A partir do dia em que Roth morreu

"Os dias estão numerados", de Daniel Blaufuks, no MAAT

A partir do dia em que Roth morreu

A 22 de maio de 2018, o escritor norte-americano Philip Roth morria. A partir desse dia, Daniel Blaufuks começou a desenvolver um diário visual-textual onde, em simples folhas A4, comenta a atualidade, enumerando os dias e os anos que vão passando. Os dias estão numerados é a exposição que o artista visual leva ao MAAT, até início de outubro.

Todas as “folhas” expostas contam com fotografias instantâneas, quase sempre acompanhadas de frases manuscritas nas línguas em que se sente mais confortável, como o inglês, o alemão, o português ou o francês; recortes de jornais e revistas; panfletos publicitários; ou carimbos. Para Daniel Blaufuks, a elaboração do diário passou a ser “o trabalho de uma vida”.

O artista tem dúvidas sobre se estes volumes deveriam ser chamados de diários. Prefere a denominação “não-diários”, já que “não é íntimo”, não se fica a saber muito sobre si ou sobre a sua vida naquelas páginas.

“No diário clássico, escreve-se ‘acordei às 10 da manhã’, ‘fui tomar o pequeno-almoço’ ou ‘fui ao cinema’. Ali não há disso. De vez em quando destapo um bocadinho a tampa da minha vida, mas volto a fechá-la imediatamente”, diz. É, antes, um trabalho diarístico, “porque é um exercício diário, que me ajuda a pensar a fotografia. Faço uma folha por dia”, acrescenta, lembrando que tudo começou no dia em que Philip Roth, o autor de Pastoral Americana ou A Mancha Humana, morreu.

“Um acaso, feliz para mim, não para ele”, explica, recusando que tivesse sido um acontecimento catalisador. No entanto, foi nesse dia que tudo começou, e a primeira “folha” da exposição é, precisamente, aquela onde se pode ler “philip roth is now forever dead”. “Acho até que talvez ele até tivesse gostado!”

Pela galeria

As paredes de uma das salas do MAAT Gallery estão preenchidas com molduras. Se lá está exposto todo o diário de 2003, há, também, algumas páginas de 2018 a 2022 e outras tantas do corrente ano. Todas, sem exceção, apresentam fragmentos: fragmentos da sua vida pessoal, fragmentos de coisas que lê, de coisas que ouve. Há, ainda, fragmentos de conversas e de sentimentos. “Essa é a palavra certa: fragmentos. Cada página deste diário é um fragmento do meu dia”, sublinha.

Neste trabalho que se mostra “instintivo e instantâneo”, os apontamentos textuais não são meras legendas das fotografias. “Por vezes, imagem e texto podem colidir; outras vezes podem acompanhar-se. E há ainda outras vezes que o texto levanta mais questões do que àquelas que responde. Isto para dizer que, quando tiro a fotografia, não estou a pensar no que vou escrever. Também acontece saber o que vou escrever ainda antes de tirar a fotografia. Mas, na verdade, penso que o ambiente é sempre o mesmo, isto é, num dia mais triste, eu estou mais triste e sente-se isso na fotografia, como se sente, provavelmente, no texto que a acompanha. E o mesmo acontece num dia mais alegre, como num dia de praia no verão, onde tudo talvez seja mais luminoso.”

João Pinharanda, curador da exposição, diz que o trabalho de Blaufuks se baseou sempre “em torno do tempo e da memória, seja ela familiar, histórica ou pessoal. Expondo a sua memória, cruzam-se os seus dias e os dias do mundo”. O fotógrafo que, segundo o curador, “reage ao que o rodeia lutando contra a voraz corrida do tempo sobre as coisas”, admite que “um diário é também um ato de resistência”. “O dia faz sentido porque eu tenho uma folha para fazer, o que me permite ter sempre este momento de alineação de tudo o que se passa em volta”, conclui.

A exposição Os Dias Estão Numerados, de Daniel Blaufuks, pode ser visitada no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia de quarta a segunda, até 7 de outubro. Dia 5 de setembro, entre as 15 e as 18h30, tem lugar uma masterclass com o fotógrafo, seguida de uma conversa com João Pinharanda. Por ocasião da exposição, é publicado o livro Os Dias Estão Numerados (ed. Tinta-da-China), à venda na loja do museu.