Os livros de novembro

Sete novas proposta de leitura

Os livros de novembro

A obra literária "basta-se a si própria", como pretendia Flaubert? Conhecer a biografia do autor ajuda a entender a obra? São questões, entre muitas outras, tratadas no magnífico volume de entrevistas literárias de Isabel Lucas, Conversas com Escritores. Qualquer que seja a nossa convicção íntima, a verdade é que o interesse sobre a biografia do escritor nasce sempre do contacto com a sua obra: o livro. Em novembro, leia sete novos livros e parta, ou não, em busca da personalidade dos seus autores.

Mário Cláudio
Diário Incontínuo

Mário Cláudio iniciou a escrita deste diário aos 16 anos, e esses primeiros anos de escrita diarística impressionam logo pela segurança no estilo e pelo desassombro de algumas observações: “Só quando desacompanhado me sinto estável e seguro, e temo a cada passo a perfídia de um amigo. Quero-lhes bem, mas importunam-me por vezes.” [30.01.1959] A 7 de fevereiro de 1999 liga-se pela primeira vez à internet: “… o antecipado fascínio das viagens folheantes, o receio de me converter no abominável consumidor que nada retém”. Desse ano, até 2005, deixa aparentemente o diário em pousio e, no regresso, em julho de 2005, declara: “Será que é desta vez que encarreiro na escrita de um diário (…) Um diário alimenta-se das horas que fabricam a mocidade, quando tudo é escavação, ou das que pertencem à velhice, quando resta o inventário. Em nenhum destes lugares corresponde o diário a um exercício artístico”. Mas talvez nada traduza tão fielmente o propósito deste diário como a citação que Mário Cláudio retira de A Letra Escarlate de Nathaniel Hawthorne: “Sê verdadeiro! Mostra livremente ao mundo, se não o teu pior, algum traço pelo qual se possa inferir o pior”. [Ricardo Gross] Dom Quixote

Lionel Shriver
Vamos ou Ficamos?

Kay, enfermeira, e o marido Cyril, médico de clínica geral, felizes e enérgicos profissionais na casa dos 50, professam uma opinião pouco entusiástica sobre o aumento da esperança de vida: “Não estamos a viver durante mais tempo. Estamos é a morrer durante mais tempo!”. Acabaram de passar por uma experiência traumática: o pai de Kay esteve totalmente dependente ao longo de uma década e meia, numa condição de senilidade irreversível (“O facto de criaturas sobrevivem num estado avançado de decadência é antinatural”). Na noite do seu funeral, decidem que não querem viver uma situação semelhante e estabelecem o pacto de suicidarem-se juntos, assim que cumprirem os 80 anos. A partir desta premissa, a escritora e jornalista Lionel Shriver, vencedora do Orange Prize, concebe 12 imaginativos universos paralelos que correspondem a diferentes hipóteses de futuro para o casal. O romance Vamos ou Ficamos?, eleito Melhor Livro de Ficção (2021) pelo The Times, explora temas delicados como a mortalidade, a incapacidade física ou a demência, de forma por vezes provocatória e controversa, mas sempre original, inteligente e divertida. Minotauro

William Golding/ Aimée de Jongh
O Deus das Moscas

William Golding (1911-1993), Prémio Nobel da Literatura de 1983, foi professor primário e combateu como oficial da marinha britânica durante a II Guerra Mundial. O sucesso obtido com O Deus das Moscas (1954) permitiu-lhe abandonar o ensino, retirar-se para o campo, na sua amada Cornualha, e dedicar-se exclusivamente à escrita. As suas novelas alegóricas centram-se nas questões fundamentais do Bem e do Mal (exprimindo uma visão de que a humanidade tem uma tendência natural para o mal) e da possibilidade de redenção espiritual num mundo caracterizado pela ausência de Deus. O Deus das Moscas é uma alegoria, um romance profundamente pessimista escrito na sequência dos horrores da II Guerra Mundial, sobre a fragilidade da civilização. Um grupo de rapazes, colegas de escola, são os únicos sobreviventes de um avião que se despenha numa ilha deserta. As suas tentativas para se organizarem de forma civilizada colapsam gradualmente à medida que regridem ao estado selvagem, culminando com a morte sacrificial de um deles. Aimée de Jongh, premiada autora de novelas gráficas que vive e trabalha em Roterdão, adapta o célebre romance de William Golding, umas das obras fundamentais da literatura do século XX. ASA

