Os dias de Raimundo Cosme

As sugestões do ator e encenador para esta semana

Os dias de Raimundo Cosme

Com a estreia do novo espetáculo da Plataforma285 marcada para o final do mês, Raimundo Cosme aproveita esta semana para ver uma peça de dança e um concerto, e ainda recomenda uma exposição, um documentário, um filme e dois livros.

Diretor artístico da Plataforma285, ao lado de Cecília Henriques, Raimundo Cosme anda embrenhado no novo espetáculo do coletivo, que se há de estrear a 29 de janeiro, no Teatro do Bairro Alto. Crice Crice Baby, em cena até 1 de fevereiro, define-se em negação: “Não é uma ode à resiliência. Não é uma romantização da resistência. Não é um apelo à perseverança. Mas também não é um último reduto”, sublinham na apresentação do que descrevem como “um concerto-performance-acontecimento transpirado”. Quase a chegar ao palco, estes são dias de ensaios e de experimentação de ideias, até porque, fazem questão, nunca põem de pé dois espetáculos iguais. “Gostamos de trabalhar sempre com o que não dominamos. Acho que se alguma vez a forma de fazer espetáculos ficar sólida me reformo. Garantindo todas as condições necessárias, agrada-me este privilégio de estar num sítio pela curiosidade e pelo amor”, diz Raimundo. Neste processo de trabalho e por causa do doutoramento que está a fazer, tem mergulhado nas páginas de dois livros que aqui sugere, mas, para esta semana, não faltam outras recomendações – para quem gosta de sair à rua e para quem prefere ficar em casa.

©Renato Cruz Santos

fio^, de Inês Campos

9 a 11 janeiro
Teatro do Bairro Alto

Raimundo Cosme confessa que nunca viu nenhum espetáculo de Inês Campos, mas este, que junta as linguagens da dança, da música, do teatro visual, da poesia e do storytelling, prendeu-lhe a atenção. “Na Plataforma285, vimos do teatro, mas estamos a trabalhar cada vez mais com artes performativas, indo buscar artes visuais e música para os nossos espetáculos. É uma luta, esse trabalho, e interessa-me ver como outras pessoas a resolvem”, diz. Já pôs, por isso, na agenda rumar ao Teatro do Bairro Alto para ver fio^, uma peça sobre as narrativas e os diálogos internos que acontecem dentro das nossas cabeças. “O TBA é um sítio onde têm aparecido muitos nomes que não conhecia, apresentados sem etiquetas paternalistas, e onde tenho feito muito boas descobertas, tanto nacionais como internacionais.”

Agressive Girls

10 janeiro, 22h
Galeria Zé dos Bois

Em Crice Crice Baby, haverá uma banda em palco, as Agressive Girls, e, nem de propósito, esta é a semana em que dão um concerto na Galeria Zé dos Bois, numa noite onde atuam também Bleach Mane & Mizu, warupmaria, 7777 の天使 e Um6ra. “São uma banda de punk eletrónica, queer, feminista, tudo o que é importante. São muito lindas, têm muita força e muita energia, vale muito a pena ir vê-las. Ainda por cima, num espaço mais intimista como a ZDB. Foi a Cecília que, ainda antes de sabermos o que ia ser este espetáculo, disse que gostava que elas estivessem connosco. Fui ouvi-las e gostei muito, são incríveis.”

Endless Sun: Capital Blindness, de Hugo de Almeida Pinho

Até 16 fevereiro
Carpintarias de São Lázaro

Inaugurou em dezembro, esta mostra de Hugo de Almeida Pinho, com curadoria de Paulo Mendes, “sobre a ideia de políticas solares e as suas implicações críticas em diversas esferas energéticas, biopolíticas e tecnológicas”. Para Raimundo Cosme, não se deve perder a oportunidade de ir às Carpintarias de São Lázaro, para a ver. “É uma exposição tão consistente, estruturada e depurada. O Hugo de Almeida Pinho trabalha no detalhe a ideia do sol e da luz do sol e constrói peças de arte visual a partir daí. É linda e muito inteligente.”

©Netflix

A Vida, Segundo Philomena Cunk

Netflix

Está disponível desde 2 de janeiro, este novo filme de Philomena Cunk, personagem delirante, criada pela atriz inglesa Diane Morgan, que faz documentários sobre assuntos que não domina de todo. “É tudo muito fantástico: a leviandade com que ela fala, a caras dos especialistas que entrevista, as teorias que apresenta e que nos fazem rir mas que, na verdade, não andam longe de muitas defendidas hoje por negacionistas e outros…”, afirma o ator e encenador. “Adoro a seriedade com que ela faz aquilo – nunca resultaria em teatro, mas funciona mesmo bem ali num programa de falso documentário. Além disso, a atriz tem alguma coisa, no olhar, de Lucy McCormick, uma artista incrível que também vai estar em Lisboa e que recomendo já”, adianta Raimundo, referindo-se ao espetáculo Lucy and Friends, que estará no TBA, nos dias 14 e 15 de fevereiro.

Love Has Won: The Cult of Mother God

HBO Max

Outra sugestão para ver em streaming, este documentário sobre a vida e a morte de Amy Carlson, uma “salvadora espiritual”. “É uma história muito americana, mas muito interessante. Sou fascinado por cultos e pela forma como as pessoas os seguem sem pensar. A humanidade sempre precisou de fugas e salvações, mas é incrível como as pessoas acreditam em tudo quando querem. Fascina-me a incapacidade de lidar com a inevitabilidade da morte e do drama, quando devíamos estar antes preocupados em deixar o legado de um mundo melhor e memórias de felicidade. Estas crenças não andam muito longe dos populismos que vemos hoje.”

Reality Shows – Ritos de Passagem da Sociedade do Espectáculo, de Eduardo Cintra Torres

Edições Minerva Coimbra

A tirar um doutoramento em Artes Performativas, partindo do primeiro espetáculo da Plataforma285, Raimundo Cosme tem lido e relido este livro de Eduardo Cintra Torres, um autor a quem recorre com frequência. “Gosto muito dos livros dele e este permite-nos pensar no fenómeno da televisão, mas também no impacto da ideia de ‘ser conhecido’ e dos reality shows no nosso imaginário coletivo. Interessa-me bastante este tema da sociedade do espetáculo. Sou da geração do nascimento da SIC, em que se passou a dar primazia ao entretenimento, e nos nossos espetáculos pensamos muito no que é isso da alta e da baixa cultura.”

The Virtues Of Underwear – Modesty, Flamboyance And Filth, de Nina Edwards

Reaktion Books

Na conceção de Crice Crice Baby, Raimundo Cosme descobriu este livro, que ainda não está traduzido para português. “O tema da roupa interior e da sua representação nas artes interessa-me muito. Tem bastante a ver com o que estamos a preparar nesta criação e gosto de pensar nos significados que uma peça de roupa interior, que começa por ser uma coisa comum, pode ganhar ao longo do espetáculo. Tenho lido este livro e pensado muito na forma como vamos conseguir montar espetáculo”.