Luiz Pacheco na cidade dos arcebispos

"O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor" no Teatro São Luiz

Luiz Pacheco na cidade dos arcebispos

Em ano de centenário do nascimento do escritor Luiz Pacheco, André Louro volta a interpretar o monólogo O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor, uma encenação de António Olaio para a obra homónima do mais desregrado autor da literatura portuguesa.

Imagine-se 1961, ano em que irrompe a “guerra colonial”. Imagine-se a “metrópole”, mais especificamente o Minho rural e clerical do salazarismo. E uma carrinha da biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, na estrada para levar leitura a quem não tinha acesso a livros por esse país fora. Imagine-se, a bordo, um tal de Luiz Pacheco (1925-2008), o anti-herói de um pequeno grande livro chamado O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor que, em 1998, ainda com o autor vivo, o encenador António Olaio decidiu levar para o palco, entregando o papel do protagonista ao então jovem ator André Louro.

Dali para cá, o espetáculo correu o país, foi ao estrangeiro, conheceu duas versões e, vendo bem, “tanto pode ser feito numa sala convencional, como num bar ou numa cozinha” – neste caso, será no subpalco do Teatro São Luiz. Como afiança o ator acerca da portabilidade deste O libertino, “é perfeito, porque tudo o que preciso para o fazer cabe no meu skoda.”

Na atual versão, não há figurantes nem outros atores, e Louro está sozinho em cena, assumindo o papel do Libertino, que mais não é que o próprio autor. Lembra o encenador, que conheceu Luiz Pacheco em Almada – quando o escritor “ia ao teatro municipal visitar um amigo e aproveitava a ocasião para vender [os seus] livros” –, que toda a obra do autor é autobiográfica, sendo que é em O Libertino passeia por Braga… que, como aponta o investigador Rui Sousa, Pacheco dá plena expressão ao Libertino, “um dos conceitos maiores da iconografia autoafirmativa” do escritor que prosseguirá posteriormente, “culminando na vasta produção diarística”.

Fiel à narrativa, Louro encarna então no Libertino/Pacheco e ao longo de uma hora conta as pícaras aventuras vividas por terras minhotas, sobretudo pela bonita cidade de Braga, onde pernoita na Pensão Oliveira, e vai deambulando em busca dos mais livres prazeres da carne, engatando lolitas mais ou menos devotas e magalas a dias de embarcarem para “Angola-é-Nossa” (assim, zombando, refere Pacheco a antiga colónia portuguesa).

Através do riso, da sátira, da autoironia e de um infinito amor à liberdade, afronta-se a Igreja, pilar do salazarismo, precisamente naquela que era conhecida como a “cidade dos arcebispos”. Nada inocente, é debaixo das batinas que Pacheco quer pecar, naquela cidade bastião das públicas virtudes do regime. Enquanto o faz, vai escancarando os limites provincianos do país de então, com as suas profundas desigualdades sociais e culturais.

“Provavelmente, muitos jovens terão dificuldade em reconhecer algumas das coisas que aqui se dizem, sobretudo pelo retrato feito do país. Não saberão sequer o que é um ‘magala’, embora agora queiram outra vez mandar os miúdos para a tropa”, observa André Louro. Contudo, o ator acredita que “haverá sempre uma ou outra frase ou situação que cada espectador, independentemente da idade irá reter”, afinal, Pacheco é mesmo intemporal. E, sim, continua a ser muito divertido e controverso; e pecaminoso, também. Mas, como diria o Libertino/Pacheco, a “vontade de ter pecado” é vontade “de viver”.

Com récitas agendadas para 17, 18 e 19 de janeiro, O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor chega ao Teatro São Luiz em ano de centenário do nascimento de Luiz Pacheco, inaugurando o ciclo Subsolos, constituído por monólogos a serem apresentados no subpalco da sala principal do teatro municipal. Esta versão do espetáculo de António Olaio e André Louro tem cenário e figurino de Maria Ribeiro, desenho de luz de Daniel Verdades e dramaturgia de Anabela Felício.