cinema
As vozes de um todo
Filme de Edgar Ferreira sobre o Coro Gulbenkian chega às salas de cinema

Coro revela, de forma surpreendente, o lado mais íntimo do Coro Gulbenkian, um dos mais conceituados coros do mundo que celebra, em 2025, 60 anos. O documentário de Edgar Ferreira dá a conhecer as vidas de vários coralistas que, nem sempre, têm na música a sua principal ocupação. Estreia a 3 de abril.
O realizador e argumentista Edgar Ferreira começou por trabalhar para o departamento de marketing da Fundação Calouste Gulbenkian. Inicialmente foi-lhe proposto fazer um filme que desse a conhecer o propósito da Fundação. Foi este o ponto de partida para uma colaboração que dura há alguns anos e que, em 2023, deu origem ao documentário A Soma das Partes. O filme, estreado no aniversário dos 60 anos da Orquestra Gulbenkian, contava a história do agrupamento que tem um enorme relevo no panorama musical português.
Coro, o novo trabalho do realizador, chega aos cinemas dois anos depois dessa primeira longa-metragem, também com o intuito de celebrar as seis décadas do Coro Gulbenkian, dois anos mais novo que a orquestra. Para Ferreira “é um privilégio poder trabalhar com música. Há muitos mecanismos que consigo ver nos músicos ou nos coralistas, naquilo que é o trabalho artístico deles, que identifico com o meu. Temos as mesmas preocupações, procuramos alcançar um resultado artístico e isso implica todo um esforço.”

Em Coro conhecemos os rostos e as vidas, daqueles que formam o Coro Gulbenkian, daqueles que dão voz a um dos mais conceituados grupos do género, que conta com inúmeros concertos, discos e distinções. Surpreendentemente, muitas das pessoas que o integram têm outras profissões como principal ocupação, são professores, médicos, advogados, engenheiros, mas reúnem-se várias noites por semana para ensaiar e cantar a uma só voz.
Segundo o realizador, essa particularidade era essencial explorar, “perceber como é que um coro com esta reputação e com este reconhecimento internacional é formado por pessoas que têm outras ocupações e não estão a tempo inteiro dedicadas a isto. É algo extraordinário e incomum. Há muitos coros cujos coralistas têm outras ocupações, mas há poucos com reputação internacional em que os membros no final de um dia de trabalho se dedicam a um ensaio de mais de duas horas, em prol desta obsessão artística que é a produção de música em conjunto.”
As histórias pessoais de todos os que participam no documentário são fascinantes e a dedicação e a sensibilidade que transmitem são inspiradoras. A soprano Verónica Milagres é diretora da Rádio Miúdos e membro do Grupo Musical PortuGoesas, de origem indiana, encontra uma grande riqueza na diversidade do coro. O mesmo pensa o tenor e enfermeiro, Rui Miranda. A contralto Carmo Pereira Coutinho, é advogada e desde que integrou o coro a gestão do tempo é um desafio diário. Um desafio também sentido pela soprano Filipa Passos, ginecologista e obstetra. No fim, ambas concordam que o esforço compensa. Para José Bruto da Costa, baixo e musicólogo, e para Marisa Figueira, soprano e professora de música, há uma magia e um amor à música que são quase inexplicáveis.
Outras histórias, outras pessoas ficaram de fora, era impossível incluir o testemunho de todos os elementos do coro. Edgar Ferreira confessa-nos que “se começasse a fazer o filme agora, porventura poderiam ser outras pessoas a figurar no documentário. Há muitas histórias que ficaram por contar. Poderia ser outro filme, mas o que acaba por acontecer é que estas pessoas que participam são representativas das outras. O seu perfil surge em representação de um grupo mais vasto, e isso também é bonito. Tivemos a oportunidade de mostrar o filme ao coro e muitos deles afirmaram que os colegas tinham dito exatamente aquilo que também sentiam, ou pensavam. No fim, perceber que os que ficaram de fora, se reviam no testemunho daqueles que dão a cara fez todo sentido.”
O Coro Gulbenkian teve a sua primeira apresentação pública a 27 de maio de 1964. Entre 1969 e 2020, o maestro suíço Michel Corboz, figura marcante para o grupo, foi o Maestro Titular. Com ele interpretam, muitas vezes em estreia absoluta, obras contemporâneas de compositores portugueses e estrangeiros, nomeadamente as sinfonias corais de Gustav Mahler, que exigem uma grande capacidade instrumental e coral. Compositores como Fernando Lopes Graça, Croner de Vasconcelos ou Joly Braga Santos, entre outros, integram também o repertório vocal. A partir de 2024 Martina Batic passa a ser a maestra titular, Inês Tavares Lopes, maestra adjunta, e Jorge Matta, consultor artístico.
O filme não pretende, no entanto, ser um retrato histórico, mas sim um retrato íntimo, de pessoas únicas que formam um todo e onde inevitavelmente também se refere o passado. Para o realizador, “ainda que o documentário não tenha essa retrospetiva cronológica, há momentos históricos e havia necessidade de os abordar. Defini que a visão seria sempre uma visão interior, teria sempre de partir dos coralistas. Tudo o que sabemos sobre música, sobre maestros, sobre o trabalho que fazem, são os coralistas que nos contam em discurso direto, na primeira pessoa”. E, perante o filme, o público perceberá que “a melhor forma de retratar o coro, era precisamente através da diversidade, porque nenhum deles nos diz o que o coro é, mas, todos juntos, dão-nos uma visão daquilo que o coro pode ser.”