teatro
A luta está no palco
A nova peça da Hotel Europa junta em cena cinco jovens ativistas pelo clima
André Amálio e Tereza Havlíčková transformam o ativismo climático numa peça de teatro documental e levam para cena as histórias, as motivações e também as frustrações das pessoas empenhadas em lutar pelo planeta em que vivemos. Urgência Climática estreia-se no Teatro São Luiz a 22 de outubro e fica até ao dia 27.
“Como se atrevem?”. A pergunta gritada no palco, logo no início do espetáculo, lança o mote. “Roubaram os meus sonhos com as vossas palavras vazias. Aqui e agora é onde traçamos a linha.” Urgência Climática, a nova peça da companhia Hotel Europa, junta em cena cinco jovens ativistas pelo clima, com as suas histórias, as suas motivações e reivindicações. “Estamos perplexos com o que está a acontecer no mundo e interessava-nos o ponto de vista das pessoas que deixam a vida quotidiana para se colocarem em situações de risco”, explica André Amálio, que partilha a criação com Tereza Havlíčková.
O que os leva a agir e a enfrentar as consequências nem sempre agradáveis foi o que quiseram saber. Para isso, seguindo o caminho do teatro documental que desenvolvem na Hotel Europa, fizeram trabalho de campo durante um ano e meio. Conduziram entrevistas com especialistas em várias cidades do país, ilhas incluídas, e também em Itália e na Chéquia; falaram com pessoas noutros lugares do mundo e conheceram as suas lutas; descobriram ativistas “em escolas, na indústria da moda, em movimentos sociais, organizações políticas”.
Tudo isso está em Urgência Climática, que se vai construindo através das histórias das cinco pessoas em palco. Andreia Galvão foi a primeira a entrar no projeto, ainda antes das audições para artistas-ativistas ou interessados pelo assunto, que trouxeram as atrizes Yolanda Santos e Matilde Graça, o bailarino João Oliveira e o músico Vicente Silvestre. Com eles chegaram também as causas das organizações Greve Climática Estudantil, Climáximo, Red Rebels, Extinction Rebellion, Unidos em Defesa de Covas do Barroso, ANIMAL, Planet Save e FALA, a que se têm entregue nos últimos anos.
“Já não temos paciência”
Na primeira pessoa, contam-nos as suas histórias, mostram-nos as suas estratégias, revelam como fazem os treinos para as ações que levam a cabo, defendem as suas causas. Yolanda fala da culpa que sentem – “porque achamos que nunca fazemos o suficiente” –, Andreia narra, de forma quase inocente, a vez em que foi presa e a obrigaram a despir totalmente e a agachar-se só porque pediu para ir à casa de banho, Matilde descreve como um condutor enfurecido arrastou a sua irmã gémea pelos cabelos para a tirar do meio da estrada durante um dos protestos de desobediência civil.
“É importante haver sítios onde podemos falar sem mediação. O palco é um espaço para mostramos e depois o público pode formar a sua opinião. Muitas vezes, somos pintados como terroristas, quando estamos só a lutar pelas causas em que acreditamos e que deviam ser de todos”, diz Andreia. Yolanda reforça a ideia: “Acredito que ver histórias reais humaniza os ativistas, traz-nos humanidade e credibilidade. Porque podia ser qualquer pessoa sentada na plateia a estar aqui. Além disso, quem vem ao teatro chega mais disponível para nos ouvir do que quando está em casa a ver televisão ou no carro parado no meio do trânsito.” Dar palco a estas vozes era fundamental, acredita André Amálio. “Os problemas do clima não são culpa dos ativistas, os maus da fita não são eles e, muitas vezes, olha-se mais para os constrangimentos que causam do que para o problema que estão a combater. Devíamos estar todos a lutar pelo mesmo: a sobrevivência do planeta em que vivemos”.
Com cartazes feitos de cartão, o público é desafiado a juntar-se à causa. “Pelo clima, justiça e emprego”, “O planeta tem urgência, já não temos paciência” ou “Lutar pela nossa casa” são algumas das palavras de ordem passadas para os espectadores. “Espero que as pessoas percebam que o clima e a sua defesa também estão nas nossas mãos. O poder é nosso e somos nós que temos de o conquistar. A mudança só acontece se tomarmos parte nela”, defende André Amálio.
“O que é que precisamos de fazer mais?”, perguntam. Se todas as ações de desobediência civil não têm funcionado, talvez uma peça de teatro contribua para melhorar o mundo.