, “há um elemento de fantasia que temos de ter presente. Estamos a revisitar sabores que podiam ser comuns há dois mil anos”, afirma. Se tudo correr como o esperado, o prato será para manter no menu.

Chef João de Sá – Sála de João de Sá

Rua dos Bacalhoeiros, 103
Prato: Cuscos, coentrada e garum de sardinha

O Sála situa-se no coração da Baixa pombalina. Desde que abriu, há cinco anos e meio, que o restaurante não tem mãos a medir. Se a procura é um sinal claro de que o serviço é bom, que dizer então da estrela Michelin que recebeu este ano? Para o chef João Sá, trata-se de “um reconhecimento que reflete o trabalho destes cinco anos”.

No Sála, encontramos sobretudo pratos ligados à gastronomia nacional e aos produtos locais. Para este prato específico, a ideia foi encontrar “um equilíbrio entre a história da cidade de Lisboa e a influência deixada pelos romanos”. O prato já existia no menu, mas, para ligar tudo, recorreu-se ao garum de sardinha produzido pela Selo de Mar.

Este é, aliás, um produto muito usado neste restaurante, com uma curiosidade: aqui é o cliente que escolhe o tipo de garum que coloca no prato: “damos a cheirar e a provar, explicamos o que é e deixamos que o cliente decida. Os que têm mais saída são os de sardinha e cavala. Há pessoas que já conhecem, outras que não conhecem e que ficam deliciadas e também pessoas que não gostam de todo. Há gostos para tudo”, diz.