A metamorfose de um museu

Os 30 anos do Museu Arpad Szenes - Vieira da Silva comemoram-se com '331 Amoreiras em Metamorfose'

A metamorfose de um museu

Pela mão do novo diretor, Nuno Faria, o Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva celebra 30 anos de existência, com uma exposição em constante transformação que se prolonga até ao final de 2025, e diferentes intervenções no edifício.

As mudanças começam a notar-se ainda na rua. O Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, na Praça das Amoreiras, voltou a ganhar o amarelo original com que foi pintado há 30 anos e tem agora o nome em grandes letras na fachada. Neste aniversário redondo, já sob a direção do curador Nuno Faria, nomeado em fevereiro deste ano, o museu repensa-se e reinventa-se, seguindo a história do lugar onde nasceu, a antiga Fábrica de Tecidos de Seda, e também a história de amor que lhe deu origem.

É com o projeto expositivo 331 Amoreiras em Metamorfose, que se estende até ao final de 2025, que as salas do Arpad Szenes – Vieira da Silva ganham nova vida. O título remete para o número de árvores mandadas plantar pelo Marquês de Pombal para abastecer o processo de transformação e produção das fábricas de seda construídas na zona entre 1760 e 1770, no âmbito do plano de renovação urbanística de Lisboa, posterior ao terramoto de 1755. A ideia de “metamorfose” que inspirou Nuno Faria reflete-se tanto nas obras escolhidas, como na forma da mostra, que se vai mutando várias vezes ao longo do ano. “Será a mesma exposição, mas com cinco momentos diferentes, como se fossem uma gradação cromática”, descreve o diretor.

Depois de passada a loja do museu, agora logo à entrada e com um novo design assinado por Fernando Brízio, as escadas levam-nos àquilo a que Faria chama “uma ampla constelação de artistas, portugueses e estrangeiros, contemporâneos ou não de Maria Helena Vieira da Silva e de Arpad Szenes, cujas peças dialogam num espaço comum”. 331 Amoreiras em Metamorfose pretende propor novas leituras dos universos artísticos do casal e convocar outros autores a tecer diálogos com as obras e o lugar. “A ideia é contar histórias – não propriamente a história da arte, mas outras: sobre este edifício, onde se aprendia o ofício da tecelagem, sobre as 331 amoreiras, um número poético porque estranho, que alimentavam todo o ecossistema dos têxteis… É desse ecossistema que queremos falar, da solidariedade entre as espécies vegetal, animal e humana. Acredito que olhando para essas outras espécies, aprendemos sobre nós próprios”, explica o curador.

Sem perder o fio à meada

À entrada, no patamar das escadas, uma escultura de Frida Baranek, artista brasileira que vive em Lisboa, ocupa um espaço que, a partir de agora, terá, não pintura, mas intervenções escultóricas. É ali que há de estar, depois, uma peça de Sara e André, criada no ateliê de Vieira da Silva propositadamente para esta exposição, e, mais tarde, um trabalho de Vera Mota. Na sala principal, tiraram-se divisórias e destaparam-se as janelas, deixando entrar a luz natural, para dar outro conforto à visita. “O museu abriu-se à luz. É literal, mas acho que resume bem o que aqui quisemos fazer”, nota Nuno Faria. Nas paredes, as pinturas de Vieira e de Arpad convivem, lado a lado, como desejava a pintora, mas agora também com as de outros artistas. Nesta primeira fase, são quase três dezenas os nomes que se reúnem: Álvaro Lapa, Ana Hatherly, Ângelo de Sousa, Dominguez Alvarez, Fernando Marques Penteado, Lourdes Castro, Mário Cesariny, Sonia Delaunay, entre outros.

Logo ao início, duas crisálidas de Bruno Pacheco dialogam com Le Retour d’ Orphée, quadro que Vieira pintou depois da morte de Arpad. Mais à frente, havemos de descobrir desenhos e pinturas do artista húngaro, que teve nas borboletas um dos temas recorrentes da sua obra. Ou aquele desenho em que retrata a mulher no meio de tecidos, transformando-a quase num “bicho”, nome carinhoso pelo qual a chamava. “O tema da metamorfose é intemporal”, afirma Faria, sublinhando o interesse, nesta mostra, pelas mudanças dos corpos, de Ovídio aos dias de hoje.

O têxtil revela-se outro dos temas que vai atravessando a exposição, em obras como as de Robert Rauschenberg, Ana Jotta, Fernanda Fragateiro, Mumtazz, Tomba ou os estudos para tapetes de Vieira da Silva (uma das raras vezes em que assina com o apelido do marido, MH Szenes) ou, ainda, o vestido bordado a seda, oferecido pela pintora a Lourdes Castro (também encontramos uma serigrafia de Lourdes Castro oferecida a Vieira, em 1974). “A perceção de que as coisas têm uma textura parece-me fundamental. O material é muito importante para nos ligarmos à vida. Acredito que as realidades virtuais nos museus são desviantes e podem pôr em causa a apetência para apreciar uma pintura. O museu tem de ser político, não podemos ficar só no plano do estético”, defende o diretor.

“O museu convoca uma ideia de escuta muito forte e isso liga-nos aos outros”, continua Nuno Faria, enquanto fala, entusiasmado, de cada uma das peças expostas nas paredes. Montada “como um poema com rimas”, 331 Amoreiras em Metamorfose permite fazer cruzamentos de artistas, mostrando alguns dos seus trabalhos mais conhecidos e simultaneamente possibilitando inesperadas descobertas. Também por isso, em todos os cinco momentos da exposição, haverá visitas guiadas por alguns dos que aqui estão representados – para que, nesta trama, ninguém perca o fio à meada.

CICLOS

São cinco, os momentos da exposição 331 Amoreiras em Metamorfose

Até 9 fevereiro
[ I ] O Tecido do Mundo
Lançamento dos temas principais do projeto expositivo: “a metamorfose, a árvore, a ressonância do arcaico no contemporâneo ou o arcaico como contemporâneo, a fusão entre humano, vegetal e animal, a transmissão oral (e o papel das mulheres nessa tarefa de transmissão e de poetização da memória), a tematização do têxtil na pintura e no desenho, assim como a forma como o têxtil é cada vez mais assumido como central na produção artística contemporânea”.

13 fevereiro a 4 maio
[ II ] Uma Estreita Lacuna
A relação, por vezes metamórfica e fusional, entre a palavra e a imagem, a relevância do texto e a relação texto-têxtil: “A importância crucial do poético para as nossas vidas. O mesmo é dizer: da escuta. Estar à escuta do mundo e dos outros”.

8 maio a 13 julho
[ III ] Histórias de Bichos da Seda
Variações de metamorfoses: “a magia, os transformismos, os romantismos e o animismo”.

17 julho a 28 setembro
[ IV ] Notas sobre a Melodia das Coisas
São três, os motes: oralidade, auralidade e coralidade (de coral e de coro), ou “a cor, o silêncio dos objetos compostos em natureza-morta”.

2 outubro a 31 dezembro
[ V ] Ascensão: Vers la Lumière
“Uma montagem ao branco”, com pinturas alvas, muitas dos últimos anos de Vieira da Silva. O título, evocativo da sua última pintura, dá o tom para “um momento marcado pela litania, o lamento, mas também a beleza do reencontro para além da vida”. “A condição póstuma da arte é uma das suas mais fortes vocações e condições. Embora, muitas vezes, o esqueçamos”, aponta o diretor do museu, Nuno Faria.