teatro
Leonardo já deixou de ser jovem
"Last Call", de Leonardo Garibaldi, no Teatro São Luiz
Esta é a última chamada para crescer e aprender a viver. Leonardo fez ontem 30 anos e agora sabe que já não é jovem. Mas as dores de crescimento estão lá todas e são muitas vezes dolorosas. Depois de A morte do meu cão Juno, Leonardo Garibaldi está de volta aos solos com Last Call. Estreia a 2 de outubro, no antigo jardim de inverno do Teatro São Luiz.
O que Leonardo tem para partilhar só poderia ser feito num lugar seguro, como um jardim (aqui, o de inverno do São Luiz, hoje Sala Bernardo Sassetti), onde se instala uma tenda feita de toalhas de mesa e lençóis bordados, saídos ora das mãos mágicas de artesãs dedicadas, ora do anonimato em série das fábricas de têxteis. Comenta o autor e ator que “são um trabalho magnífico da Tati[ane] Oliveira e da Margarida Silva, a representar uma manta de retalhos de coisas novas e antigas, como uma história de vida. Há enxovais, Feira da Ladra, mas também há Ikea,” esclarece Garibaldi.
Por falar em história de vida, é isso que Leonardo se propõe contar a partir da sua chegada ao dia de hoje, o seguinte a ter completado 30 anos e ter deixado de ser jovem. Sendo agora um adulto, “já não basta fugir para debaixo das saias da mãe”, portanto, eis chegado o momento de enfrentar a ideia de que a partir daqui estamos por nossa conta.
Mas é preciso perceber como se chegou aqui, sabendo que a vida é, muitas vezes, repleta de sonhos desfeitos, carregada de dores de crescimento e, no caso, de músicas, porque Leonardo sempre quis ser cantor e, para ele, ainda hoje, a uma música corresponde uma memória.
Boas ou dolorosas, as memórias trazem canções que contam a história do agora adulto Leonardo desde o dia em que se sentiu verdadeiramente triste pela primeira vez: completava cinco anos de idade e ninguém apareceu para festejar.
O Billie Elliot da música
Nascido há 30 anos no interior de Portugal, Leonardo anunciou em criança que queria ser cantor, porque sonhava, um dia, ouvir as suas músicas a passar nas telenovelas. O sonho de ser cantor pop trouxe-lhe agruras, não só perante a incompreensão dos amigos na escola, como da família, sobretudo o pai que, olhando para o filho, apenas via deceção.
Tal como a história do adolescente inglês que, enfrentando preconceitos e contrariando a vontade da família e a expectativa da comunidade, trocou o pugilismo pelo ballet num famoso filme de Stephen Daldry, Leonardo sentiu-se “o Billie Elliot português, mas da música”, e veio estudar para Lisboa. A aventura começou, mas continuava a tristeza.
“Podemos dizer que Last Call é uma autoficção, com muita coisa minha, mas onde a maior parte são memórias completamente ficcionadas”, esclarece Leonardo Garibaldi, logo após um intenso ensaio. “É um espetáculo que andei a pensar durante dois anos, quando senti que ia chegar aos 30 e atingir a idade adulta. Como artista, quis descobrir uma identidade que fosse como que um paralelo à vida.”
Tendo como público-alvo os alunos do terceiro ciclo do ensino básico e ensinos secundário e superior, Last Call aborda muita da vivência juvenil, com especial ênfase para os dilemas da aceitação, o bullying escolar e a homofobia. Se o tom é muitas vezes grave e depressivo, o espetáculo tenta deixar muito presente que “não adianta alimentar a vitimização”. Embora Leonardo esteja triste porque deixou de ser jovem, “há que levantar os olhos e perceber o que há de bom à nossa volta.”
Esta produção do grupo Os Possessos está em cena, para o público em geral, até 6 de outubro, sempre às 19 horas. Em 2025, o espetáculo passa por Cascais e pelo Centro Cultural Gil Vicente, no Sardoal, terra natal de Leonardo Garibaldi.