Os dias de Clara Não

As sugestões da ilustradora e cronista para esta semana

Os dias de Clara Não

Ilustradora, cronista, ativista. Clara Não é uma das vozes feministas mais influentes da nova geração e tem vindo a desenvolver um trabalho importante na área da defesa dos direitos das mulheres. Com uma exposição acabada de inaugurar na Apaixonarte, a “feminista em construção”, como se autointitula, dá as suas sugestões culturais para os próximos dias.

Colunista regular do jornal Expresso, cresceu no Porto e agora divide o seu tempo entre a Invicta e a capital. Fazendo uso da ironia, da irreverência e do humor, reivindica a igualdade e desmonta preconceitos, tabus, discriminações e os mais variados ismos, como racismos ou machismos. Sem pedir licença é a exposição individual que, até 3 de maio, leva à Apaixonarte, uma galeria que promove o trabalho de artistas emergentes. “Como mulheres, passamos a vida a pedir licença para viver (…) Esta mostra é muito mais do que meras ilustrações e pensamentos sobre o tema: é uma instalação imersiva que reflete sobre ela própria e faz pensar o modo como vivemos em sociedade.”

Da Boca ao Universo, de Lui L’Abbate

15 de abril, 18h30
Teatro do Bairro Alto

Lui L’Abbate, “artista cuir prete e trans-disciplinar”, parte da análise crítica que o livro Quando o sol aqui não mais brilhar: a falência da negritude, de Castiel Vitorino Brasileiro, propõe sobre a continuidade colonial na modernidade e também da sua própria investigação íntima sobre luz, para conceber um jogo poético e imersivo entre brilho e escuridão, luz e sombra. Fã assumida da programação do Teatro do Bairro Alto, por ser “sempre muito inclusiva”, Clara escolhe esta conversa performativa porque é “urgente descolonizar a cultura”. “Esta pessoa artista é não-binária, e eu acho que é importante abraçar este tipo de programação que desmancha as caixas todas de género e de regras sociais formativas.”

Entre os vossos dentes, obras de Paula Rego e Adriana Varejão

Até 22 de setembro
CAM – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian

Clara sugere a exposição que junta duas artistas de diferentes gerações, Paula Rego (Lisboa, 1935 – Londres, 2022) e Adriana Varejão (Rio de Janeiro, 1964), mas com três décadas de trabalho simultâneo. Separadas pelo Atlântico, as artistas seguem caminhos autónomos que, por variadas vezes e de diversos modos, convergiram. Entre os vossos dentes revisita trabalho de ambas, cruza os seus temas e revitaliza as leituras. “Acho sempre muito interessante quando há um diálogo intergeracional. A Paula Rego é uma figura muito relevante pela sua arte e pela maneira como se expressava, mas não só: era também uma feminista. Era muito vocal em relação ao aborto, por exemplo. E é mesmo muito relevante falarmos desses temas, ainda mais quando se o faz através destes diálogos interessantes e até inesperados.”

Eu, Tu e Todos os Que Conhecemos

Filme de Miranda July
em blu-ray

A comédia transgressiva Me and you and everyone we know com uma visão original e poética sobre a sexualidade, a intimidade, a infância e a solidão num mundo, ao mesmo tempo, familiar e estranho, é a sugestão de cinema de Clara. “É um diálogo sem tabus, que nos faz sorrir e nos mostra uma visão de realidade muito díspar daquela rotineira a que estamos habituados. O filme também põe em causa muitas questões sobre arte contemporânea, sobre não olharmos para o nosso quotidiano com magia quando há tanta coisa horrível a acontecer à nossa volta.”

Quem Tem Medo do Género?, de Judith Butler

edição Orfeu Negro

Neste livro, Judith Butler, uma das principais figuras teóricas contemporâneas do feminismo e da teoria queer, examina a forma como o género se tornou um “fantasma” para regimes autoritários, grupos fascistas, feministas transexcludentes ou o Vaticano, que o declarou “ameaça à civilização e ao próprio homem”. Em Quem Tem Medo do Género?, a autora procura produzir uma visão contrária convincente, que afirme os direitos e as liberdades da vida corporal que urge proteger e defender. Clara sugere esta obra porque mostra como “a questão do género está a ser uma espécie de arma da extrema-direita para conseguir ganhar votos e mudar a retórica das coisas, usando ‘a ideologia de género’ para tapar muitas falhas dos seus próprios programas”.

The Feminist Killjoy Handbook, de Sara Ahmed

Sem edição portuguesa

Numa altura em que a mudança social é urgentemente necessária, este “manual feminista” oferece ferramentas úteis para as leitoras a quem já fizeram sentir isoladas, insignificantes ou difíceis. “Este livro conotou mesmo a expressão feminists killjoy, que se refere a feministas zangadas”, avança Clara. “É, no fundo, um manual nada extremista sobre como as feminists killjoy podem vir a transformar este mundo.”