Toni Morrison
Deus Ajude a Criança

Sweetness, uma negra de pele clara, é incapaz de amar incondicionalmente a sua filha que nasceu “negra como a noite, negra do sudão”. Apesar disso, Bride cresce e torna-se uma mulher belíssima e aparentemente segura, diretora de uma empresa bilionária de cosméticos. Contudo, quando é abandonada pelo homem que ama, a sua vida sofre uma mudança tão radical que lhe altera o próprio corpo: perde os pelos púbicos e a menstruação, desaparecem os furos nas orelhas e o peito trona-se raso como o de um rapaz. Bride regride implacavelmente em direção à criança assustada que fora na infância. Naquele que viria a ser o seu último romance, publicado em 2015, Toni Morrison (1931-2019), a primeira escritora afroamericana e a oitava mulher a receber o Prémio Nobel de Literatura, retoma a meditação sobre os temas da raça, género e beleza centrando-se nos temas dos traumas de criança e da cor da pele. Será que os golpes da infância infetam e nunca cicatrizam completamente? Presença

Isabel Lucas
Conversas com escritores

Gustave Flaubert tinha o entendimento de que a obra literária se bastava a si própria, acreditando mais na objetividade do texto escrito e menos na relevância da personalidade do escritor. Pelo contrário, há quem considere que a biografia do autor ajuda a entender a obra. Isabel Lucas, jornalista e crítica literária, que conduziu entrevistas modelares a vários escritores de renome, refere, entre muitas outras, da curiosidade que a move “pelo pensamento que [o escritor] é capaz de produzir a partir de determinada pergunta ou interpelação. É este um dos momentos mais fascinantes para quem entrevista: sentir que a pessoa que tem à frente está a ser criativa fora de escrita literária”. Este conjunto de 15 entrevistas aos escritores Lydia Davies, Elena Ferrante, Paul Auster, Zadie Smith, Teju Cole, Patti Smith, Javier Marías, Salman Rushdie, Jennifer Egan, Peter Handke, Don DeLillo, Julian Barnes, Jonathan Franzen, Rachel Cusk, Enrique Vila-Matas, Ludmila Ulitskaya e Edmund White, quase todas publicadas no Ípsilon, o suplemento do jornal Público dedicado às artes, está repleto desses momentos criativos. Entrevistas, realizadas por uma profissional ciente de que “o entrevistador é mediador, não protagonista”, que ajudam a moldar a imagem pública destes grandes autores contemporâneos. Companhia das Letras

David Machado
Os Dias do Ruído

Vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura, em 2015, com Índice Médio de Felicidade, David Machado está de regresso ao romance com Os dias do ruído, livro que explora as complexas dimensões do mundo contemporâneo. Fotojornalista de guerra, dois anos depois de ter matado um terrorista islâmico num café em Paris, Laura corre o mundo a promover o livro onde conta esse marcante episódio, enquanto prepara uma obra sobre mulheres que fizeram algo heroico. Admirada por muitos e odiada por tantos outros, Laura começa a receber ameaças de morte à medida que nas redes sociais se intensifica o debate em torno de questões como o feminismo, racismo e xenofobia. No início, a fotojornalista, que aparentemente vivia num pedestal mas no seu íntimo enfrentava uma incessante busca para saber quem era, desvaloriza as ameaças, porém, o ruído virtual torna-se avassalador. Decide então regressar a casa, a um sossego do qual não sabia precisar. É já sob a “proteção” do pai, com quem não fala há muitos anos, que relaxa, que cuida da mãe e resolve quezílias antigas. Contudo, a calma depressa se transforma em tempestade: Laura é atacada por três homens e o instinto de sobrevivência volta a apoderar-se dela. “Matar não é uma questão de certo ou errado mas de sermos ou não capazes.” [Sara Simões] D. Quixote

Pedro Prostes da Fonseca
Dependência Digital

O novo milénio assistiu à emergência da primeira geração globalizada que cresceu com a tecnologia digital, familiarizada desde a primeira infância com os telemóveis, os tablets e os smartphones. Pesquisas recentes mostram mudanças dramáticas nos comportamentos, atitudes e estilos de visa desta geração millenium. O problema atingiu uma tal gravidade que a Organização Mundial de Saúde resolveu integrar a compulsão para os videojogos na classificação internacional de doenças, na categoria de perturbações associadas ao uso de substâncias ou comportamentos aditivos. A caminho estará o reconhecimento oficial da dependência das redes sociais como patologia. A ausência do estigma associado às drogas ou ao álcool leva muitos pais a acordarem tarde para o vício digital dos filhos. Por vezes, ficam até satisfeitos pelos jovens preferirem ficar em casa a saírem à noite com os amigos, por uma ideia de segurança. Este livro retrata os vários tipos de dependências provocadas pelo uso excessivo da internet. Procura apresentar soluções relativamente aos desafios da era digital para governantes, técnicos de saúde, professores, mas, sobretudo, para as famílias. Dá voz a terapeutas, apresenta casos e testemunhos e sugestões de como lidar com a internet de uma forma saudável. Fundação Francisco Manuel dos Santos